Na semana em que o Museu Nacional, do Rio de Janeiro, foi consumido pelas chamas, Goiás lembra a sua própria tragédia histórica. Nesta quarta-feira, 5 de setembro, completam-se 16 anos do incêndio que destruiu a Igreja Nossa Senhora do Rosário (Igreja Matriz), em Pirenópolis. A estrutura, construída originalmente entre 1732 e 1736, foi refeita, mas as perdas patrimoniais e artísticas são irreparáveis.O fogo que consumiu a Igreja Matriz começou pela madrugada, na sacristia. As chamas se espalharam, atingiram o altar-mor e propagaram-se pelo templo. Bombeiros foram chamados, mas pouco puderam fazer.Ao fim de cerca de dez horas de incêndio, as chamas destruíram totalmente os três altares de madeira trabalhada, o teto e o forro e 16 imagens sacras, além de objetos e paramentos do rito religioso.Até hoje não há uma resposta definitiva sobre o que deu início à tragédia, mas há fortes indicativos. O site pirenopolis.tur.br aponta que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) já havia denunciado algumas irregularidades, como ligações elétricas clandestinas e ligação de água e esgoto não autorizadas. Inclusive, na noite do incêndio, teria acontecido uma vigília no local até a meia-noite, levantando a suspeita de que alguma vela deixada nos altares pode ter dado início à tragédia.A igreja, a mais antiga da região Centro-Oeste, era a maior edificada em taipa. Os elementos que foram destruídos eram exemplares do barroco brasileiro, feitos por artistas goianos e mineiros. Mesmo com essas perdas, ao menos a estrutura da igreja pôde ser refeita.ReconstruçãoForam três anos e meio sem a Igreja Matriz. Após um período de reforma, ela foi reentregue à população em março de 2016.A empresa responsável por sua reconstrução foi a Biapó, especializada em restauração arquitetônica e artística de monumentos históricos. O dono da empresa, Manoel Garcia Filho, ainda lembra detalhes do trabalho realizado e sente orgulho por ter ajudado a devolver aos pirenopolinos parte de sua história, apesar das perdas irreparáveis.“A primeira coisa que tivemos que fazer foi proteger em volta da igreja. Internamente não poderíamos mexer porque ainda estava muito quente. Dentro pareceu um forno. Foram muitos meses para que fôssemos liberados para fazer o recolhimento do que sobrou”, lembra Manoel.Após fazerem o escoramento das paredes para evitar que desabassem, teve início o serviço de resgate aos itens que ainda pudessem reutilizados – conhecido como salvamento emergencial –, mas o trabalho não foi capaz de recuperar muita coisa. Grande parte do acervo da igreja era feita de barro e madeira e foi desfeita pelo fogo. Entre o pouco que restou estão partes do sino, hoje expostos no local.O passo seguinte depois do salvamento emergencial foi a restauração da estrutura em si. O serviço também foi desempenhado pela Biapó, mas não começou de imediato. Primeiro foi necessária um procedimento licitatório, que foi promovido pela Sociedade dos Amigos de Pirenópolis.A restauração levou pouco mais de dois anos para ser concluída, e Manoel se orgulha do que foi feito. ”Foi um trabalho até exemplar pelo prazo”, considera.De acordo com Manoel, a sorte foi que o Iphan tinha um registro bastante detalhado do interior da igreja antes do incêndio, graças a uma restauração concluída em 1999. Com base nas fotografias e documentos foi possível recriar trabalhos feitos em terra e madeira, replicando, inclusive, as curvaturas das madeiras e detalhes do telhado.Mesmo assim, o restaurador não deixa de lamentar os itens históricos que não teriam como ser recuperados. “A arquitetura, o volume, consegue voltar semelhante ao que era antes. A riqueza interna se perde”, diz ele, comparando o que aconteceu com o ocorrido no Museu Nacional no último domingo (2).“Todos os desastres com patrimônio histórico, como o de Pirenópolis, e esse do Rio de Janeiro, são todos muito semelhantes. Deixam a população em estado de espanto, impotência”, comenta Manoel. “É uma perda muito grande para a comunidade.”Seja como for, o restaurador pondera que as soluções adotadas para a restauração da igreja foram todas “muito felizes”. “A comunidade, os turistas que vão lá, ficaram satisfeitos um pouco, depois da perda que tiveram. Puderam ver a igreja de pé, mesmo com os elementos artísticos que perderam.”