Resultado das denúncias de desvios de recursos públicos e de questões financeiras, a Saneago acaba de sofrer rebaixamento no rating corporativo de A para BBB. Jalles Fontoura (PSDB), que assumiu o comando da estatal há um mês, brinca que seu foco é superar “o 11 de Setembro” da empresa, em referência à Operação Decantação, deflagrada em agosto do ano passado pelo Ministério Público Federal.O presidente finalizou um plano de cortes de despesas que inclui demissões de 400 funcionários e atua para dar continuidade às obras paralisadas por conta das denúncias.Apesar dos problemas, Jalles, que é ex-prefeito de Goianésia, empresário e formado em engenharia civil, se diz otimista e garante que a Saneago não tomará o mesmo caminho da Celg, privatizada no mês passado. Ele também defende o ex-presidente José Taveira Rocha (PSDB), que chegou a ser preso na Decantação, juntamente com o então diretor da Saneago e presidente do PSDB estadual, Afrêni Gonçalves. Na primeira entrevista desde a posse, Jalles detalha as primeiras medidas.A Saneago sofreu queda no rating. A que atribui isso e como será revertido?O rating corporativo era A, que possibilita tomar recursos em nível mais barato, e caiu para BBB, índice logo abaixo. A Fitch Ratings (agência de classificação de risco de crédito que fez a avaliação) alegou basicamente duas questões: a Operação Decantação, que afetou a imagem da empresa, e a baixa liquidez. Espero que seja um rebaixamento provisório, a ser superado daqui a seis meses. A Decantação está praticamente resolvida no que diz respeito à parte administrativa. Tivemos reunião em Brasília, com presença de todas as partes envolvidas - empresas, Saneago, CGU, Ministério das Cidades -, e foi acertado retomar os investimentos paralisados. Às vezes um problema gera uma solução. A questão da falta d´água em Brasília gerou isso. Com a pressão da imprensa e da população, todo o governo passou a querer solucionar logo. Em vez de nova licitação, houve acordo para retomar as obras de Corumbá 4 e finalizar os investimentos de R$ 100 milhões do consórcio Caesb-Saneago.Qual é a situação financeira da empresa? Por que há essa baixa liquidez?A relação entre ativo e passivo circulante não está boa. A Saneago hoje tem muitos pontos positivos, muitos orgulhos. Estamos melhores que a média nacional em muitos aspectos. E a empresa não dá prejuízo. Ela tem uma situação de balanço regular, com pequeno lucro. Mas no aspecto financeiro, há um endividamento em curto prazo. Este ano vamos ter que pagar R$ 400 milhões. É muito importante melhorar essa relação entre curto, médio e longo prazo. É o desafio. Nosso grande trabalho hoje é fazer uma gestão que recupere a posição de rating A para facilitar a parte financeira.Como se chegou a esse endividamento? O (José) Taveira conseguiu reduzir bem o endividamento. Ele pegou a empresa com R$ 1 bilhão de dívida. Houve aumento importante da receita, com revisão das tarifas, e um maior controle de despesas. Já a administração do José Carlos Siqueira teve outro papel, que foi de melhorar o controle - instalar auditorias, fazer um raio X de todos os contratos. Agora é hora de dar operacionalidade, dar o resultado dessas melhorias. Temos espaço, até o final de 2018, para continuar este caminho. Vamos continuar reduzindo despesa.Onde haverá cortes?Faremos programas de demissão voluntária e incentivada para reduzir 400 funcionários. Estão prontos para ser lançados. Na sequência, faremos desligamento já programado. A empresa tem hoje 5,4 mil trabalhadores. Já estamos contratando engenheiros em seleção realizada. Acho necessário e saudável a renovação na empresa, embora tenha expertise muito grande.A intenção é cortar quanto em despesas?Temos um programa para cortar R$ 200 milhões este ano. O nosso faturamento deverá ser de R$ 2,3 bilhões. A economia será não só com demissões, mas em outros pontos. Há muita gordura a ser queimada, na questão tributária, em gastos de custeio. A receita não vai aumentar. A tarifa terá apenas reposição da inflação.Voltando à questão da Operação Decantação, como foi o acordo para retomar obras?Há boa vontade de todas as partes para resolver Corumbá 4. Com isso, conseguimos redução de contrato de R$ 34 milhões para R$ 15 milhões, já que havia denúncia de sobrepreço. O problema maior para as empresas citadas não é nem o prejuízo da operação, mas a questão da credibilidade. Elas também perdem rating. Por exemplo, temos uma construção crucial que é o linhão, de R$ 200 milhões, que vai ligar o sistema Mauro Borges a Aparecida de Goiânia. Estava tudo pronto e no dia que saiu a Decantação, o Credit Suisse suspendeu. Olha o prejuízo que tivemos por conta disso. Estamos correndo atrás de novo. As empresas todas perderam e queriam retomar. Foi um ganha-ganha. Queremos agora sacramentar a retomada das obras em acordo com a CGU e o MPF.Quanto tempo levará?Oito meses para terminar. A obra já teve atraso de oito meses, mas está bem adiantada. Retomando as obras, a Decantação fica superada na parte administrativa e operacional. Aí ficará a parte criminal. Não houve, por exemplo, propina, roubo, desvio. Houve sobrepreço. Resolvida essa parte, acabou.Mas a denúncia mostra gravações que apontam pagamento de dívidas de campanha.Tenho conhecimento das gravações. Eu trabalho com o Taveira desde 1989 e já vi muita demonstração de espírito público dele. Ele não combina com isso de propina. Não cabe nem a ele nem ao Afrêni. A Justiça vai constatar isso. Taveira