Desde o início da pandemia de coronavírus em Goiás até agosto, 136 pessoas morreram na fila por um leito de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) exclusivo para a doença. Mais da metade desses óbitos ocorreu em julho: 71. Entre os motivos estão a demora para o primeiro atendimento, a falta de leito com especialidade necessária, o agravamento do estado de saúde, que impossibilita o transporte do paciente, e o cancelamento da transferência por parte de familiares quando a primeira opção de vaga é para um hospital considerado muito distante.Os dados são do Complexo Regulador Estadual (CRE), órgão dentro da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) responsável por administrar os pedidos de internação. Um comitê de vigilância do óbito investiga cada caso de morte na fila para identificar as possíveis falhas na assistência do paciente. Os dias com mais óbitos na fila foram 9 e 12 de julho, quando morreram nove e dez pacientes nesta situação, respectivamente.O governo estadual criou 363 novos leitos de UTI exclusivos para pacientes com suspeita ou confirmação de Covid-19, mais do que o prometido no começo da pandemia, em abril, quando a previsão era de 270 novas vagas. Mesmo assim, a média de ocupação desses leitos tem ficado acima de 75% desde o início de julho, taxa considerada alta.Apesar de não haver colapso do sistema de Saúde, nem sempre o paciente que precisa do leito de UTI consegue ser hospitalizado com rapidez. Em julho, 67,7% das solicitações de internação de paciente com suspeita ou confirmação de covid-19 foram atendidas em até 24 horas. Em agosto, a média caiu para 61,7%.Em julho, auge das mortes na fila, o assunto foi motivo de questionamento da presidente do Conselho das Secretarias Municipais de Saúde de Goiás (Cosems-GO), Verônica Savatin Wottrich, em reunião da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), instância do Sistema Único de Saúde (SUS) do Estado.“Tem alguma coisa dando errado. O site da SES mostra leito sobrando, só que pacientes não estão conseguindo chegar em alguns casos”, reclamou a representante dos municípios na ocasião. Presente na reunião, o secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino, explicou: “Nem toda vaga atende ao paciente específico. Está lá a vaga de fato no sistema, mas, às vezes, as comorbidades do paciente não são compatíveis com aquela vaga. Não tem mentira no painel”.O superintendente de Atenção Integral à Saúde, Sandro Rogério Rodrigues Batista, exemplifica os casos de pacientes grávidas ou com determinados tipos de agravamentos cardíacas, que só são atendidos no Hospital das Clínicas (HC), onde há estrutura necessária. Os dois prédios do HC possuem atualmente 52 leitos de UTI para Covid-19 e a gestão das vagas é feita pela Prefeitura de Goiânia.Outra situação recorrente, segundo o gestor, é quando a vaga sai em tempo hábil, mas para um hospital muito distante da cidade de origem do paciente e a família dele prefere esperar surgir outra vaga mais próxima.Reportagem do POPULAR de 4 de julho mostrou que a regionalização do atendimento de coronavírus encontrou obstáculos, já que em muitas ocasiões o hospital de campanha mais perto estava lotado. É o caso do Hospital de Campanha (HCamp) de Porangatu, no Norte de Goiás, que nem sempre podia receber pacientes da região porque estava lotado.A gravidade do estado de saúde do hospitalizado, ao ponto de ser arriscado o seu transporte, é outro fator que impacta em mortes na fila, segundo Sandro Rodrigues. “Quando o paciente está usando droga vasoativa em quantidade muito grande, o transporte é muito mais prejudicial. É melhor esperar estabilizar”, exemplifica o superintendente.Este foi o caso do dono de lanchonete José Jorge Nascimento, de 78 anos, que morreu no dia 19 de junho na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) de Senador Canedo antes de ser transferido para uma segunda vaga de UTI que havia conseguido, no HCamp