Estudantes da Universidade Federal de Goiás (UFG) têm se mobilizado para arrecadar doações com o objetivo de adquirir equipamentos de informática para acompanhar a retomada do ensino na instituição. O mesmo será de maneira remota no próximo dia 31. A criação de 'vaquinhas' virtuais é uma das opções em curso. A volta às aulas foi aprovada pelo Conselho Universitário (Consuni) no último dia 3 de agosto. De acordo com informações da própria universidade, três a cada quatro estudantes se enquadram nos critérios de baixa renda, o que os coloca em uma parcela da população brasileira na qual o acesso à internet e a propriedade de dispositivos eletrônicos são uma dificuldade. Leidiane Pereira de Godoi, de 28 anos, cursa o 7° período de Pedagogia na UFG, em Goiânia. Há alguns dias, ela decidiu abrir um financiamento coletivo virtual para arrecadar dinheiro e comprar uma CPU para o próprio computador. O valor pretendido era de 500 reais, mas ela conseguiu arrecadar 903 reais. “Óbvio que eu fiquei morrendo de vergonha, porém, é algo que eu preciso para estudar, então a vergonha passou rapidinho e já no primeiro dia da 'vaquinha', conseguimos mais que o esperado em dinheiro, além da doação de dois computadores, que doei para duas colegas do curso que também precisavam.” Depois dela, outros alunos criaram coragem para criar 'vaquinhas' próprias e juntos estão compartilhando e buscando ajuda. Leidiane explica que o valor que conseguiu compraria praticamente um computador novo, mas ela tem outros planos: precisa de fone de ouvido, webcam e, se der, uma cadeira nova porque a utilizada atualmente está lhe causando dores no corpo. O dinheiro, multiplicado, também auxiliou o irmão, que ganhou um computador de segunda mão. “Sim, a UFG oferta um voucher para compra de equipamento, no valor 500 reais, que possibilitaria comprar um computador usado na OLX, por exemplo. Entretanto, um dos critérios estabelecidos no edital do programa, é que seria necessário a apresentação da nota fiscal da compra. No caso de uma negociação na OLX, não conseguiríamos uma nota fiscal. Com este valor você consegue comprar um tablet, um fone de ouvido e um teclado, mas é daqueles tablets bem ruins mesmo, que travam o tempo todo, mas apresentará a nota fiscal, conforme requisito do programa. Porém, como que consegue estudar, fazer artigos, resenhas, trabalho de conclusão de curso e estágio em um tablet?”, questiona Leidiane. A graduanda cita ainda o programa UFGInclui, que reserva uma quantidade de vagas para indígenas e quilombolas. “Um aluno indígena, que está em sua aldeia, sem acesso à internet, terá um desempenho satisfatório? Não, este aluno será excluído, porque não tem os meios necessários para participar das aulas. São questões complexas, que vão muito além de ter um computador ou não, pois cada aspecto, por menor que seja, desde o equipamento de informática, até se essa pessoa fez uma boa refeição ou não, vai impactar na forma que ela aprende, em como se desenvolve. Então, apesar de reconhecer a importância das ações que a UFG vem tomando, elas ainda não são suficientes para um desempenho satisfatório”, finaliza. Ela que perdeu uma tia por complicações da Covid-19 há um mês fala ainda sobre a estrutura emocional. “É voltar a estudar em um cenário de guerra, sim, porque todas essas mortes nos arremetem a contextos assim. Perdi minha tia e não houve despedida, não houve velório. Essas perdas, que não vão parar, impactam a nossa maneira de sentir e pensar.” UniversidadeAlém da falta de computador e de acesso à internet, existem especificidades para alunos com necessidades especiais. Entre as ações institucionais para minimizar os transtornos, a UFG criou treinamentos para professores não habituados ao meio digital. Logo no anúncio, a universidade afirmou que seriam feitos ajustes com relação às disciplinas práticas e que o ensino remoto seria apenas para as matérias possíveis. Antes mesmo disso, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) havia lançado um Plano Emergencial de Conectividade, com um auxílio de 50 reais para a contratação de internet. Este valor agora deve ser ampliado e é uma das três ajudas ofertadas pela UFG. Além do Plano Emergencial de Conectividade, existem ainda outras duas possibilidades: empréstimo de equipamentos de informática e um repasse de 500 reais que pode ser utilizado para a compra ou conserto de equipamentos. No caso do recebimento em dinheiro, o aluno precisará entregar uma nota fiscal comprovando o serviço ou a aquisição. Edward Madureira explica que o valor foi definido com base em avaliações da Tecnologia de Informação (TI) da UFG e que foi a forma encontrada de auxiliar um número maior de alunos. “Sabemos que com R$ 1.500 por exemplo, seria possível comprar um bom computador. Fizemos uma pesquisa, entretanto, e encontramos tablets no valor de R$ 500. Levando em conta que nossa situação orçamentária não é das melhores, pensamos em uma forma de contemplar pelo menos 400 ou 500 alunos. Também esperamos que nesta semana o Ministério da Educação (MEC) anuncie um pacote que vai contemplar todos os estudantes de baixa renda”, pontua o reitor da UFG, Eward Madureira. O reitor afirma ainda que o cenário atual é bem diferente de antes da pandemia do coronavírus (Sars-CoV-2). Isso porque, com desemprego e mudanças na situação financeira dos estudantes, haverá uma reavaliação sobre quem se enquadra nos critérios de baixa renda. Retorno preocupa professoresProfessor da UFG do curso de Direito na cidade de Goiás, Alexandre Aguiar dos Santos afirma que é contrário às aulas presenciais, ainda mais neste momento crescente de casos de Covid-19. Ainda assim, diz ter dúvidas sobre a eficiência dos meios remotos para retomada do semestre que está sendo chamado de ensino remoto de emergência. Para ele, deveriam ser desenvolvidos, por enquanto, apenas grupos de pesquisa, atividades de extensão e cursos livres. Alexandre não é o único, no último dia 8 de julho foi realizada uma assembleia geral da Faculdade de Letras UFG com aproximadamente 350 pessoas contra o ensino remoto emergencial. “Estamos diante de situação inédita, mas o que vamos fazer é pegar atividades curriculares que foram organizadas e planejadas para serem presenciais e converter em vias remotas. Somos professores contratados e formados para aulas presenciais. Meio virtual mesmo que de emergência, não será a mesma coisa. Não só por não estarmos formados para isso, mas pela qualidade da nossa formação que sempre foi relevante para a formação universitária brasileira, em especial pública do Brasil”, pontua o professor da UFG. Doação de computadores ainda está longe da meta Com o objetivo de arrecadar computadores, notebooks e equipamentos que possam permitir que estudantes com menor poder aquisitivo acompanhem as aulas remotamente, a Universidade Federal de Goiás (UFG) realiza a Campanha UFG ID - Solidariedade para Inclusão Digital. A meta estabelecida é de 5 mil computadores, mas o reitor Edward Madureira disse que apenas 20% foram arrecadados até o momento, ou seja, mil unidades. No último sábado (8), a Universidade realizou um dia D para receber doações em sistema de drive thru. A Federação do Comércio do Estado de Goiás (Fecomércio-GO também já participou da ação e doou 150 computadores. No total, a UFG tem mais de 22 mil estudantes e 25% vêm de famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo. Quem desejar entregar as doações pode levar na Escola de Engenharia Elétrica, Mecânica e de Computação (EMC-UFG), no Setor Leste Universitário, em Goiânia. O local recebe os equipamentos de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.