O aterro sanitário de Goiânia foi palco de uma audiência de instrução e julgamento improvisada promovida pelo desembargador Maurício Porfírio Rosa, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na manhã desta terça-feira (2). Em julgamento, saber se o local tem condições ou não de continuar recebendo lixo produzido pela população da capital. Houve momentos de maior acirramento verbal entre acusadores e defesa, mas poucos dados concretos compartilhados. Ao final da sessão informal, não houve nenhuma sentença. De novidade, uma fala do prefeito Sandro Mabel (UB) sugerindo que trabalha com prazo até maio de 2026 para resolver os problemas do aterro.Oficialmente, a visita do desembargador ao aterro foi uma inspeção judicial determinada por ele mesmo em 25 de agosto, após polêmica causada por uma visita anterior dele, no dia 11 do mesmo mês, com a presença do prefeito, de representantes da Prefeitura e até de vereadores, mas sem nenhuma das partes envolvidas diretamente na ação judicial que pede o fechamento do aterro por falta de condições técnicas para funcionar. Maurício afirmou à imprensa presente nesta terça-feira que sua intenção com a nova visita foi visualizar como está o aterro e, com isso, minimizar os riscos de tomar uma decisão cujas consequências possam ser “malévolas” para a população. Entretanto, a inspeção em si foi bastante rápida. O desembargador foi de micro-ônibus até um dos topos onde são colocados os resíduos sólidos residenciais, desembarcou, mas ficou próximo ao veículo, sem caminhar pelo local. Foi o suficiente para dizer que não via mosquito nem sentia mau cheiro. Depois, foi até as lagoas de chorume na parte de baixo do aterro, mas sem deixar o interior do micro-ônibus. Por fim, passou, também dentro do veículo, por um viveiro existente no aterro para trabalhar, com compostagem, mudas de plantas que são colocadas na cidade ou distribuídas para unidades públicas. Maurício analisa um recurso protocolado pela Prefeitura contra uma ação proposta pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), com a participação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). No dia 25 de abril, a juíza Mariuccia Benício Soares Miguel, da 7ª Vara de Fazenda Pública Estadual de Goiânia, acatou o pedido de liminar feito pela Abrema e determinou o fechamento do aterro em até 60 dias caso a Prefeitura não corrigisse os problemas do local. Uma semana depois, a presidência do TJ-GO derrubou a suspensão, mas o processo segue em tramitação. DebatesO tempo de Maurício durante a visita foi ocupado principalmente pelas partes do processo apresentando seus argumentos. De um lado, o prefeito, argumentando que assumiu há apenas oito meses, mas que diferentemente de outras gestões está agindo efetivamente para corrigir os problemas do aterro. Ainda, segundo ele, os recursos financeiros da Prefeitura o obrigaram a optar entre investir na qualificação do espaço ou gastar no encaminhamento do lixo para aterros particulares. Ele também citou a Lei Estadual 23.407, promulgada em maio deste ano, que estende o prazo para o encerramento dos lixões até maio do ano que vem. Já entre os representantes da Abrema, da Semad e do MP-GO, o argumento é de que a sociedade está no escuro sobre a situação atual do aterro, que não se sabe quais os riscos concretos que a população corre, que a Prefeitura promete muitas ações, mas não apresenta um projeto com cronograma e com a relação das medidas a serem adotadas e nem entrega relatórios atualizados com dados técnicos sobre a estrutura do local, como as condições do descarte de chorume. Eles também reforçaram a necessidade de avaliar os aspectos que não são visíveis no aterro e podem representar riscos operacionais. “Estamos no escuro”, afirmou uma representante da Semad. Os “acusadores” também cobram a formalização do pedido de licenciamento ambiental do aterro junto à Semad. A Prefeitura afirmou que só vai fazer isso quando concluir todos os pedidos que constam em um termo de ajustamento de conduta (TAC) assinado junto ao MP-GO na gestão passada. Porém, os itens no