Era madrugada quando Maria, nome fictício de uma profissional autônoma de 64 anos, acordou com o barulho de alguém mexendo na porta da sala da sua casa, no Residencial Cidade Verde, em Goiânia. Ela pensou que fossem ladrões, mas eram policiais militares, o que no caso dela não reduziu os momentos de medo que ela enfrentou em seguida.“Meu coração quase pulou pela boca”, relembra Maria. Dois meses antes, em uma residência vizinha à dela, dois adolescentes e um homem foram mortos em uma suposta troca de tiros contra uma equipe da Rondas Ostensivas Táticas Metropolitana (Rotam), depois que os policiais entraram pelos fundos da casa.Desde a morte do adolescente Roberto Campos da Silva, de 16 anos, após ter a casa invadida por PMs descaracterizados no dia 17 de abril, O POPULAR ouviu relatos de oito casos em que policiais, identificados ou não, entram em lotes e residências sem a devida autorização judicial e depois das 18 horas. Em quatro desses casos, todos neste ano, a entrada dos policiais na residência terminou em supostas trocas de tiros. A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Goiás (OAB-GO) confirma ser recorrente este tipo de denúncia.No caso de Maria, dois policiais militares haviam pulado o muro, aparentemente em busca de um suspeito de crime que se escondeu na região e poderia estar no quintal dela. Depois dos policiais se identificarem, a autônoma permitiu que mais quatro policiais entrassem em seu quintal. O suspeito não foi encontrado. “A primeira coisa que fiz no outro dia foi comprar uma cortina para a janela. Até hoje eu não gosto de olhar para janela sem cortina a noite, que vem tudo na minha cabeça.”Já na ocorrência em que três pessoas morreram, foi noticiado na época que no local havia dois carros roubados e materiais usados para refino de cocaína. O inquérito do caso está na mesa do delegado Ernani Cazer, da Delegacia de Investigação de Homicídios (DIH). Faltam o exame de confronto balístico e ouvir uma testemunha. Cazer preferiu não omitir opinião sobre o caso.A Constituição Federal considera a casa um abrigo inviolável, que não deve ser adentrado sem permissão, com algumas exceções. No caso do adolescente Roberto, os policiais que invadiram sua casa afirmam, em depoimentos, que haviam recebido uma denúncia de uso de arma de fogo, o que constituiria um flagrante, ou seja, uma exceção.O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO, Roberto Serra, defende que a residência não pode ser violada por denúncia anônima. Ele se baseia em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a um processo de Rondônia, que considerou ilegais provas obtidas após entrada de policiais em residência sem ordem judicial baseada por denúncia anônima.Recém-empossado, o presidente do Grupo Especial do Controle Externo da Atividade Policial (GCEAP) do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), promotor de Justiça Leandro Murata, disse desconhecer casos de violação de domicílio por policiais. “Se não estiver documentado, não tem como atuar.”A assessoria de comunicação da PMGO informou que a instituição só vai se manifestar sobre os casos após a conclusão do inquérito policial.