O aumento nos custos, especialmente no preço do combustível, obrigou os motoristas de aplicativo a ampliarem as jornadas de trabalho e cortar dias de folga para melhorar o rendimento. A privação de sono e a insegurança financeira são deixam os profissionais psicologicamente cansados.A consequência é a redução da segurança das corridas e instabilidade nos benefícios da profissão. Por isso, especialistas indicam que os condutores busquem estabelecer uma rotina prévia de sono para se protegerem da fadiga.Dados de um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que atualmente, no Brasil, há cerca de 1,1 milhão de motoristas de aplicativo. Números da Associação dos Motoristas de Aplicativos do Estado de Goiás (Amago), do ano passado, indicam que Goiânia tem cerca de 22 mil profissionais, metade do que havia antes do início da pandemia.Outra queixa dos condutores cadastrados nas plataformas de transporte é a falta de amparo por parte dos gestores dos aplicativos.O motorista e professor de educação física Wemerson Silva Barbosa, de 25 anos, por exemplo, considera que a maioria das pessoas que iniciam a profissão o faz maneira errada. “As plataformas não têm um suporte necessário para ensinar o motorista iniciante.”, diz. O que pode resultar em desistência e cansaço psicológico. DesgasteCarlos Silveira Natel, de 52 anos, é motorista e técnico em contabilidade. Ele conta que iniciou nas plataformas de transporte em setembro de 2020, para complementar a renda familiar. No início, encontrava maior facilidade em controlar os gastos com combustível e sofria menos impacto em sua renda final. Além disso, não se deparava com comentários negativos diante seu trabalho na mesma proporção que encara hoje, o que o desanima em um contexto geral.Para Natel, toda atividade deve ser exercida com um nível de satisfação, para que não haja desgaste por parte do profissional e crie uma má reputação ao cargo. “Hoje existem mais críticas por parte dos usuários, talvez pelo fato de ter muitos motoristas despreparados para exercer tal função”, afirma.O contador considera, ainda, que essa preparação deve conciliar o trabalho, a família e, primordialmente, o repouso. “Os chamados para corridas não param nunca, quem tem que parar somos nós, os condutores”, diz.Crystyanno Alves de Souza, de 36 anos, identifica que em alguns momentos precisou parar o turno de corridas devido ao desgaste emocional. Para melhor administrar o cansaço, Souza busca trabalhar dois períodos de seis horas cada. “E se mesmo assim me sentir cansado eu desligo meus aplicativos e vou para casa ou procuro um local para descansar”, afirma.O motorista reconhece que com os aplicativos usufrui de uma melhor qualidade de vida com sua família.Anteriormente, Souza trabalhava de segunda a sábado até as 12 horas, com escalas de plantões finais de semana e feriado. “Somos vistos como aqueles que nunca conseguiram nada no mercado convencional, mas, pelo contrário, muitos têm formação acadêmica e curso superior. Optamos por esse trabalho porque nos traz bons ganhos trabalhando com estratégias”, conta.Ele iniciou na profissão em meio à pandemia, e, apesar de ter um melhor ajuste do seu tempo, pensa que ainda falta segurança pessoal durante as jornadas de trabalho. Assim como o contador Carlos Natel, Souza a dificuldade nos “preços absurdos dos combustíveis”.A soma dos lados negativos, pode gerar uma exaustão. Recentemente, o ex-BBB Rodrigo Mussi sofreu um gravea acidente quando era passageiro de um carro de aplicativo. O motorista confessou que dormiu durante a corrida.Souza entende que o motorista precisa reconhecer seu cansaço e encerrar o ciclo de trabalho. Wemerson Barbosa concorda que a maior dificuldade atual, para os profissionais da área, é criar uma rotina saudável de trabalho, devido à maior autonomia.Insegurança financeiraBarbosa ressalta também que após a estabilização da pandemia, estabeleceu-se uma “época de maior dificuldade da plataforma, tanto para passageiro quanto para o motorista”. Um dos pontos levantados por Barbosa é a dificuldade financeira para manter os veículos, devido ao alto valor de aluguel dos veículos.Esse processo está diretamente ligado ao valor da gasolina e do etanol, que ultrapassa R$7,20 e R$4,90, respectivamente. O professor lembra que quando iniciou, em 2016, os seus primeiros dias de trabalho foram “bastante interessantes”, afirma. “Naquela época, o litro de etanol era encontrado a R$2,19 sem dificuldades, então o lucro era ótimo”, comenta.O motorista começou a dirigir profissionalmente para ajudar a pagar a faculdade e contribuir com o orçamento familiar, após os pais entrarem em recessão financeira. “Seis anos atrás o meu lucro era obtido mais fácil, combustível barato, carros com valores de comprar bem diferentes dos atuais.”, diz. Especialista alerta para o risco de BurnoutO contexto de falta de suporte dos aplicativos, insegurança financeira e falta de sono causa entre os motoristas uma sensação de incerteza dos direitos trabalhistas, inclusive sem suporte à possível sobrecarga sobre os profissionais. O especialista em psicologia, Wadson Arantes Gama, de 54 anos, que debate questões ligadas aos efeitos do trabalho, entende que o sentimento dos motoristas pode indicar casos de Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional.A síndrome provoca exaustão, redução do rendimento e desgaste emocional. O que pode causar, no ambiente de trabalho, reações como cinismo, faltas sem justificativa, combate entre hierarquia, entre outros. Gama explica que um profissional autônomo, como os motoristas de aplicativo, quando inseridos em um cenário de Burnout, precisam reorganizar o tempo e manter atenção no nível de estresse causado pelo desgaste. Que pode ser percebido pela quantidade de estímulos externos e dificuldade em manter necessidades básicas ao longo da jornada de trabalho.O psicólogo comenta que houve um aumento no consultório em que atende de pessoas do gênero masculino, tanto para questões profissionais, como envolvendo a má relação com o trânsito. “Ttenho atendido muitas pessoas com problemas de não conseguir controlar sua raiva e a dificuldade em relação à questão de trânsito”, diz. Ele reforça que as pessoas têm dificuldade de entender que precisam de ajuda, mas que todos precisam perceber o limite pessoal e buscar ter atitudes de autocuidado e ajuda profissional. A síndrome de burnout pode, ainda, influenciar no desenvolvimento da insônia entre os trabalhadores. A psicóloga do Detran-GO Amanda Telles Lima ressalta que o sono é o responsável por equilibrar o funcionamento das atividades biológicas essenciais ao corpo humano. “Estudos apontam que a falta de sono afeta o indivíduo no âmbito físico, emocional, comportamental e cognitivo, o que prejudica os aspectos de atenção e vigilância”, contextualiza.Desse modo, ela classifica que os efeitos da privação de sono se assemelham aos efeitos da embriaguez, portanto se faz necessário que o condutor desenvolva práticas de “higiene de sono” para um repouso de qualidade. A mesma importância é vista por Gama. O psicólogo sugere que a pessoa com dificuldade para dormir busque desligar estímulos virtuais do cérebro, organizar o espaço pessoal em que descansa e fazer atividades práticas, longe das telas, para ativar o hormônio do sono. (Manoella Bittencourt é estagiária do GJC em convênio com a PUC Goiás)-Imagem (Image_1.2459476)