TAC não necessariamente são exigências que a secretaria faria para liberar a licença. Segundo o prefeito, já foi atendido 63% daquilo que foi acordado com o MP-GO, porém nenhuma relação foi apresentada nesta terça-feira. Nas respostas sobre o assunto, representantes da Prefeitura se confundem sobre quem assinou o TAC, se o MP-GO ou a Semad.MedidasDurante a visita, era possível ver trabalhadores da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) fazendo a manutenção do meio-fio e das cercas próximas à entrada do aterro, bem como soltando rojões para espantar os pássaros que sobrevoavam o lixo. O prefeito também anunciou o início da instalação de piezômetros – equipamentos usados para monitorar pressões internas do aterro causadas pela decomposição de matéria orgânica, que geram chorume e gases –, mas ninguém da Prefeitura respondeu se foram feitos estudos prévios para saber onde instalá-los. Segundo Mabel, estavam sendo colocados 60 no local a partir desta terça-feira.O prefeito anunciou a compra de um maquinário importado por R$ 10 milhões para ser usado no tratamento do chorume daqui a um ano. Para ilustrar a eficiência da medida, ele diz que, quando o equipamento estiver funcionando, será possível consumir a água que sai do aterro. Porém, segundo a Seinfra, a máquina está “em fase de estudo para compra” e não deu uma data para sua aquisição. A pasta explica que ela funciona pelo processo de osmose reversa, “que é um tratamento do chorume por meio de filtros e membranas capazes de reter os poluentes e produzir uma água desmineralizada que pode ser reutilizada”. Sobre a situação do chorume, o prefeito e os representantes da Prefeitura contradisseram os próprios relatórios entregues pela administração municipal à Justiça. Agora, é dito que o material recebe um pré-tratamento ainda dentro do aterro antes de ser encaminhado para a uma estação de tratamento de esgoto da Saneago, e que a companhia de saneamento faz um “tratamento complementar”. Relatório feito pelo Instituto de Planejamento e Gestão de Cidades (IPGC) em junho, a pedido da Prefeitura, afirmou não haver nenhum tipo de tratamento no aterro. No processo judicial, inclusive, não há nenhum dado técnico sobre como o chorume chega ao Rio Meia Ponte.A audiência improvisada também contou com troca de farpas, embates e provocações. O promotor Juliano de Barros Araújo, da área ambiental do MP-GO, se dirigiu ao prefeito para dizer que a ação judicial não é contra o “CPF do prefeito”, mas, sim, contra o “CNPJ da Prefeitura”, ao defender que não é um processo de oito meses, mas que já dura anos. Mabel retrucou dizendo que o município não é “sem vergonha”: “Nós temos vergonha.” Ele se referia a uma insinuação do promotor de que a Prefeitura não tem vergonha de não cumprir normas ambientais e multa quem descumpre. “Nós queremos cumprir.”Houve também estresse entre o promotor e o procurador-geral do Município, Wandir Allan de Oliveira, que alegou que o MP-GO só dava como opção o fechamento do aterro e o encaminhamento do material coletado nas ruas para estabelecimentos particulares em vez de dialogar sobre as melhorias no espaço atual. A declaração foi contestada por Juliano. Já o cheiro do aterro foi motivo de diversas farpas entre o prefeito e representantes da Abrema e da Semad. Esta discussão ficou mais acirrada quando o desembargador concordou que no local onde o lixo era descartado não havia mau cheiro.O desembargador destacou várias vezes sua preocupação com as consequências de sua decisão e sobre a questão do gasto previsto pela Prefeitura, caso se opte pelo fechamento do aterro público. Ele chegou a comentar sobre a diferença de custo por tonelada de lixo que vai para um aterro participar e para o atual. “É uma diferença muito grande. Veja o cálculo disso e o que representa para o município. Isso não influencia minha decisão, o que eu preciso decidir é se isso aqui tem ou não tem condições (de funcionar), mas eu preciso também analisar as consequências dessa decisão.” Ao final da vistoria, foi preenchida uma ata que será anexada ao processo.