merece reconhecimento. Ele não é ladrão, não é corrupto.Não houve pagamento de dívidas de campanha?O que foi entendido nas gravações como pagamento para campanha na verdade era para a Saneago, de remuneração de serviços prestados à estatal. Taveira tem um nome. Um homem de 74 anos, que já demonstrou tanto espírito público, na Caixego, no Detran, Agência de Fomento, Ipasgo. O que ele fez aqui vai ser reconhecido. Ele foi um dos grandes presidentes da Saneago. Na hora que decantar realmente, as pessoas vão reconhecer a qualidade do serviço que ele prestou. É uma pessoa proba, honesta, correta, ética.As obras do intermediário Meia Ponte também foram alvo da Decantação. Como estão?Essa obra também está embutida no acordo geral. Ela vai ajudar Goiânia a ter 100% de esgoto. Os gastos previstos eram de R$ 16 milhões. Gastamos pouco mais de R$ 1 milhão e parou. O MPF mandou parar. Superar a Decantação libera as obras, facilita a melhoria do rating, facilita retomar empréstimo do Credit Suisse para o linhão. Para nós é fundamental fechar esse ciclo e retomar os investimentos. Aí a gente supera esse trauma.Como serão combatidos novos traumas? Inclusive no mesmo dia que assumiu teve a Operação Gota D´Água apontando suspeita de fraudes em licitações. Como evitar novos casos?Foi a parte da Decantação que não incluía recursos federais e não houve envolvimento da Saneago. Mas para evitar novos problemas temos de aumentar o controle. Estamos implantando sistema de controle eletrônico para identificar relação entre empresas que participam de licitação, por exemplo. O aumento do controle é uma das lições que aprendemos. Temos de verificar os contratos, a execução dos serviços, melhorar o nível de licitações. Também vamos colocar a ordem cronológica de todos os pagamentos na internet. Isso passa um sinal também às empresas, que não precisarão ficar fazendo pressão política ou outros tipos de ações. Sabem quando vão receber.Como estão as conversas sobre o contrato com Goiânia, que o prefeito Iris Rezende dizia ser contra?Isso é discutido pelos 225 prefeitos. Já recebi vários falando disso. Eu fui prefeito dez anos e sei como é. Primeiro a vontade é assumir o serviço de água. Depois se percebe que os desgastes são grandes, a questão é complexa e o sistema é caro. Os consumidores reclamam da tarifa. A maioria dos 21 que não têm contrato com a Saneago quer ter. No caso de Goiânia tem ainda a questão da Região Metropolitana. É questão de bom senso pensar isso de forma integrada.A lei nacional das estatais estabeleceu que conselhos sejam técnicos e o governo estadual baixou decreto nesse sentido. Será cumprido?Vamos enquadrar. Inclusive já estamos trazendo pessoas de grande conhecimento. O governador convidou Gesner Oliveira, que foi presidente da Sabesp, ligado a José Serra, para ser membro do Conselho de Administração. Teremos dois conselheiros independentes, um funcionário eleito, conforme a lei. Precisamos demais profissionalizar completamente a Saneago. Evitar uma Cedae (companhia do Rio), que está sendo privatizada. A Saneago é um patrimônio de Goiás e que precisa ser preservado. Nós não vamos ser Celg. A Saneago vai continuar sendo estatal.Um dos problemas da Celg foi justamente ter gestões políticas em vez de técnicas.Concordo totalmente. A Saneago tem de ter gestão técnica. Não pode haver um viés de gestão política, de aparelhamento. É preciso ter visão de empreendedorismo, racionalidade, planejamento, para que a empresa seja lucrativa, que faça parcerias com a iniciativa privada, que tenha resultados.Um dos argumentos do governador Marconi Perillo para a privatização da Celg foi a falta de capacidade de investimentos por parte do Estado diante de demanda muito grande. Não é o caso também da Saneago?Não. Essa é a diferença. A energia, assim como aeroportos ou mesmo operação de rodovias, não tem sentido não ser privada mais. Agora, em água temos potencial, temos possibilidade. Podemos fazer muito mais. Um exemplo é o do Paraná ou a própria Sabesp. Elas são públicas, operam bem, os capitais privados existem. A água merece um enfoque maior. Como estatal, desde que bem gerida, é mais fácil do que uma empresa privada porque exige um processo de entendimento global. A Saneago é muito viável. Ela precisa ter administração profissional e ser bem administrada.Qual é a capacidade de investimentos da empresa hoje?Temos um projeto de investimentos de R$ 482 milhões para até o fim de 2018. Estamos atrás desse dinheiro, seja da (privatização da) Celg, do Orçamento Geral da União ou de empréstimos. Temos de passar ao mercado que a empresa tem controle. O PDV e o corte de despesas dão uma imagem positiva, mostram seriedade e capacidade de governança corporativa. Não ter politicagem, ter indicações técnicas, é bom. 95% dos cargos são de servidores efetivos.Mas o sr. é ex-prefeito. Aliás, a lei nacional das estatais proíbe que dirigentes partidários e pessoas que tenham atuado em organização de campanhas eleitorais assumam direção de estatais. Isso não o afeta?Não porque eu sou de Goianésia, não do Estado. Afetaria o Afrêni, que era um dirigente estadual.O sr. também é do diretório estadual do PSDB.Eu não sei. Eu nem lembrava. Mas não tenho cargo executivo no partido. Eu estudei toda a parte jurídica, ouvi vários advogados. Não há impedimentos. Eu sou engenheiro e tenho experiência como gestor público, que é importante também na negociação com todos os prefeitos. Vou usar isso para fazer uma boa gestão.