de Goiânia. A primeira vaga teve que ser recusada porque era no hospital de Luziânia, mais de 200 km de distância, uma distância que o paciente não tinha condições de suportar. Demora em buscar hospital é agravanteAs duas primeiras mortes por coronavírus do município de São João d’Aliança, no entorno do Distrito Federal, foram de pacientes na fila da UTI. Um deles, de 74 anos, morreu no dia 15 de julho, depois de esperar pela vaga por cinco dias. A secretária municipal de saúde da cidade, Andreia Abbes, diz que a situação melhorou após uma reunião com o Estado. Além disso, pontua que a internação tardia colaborou para o agravamento dos pacientes. “Os casos que vieram a óbito foram justamente pela demora em procurar a unidade de saúde, achando que fosse uma gripe simples. Tive seis óbitos, e os seis procuraram tardiamente as unidades de saúde”, relata Andreia, vice-presidente do Cosems. Sandro Rodrigues corrobora para esta hipótese. Ele avalia que até o início de julho, havia um medo entre a população de procurar as unidades de saúde e as pessoas acabavam demorando para ter atendimento médico. Os gestores estaduais constataram que os pacientes estavam chegando em estado grave, segundo o superintendente, e por, isso, começaram a indicar a chamada “internação precoce”, que é hospitalizar o paciente que começa a sentir falta de ar e tem baixa saturação de oxigênio, antes que a situação se agrave. Na avaliação de Sandro, este fator colaborou para diminuição das mortes na fila de UTI no mês de agosto, mesmo tendo sido o mês fechado com mais mortes na pandemia em Goiás até agora. Goiás registrou 1.369 mortes por Covid-19 em julho e 1.531 em agosto, um aumento de 12%. A quantidade de óbitos acumulados até o mês de agosto foi de 3.649. Se todas as mortes na fila da UTI de coronavírus forem confirmadas, elas representam 4% do total de mortes na pandemia do Estado. Paciente morre após 20 horas de esperaEntre os 136 pacientes que morreram na fila por UTI com perfil Covid-19 em Goiás está um homem de 45 anos, de Itaberaí. Ele faleceu na tarde do dia 29 de julho, depois de ficar cerca de 20 horas aguardando uma vaga em um leito crítico de um hospital estadual. A situação causou comoção entre seus familiares, que chegaram a fazer uma vigília na porta da secretaria municipal de Saúde pedindo providências. “Você sabe o que é uma família ficar o dia todo na porta da secretaria chorando, você ir para o hospital sem almoço, pelejar por uma vaga e você receber uma notícia dessa?”, relatou uma profissional ligada à área da Saúde no dia da morte do paciente, em uma mensagem de voz que a reportagem teve acesso. A morte na fila em Itaberaí chegou a ser pautada em uma reunião com gestores municipais e estaduais de Saúde, que ocorreu um dia depois do óbito. A superintendente do Complexo Regulador Estadual (CRE), Neusilma Rodrigues, contou na ocasião que acompanhou o caso de perto. Ela relatou que o paciente em questão ainda não tinha confirmação laboratorial de Covid-19 e só havia vagas para casos confirmados. Segundo a gestora, quando conseguiram opções de vaga em Anápolis e Goiânia, o paciente morreu antes da transferência. “O que a gente empenhou foi uma força-tarefa extrema, até porque tinham os familiares dentro da própria secretaria. O que a gente faz é correr atrás da vaga, ajudar o que for possível cada município, mas tem situações que estão aquém da nossa alçada. Nesse caso específico, infelizmente, evoluiu a óbito. Era prioridade um. A gente não pode pegar essas situações como um caso só. São várias solicitações. A gente começa o dia com 100 solicitações, 90, 50”, relatou a superintendente durante a reunião, que foi transmitida pelo Youtube.Ainda na reunião, Neusilma pontuou que há casos em que o município não tem capacidade para assistir o paciente enquanto aguarda a vaga para conseguir um leito de UTI. “O município às vezes não tem uma estrutura mínima para atender aquele paciente.”