-Imagem (1.2080963)Quando o tempo muda, a saúva revoa e um trovão surdo, tropeiro, ecoa na vazante lameira do brejo e dá para ouvir o sapo-fole, o sapo-ferreiro e o sapo-cachorro, como um canto de acauã de madrugada, para marcar o tempo e chamar a chuva. Esse é um dos cenários que envolvem uma roça sertaneja no Poema do Milho, de Cora Coralina.Se for uma plantação no município de Palmeiras de Goiás, o canto a ser ouvido pode ser agudo e entoado por uma espécie simpática e minúscula de um anfíbio, de tamanho entre 1,25 cm e 1,53 cm, só agora revelado por um grupo de pesquisadores das Universidades Estaduais de Campinas (Unicamp), Paulista (Unesp), no campus Rio Claro, e da Universidade Federal de Uberlândia, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).E foi numa poça d’água temporária em meio ao milharal, formada após uma chuva no ano passado, que os pesquisadores Felipe Silva de Andrade, primeiro autor do trabalho, e Isabelle Aquemi Haga, captaram a vocalização da nova espécie em Palmeiras de Goiás, distante cerca de 71 km de Goiânia. A espécie também foi observada pelos pesquisadores à beira de uma lagoa naquele município, mas a localização do anfíbio e a coincidência do encontro dos pesquisadores com exemplares da espécie no meio do milharal levou o pesquisador Felipe Andrade a batizá-la de Pseudopaludicola coracoralinae, em homenagem à poetisa goiana Cora Coralina.Não é a primeira homenagem da ciência à contista, que recebeu o título de personalidade do ano na literatura da União Brasileira de Escritores, em 1984. Em 2005, o pesquisador de vertebrados Cristiano Rangel Moreira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), batizou uma nova espécie de peixe tropical de Xenurobrycon coracoralinae.A descoberta do novo anfíbio goiano se transformou em artigo publicado no dia 3 de julho no European Journal of Taxonomy. Assinam o artigo com Felipe Andrade e Isabela Haga os pesquisadores Mariana Lúcio Lyra, Thiago Ribeiro de Carvalho, Célio Fernando Baptista Haddad, Ariovaldo Antonio Giaretta e Luís Felipe Toledo.Os pesquisadores apontam que se trata de uma espécie crítica – quando são indivíduos de espécies diferentes, mas com características morfológicas idênticas que não permitem a identificação correta. A partir da análise genética e do sequenciamento do DNA, os pesquisadores puderam descobrir que uma população anfíbia anteriormente descrita como Pseudopaludicola facureae, do centro do Brasil e no próprio município de Palmeiras de Goiás, corresponde a essa nova espécie, a coracoralinae.Além dos estudos morfológicos e genéticos, a nova espécie se distingue das demais do gênero por seu canto de anúncio. A equipe gravou vocalizações de 18 machos da nova espécie em Palmeiras e comparou com gravações reanalisadas de dez machos da outra espécie, em Uberlândia (MG). Na análise estatística das variáveis sonoras, o canto não “é completamente diferente”, segundo Felipe Andrade, mas as diferenças características foram suficientes para a nova classificação.“As características como frequência dominante, duração da nota e as taxas de repetição que essas notas são emitidas pelos machos para atração das fêmeas distinguem a coracoralinae das demais espécies”, explicou Andrade, que considera a Pseudopaludicola facureae uma espécie irmã da coracoralinae.Orientador da pesquisa, Luis Felipe Toledo ressalta que a importância dos anfíbios para o equilíbrio ecológico. Por controlar uma série de insetos que podem transmitir doenças aos humanos, são fontes de alimentos para animais maiores e podem servir de base para novos medicamentos. “Cada espécie de anfíbio tem compostos químicos na pele diferentes e alguns desses compostos podem ser utilizados para fazer remédio, então a descoberta de uma espécie nova pode indicar que ela possui algum composto químico que ninguém nunca viu e, com o avançar da pesquisa, pode acabar descobrindo novos remédios”, afirmou Toledo.No estudo, os autores explicam porque decidiram homenagear a escritora, lembrando sua importância para a poesia brasileira. Eles também ressaltam a impressão de Carlos Drummond de Andrade ao conhecer os escritos da goiana. O poeta disse admirar Cora por seu domínio de viver com poesia em estado de graça e compunha versos como águas correntes. Para Drummond, o lirismo da goiana tinha o poder e a delicadeza do mundo natural.