Produzir mais em menor espaço, integrando atividades do campo, como agricultura e pecuária, à conservação de fauna e flora, ecoturismo e educação ambiental. Esta é a proposta do Legado Verdes do Cerrado, reserva particular de desenvolvimento sustentável da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), empresa da Votorantim, localizada em Niquelândia, cidade distante 305 quilômetros de Goiânia. Da área total de 32 mil hectares (que equivale ao tamanho da cidade de Belo Horizonte), 80% é composta por cerrado nativo. O diretor da Reservas Votorantim, David Canassa, conta que o projeto de nova economia integrada a atividades tradicionais começou a ser desenvolvido em Goiás há cerca dequatro anos como mecanismo de compensação ambiental, que foi ampliado pela introdução de outros projetos, como a abertura para pesquisas acadêmicas e produção sustentável de alimentos. Outra proposta semelhante é desenvolvida pela empresa em São Paulo. “Nossa busca é por agricultura e pecuária com técnicas que garantam menor impacto para o meio ambiente e resultado equivalente aos meios tradicionais.” O Legado tem 3 mil hectares voltados para a produção de soja. De acordo com Canassa, as atividades do agronegócio são integradas com pesquisas sobre as características do solo e a qualidade da água. “Essas informações serão publicadas e poderão ser usadas por outros produtores para que sejam adotadas melhores práticas no setor.” Na área de produção de alimentos, a reserva desenvolve o modelo agroflorestal, em que a produção de grãos, hortaliças, frutas e madeira típicos do Cerrado são conciliadas no mesmo espaço. Entre as opções para cultivo nesta área estão mandioca e milho. No caso da madeira, foram plantados baruzeiros, que produz castanhas atualmente valorizadas no mercado. Cerca de cem pessoas trabalham no Legado. Segundo Canassa, divergências acontecem, mas o diálogo entre as equipes leva ao avanço na proposta de harmonia. Turismo A gestão do Legado também aposta no ecoturismo na reserva. A trilha Legado das Águas tem 5 quilômetros e opera há três anos, passando às margens do Rio Traíras, de onde é captada toda a água para o abastecimento público de Niquelândia. Em outra trilha, que recebeu o nome de Campos do Cerrado, o turista encontra as diferentes paisagens do Cerrado, desde a floresta densa até os campos. Integrar diferentes atividades dentro do mesmo território é, segundo Canassa, um desafio de aprendizado constante. No planejamento da Legado das Águas, por exemplo, foi necessário mudar o trajeto da trilha por causa de uma enchente, já que a equipe ainda não conhecia a dinâmica do rio. “Temos desafios na produção de grãos, com a necessidade de desenvolvimento de outras técnicas. Mudanças na condução do gado para integrar com a conservação. O segredo para dar certo é avaliação constante. Planeja, executa, faz avaliação dos pontos que deram certo e do que deu errado, corrige. Não é apenas produzir, mas aprender a produzir cada vez melhor e com menos impacto.” Pesquisa Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Marcos José da Silva desenvolve desde maio de 2019 pesquisa voltada para a biodiversidade do Cerrado no Legado, como o estudo de plantas, algas, anfíbios, pássaros e insetos. O objetivo final é a produção de um guia com informações sobre os organismos que existem na área, representados com fotografias. Segundo Marcos, a pesquisa é fundamental para que as espécies sejam manuseadas de forma correta na recomposição de paisagens e no uso para produção de alimentos, por exemplo. Já foram catalogadas pelo menos 2 mil espécies de plantas no território. Apenas 40% da área já foi explorada pelos pesquisadores. “Quando me deparei com o Legado, foi um choque. Ver as máquinas, animais soltos e faixas extensas de culturas como soja e milho na reserva. Mas o contato da equipe da empresa conosco possibilitou uma troca de conhecimento muito importante. Vejo que estão muito comprometidos com a conservação da área e da biodiversidade”, relata o professor. A pesquisa liderada por Marcos envolve 79 pessoas, entre alunos de graduação, mestrado, doutorado e professores doutores de instituições de Goiás e de outros Estados. Mudanças A professora da Escola de Agronomia da UFG, Sybelle Barreira, afirma que não há mais espaço para polarização no campo e a harmonia entre preservação e produção “é imperativo e saudável”. Para Sybelle, superar a desinformação, melhorar o acesso a bens e tecnologia, financiamentos viáveis e políticas internas de apoio ao produtor e empresas são os principais desafios da proposta. “É preciso que aqueles que ainda não entenderam que é possível produzir e preservar se desliguem de velhos paradigmas e busquem a ciência, o conhecimento e se apropriem disso. Não é mais necessário desmatar para produzir mais, é preciso produzir mais por unidade de área e os produtores que entenderam isso saíram na frente”, diz. A professora destaca ainda que, do agricultor familiar ao produtor de commodities, é possível encontrar exemplos bem-sucedidos. -Imagem (Image_1.2162598)-Imagem (Image_1.2162599)