Localizada na Região Noroeste de Goiânia, onde vivem mais de 400 mil pessoas, a Maternidade Nascer Cidadão sempre foi uma referência dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) em seus 19 anos de existência. Na manhã desta quinta-feira (30), a unidade da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) foi abalada com a notícia da subtração e abandonado de um recém-nascido pela mãe, uma usuária de drogas. Foi o primeiro caso de sequestro de bebê da maternidade em quase duas décadas de funcionamento. A descoberta de que o berço do bebê estava vazio foi feita por uma das três técnicas de enfermagem escaladas para trabalhar na madrugada desta quinta-feira na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) Neonatal. “Quando percebi, só havia um monte de pano lá dentro”, contou ela ao POPULAR. O recém-nascido, do sexo masculino, de 36 semanas de gestação e pesando 2 quilos, precisava de cuidados especiais porque ao nascer foi diagnosticado com sífilis congênita. Ele seria submetido a um ecocardiograma no decorrer desta quinta-feira.O bebê nasceu no feriado da Padroeira de Goiânia, 24 de maio. A mãe, identificada como Maria Lopes da Cruz, de 40 anos, avisou logo que não ficaria com a criança. Chamados ao local, representantes do Conselho Tutelar da região deram início à papelada necessária para o encaminhamento a um abrigo, procedimento habitual em caso de abandono. “Mas teríamos de aguardar a liberação dele do hospital”, explicou o conselheiro Ismael Carvalho. Um dia após assinar o documento abrindo mão do filho, a mulher desapareceu do hospital. Nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira, o Conselho Tutelar e a Polícia Civil foram acionados pela maternidade por causa do sequestro da criança. As técnicas de enfermagem da UTI Neonatal desconfiaram logo da colega Elenita Aparecida Lucas Correa, de 41 anos, a última pessoa que pegou o bebê no colo com a desculpa de que o colocaria para arrotar. “Foi tudo muito rápido. Me virei para cuidar de outro bebê e só vi um vulto passando”, contou uma das técnicas da UTI Neonatal. Elenita estava escalada para trabalhar na recepção do ambulatório, mas durante o plantão foi diversas vezes ao local onde estava o recém-nascido. Como trabalhava há mais de um ano na maternidade, ninguém suspeitou desta movimentação.Elenita planejou tudo. Ela cortou o fio da câmera de monitoramento e rapidamente deixou a maternidade com o bebê. Mesmo em condições de muita fragilidade, a criança foi colocada no baú de uma motocicleta e levada para a casa de sua tia, Élida Correa Dantas, de 65 anos, na Chácara São Pedro, em Aparecida de Goiânia, um percurso de 30 quilômetros. “A tia recebeu a criança por volta das 6h30 e a entregou para a filha e o genro, Luana Lucas Soares Rocha, de 34 anos, e o advogado Leonardo Gonzaga Rocha, de 36”, contou o titular do 22º Distrito Policial, Wellington Lemos. O casal tinha perdido um bebê de seis semanas de gestação em dezembro e após uma cirurgia complicada, a mulher teve de retirar o útero. O quarto da criança que não chegou estava pronto para receber o recém-nascido sequestrado. Wellington Lemos e seus agentes começaram a trabalhar nas primeiras horas do dia no caso, preocupados com a sobrevivência do bebê. Ouviram diretores da maternidade e as técnicas de enfermagem. Convocada a comparecer à delegacia, Elenita apareceu espontaneamente e negou veementemente sua participação no caso. “Ela contou uma versão fantasiosa, com fatos desconexos”, lembrou o delegado, sem se convencer, ele a colocou no carro e durante mais de dez horas fez o caminho que ela disse ter feito. “Pressionada, a tia de Elenita confessou que tinha recebido o bebê e indicou para onde ele havia sido levado. A equipe seguiu para o setor Três Marias, Região Sudoeste de Goiânia, onde mora a filha de Élida (prima de Elenita) e encontrou o bebê acomodado num bercinho branco. “O casal negou que tinha intenção de ficar com o bebê, mas não acreditei porque os dois ficaram mais de seis horas de posse da criança e não comunicaram a nenhuma autoridade policial ou de saúde”, afirmou Wellington Lemos. NegociaçãoApós as diligências policiais os quatro foram presos em flagrante por subtração de incapaz, baseado no artigo 237 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), podendo pegar de 2 a 6 anos de reclusão. Elenita e seus parentes ficaram calados durante todo o tempo ao chegarem à delegacia. Ao se deparar com os jornalistas no 22º DP, ela chorou. Wellington Lemos disse que o caso não encerra com a prisão dos quatro. Ele pretende descobrir se houve negociação financeira entre os envolvidos. A técnica de enfermagem, que mantém um relacionamento homoafetivo, disse ao delegado que não pretende ter filhos.Elenita começou a trabalhar na Maternidade Nascer Cidadão há pouco mais de um ano, após ser aprovada em um processo seletivo realizado pela SMS. Ela não pertence ao quadro de servidores efetivos. A sua modalidade de contratação é por credenciamento. O desligamento dela da unidade será imediato. O bebê foi levado de volta à Maternidade Nascer Cidadão pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) por volta das 16 horas e vai continuar sob cuidados médicos até que o Juizado da Infância e Juventude decida o seu futuro. Maria Antônia, a mãe, foi localizada pelo Conselho Tutelar no Setor Morada do Morro, em Senador Canedo. “Quando soube do sequestro ela não demonstrou nenhum sentimento”, disse Ismael Carvalho. Dependente química, ela seria mãe de duas outras crianças. Em média, uma criança é deixada na unidade por mêsEmbora seja uma unidade da SMS de Goiânia, a Maternidade Nascer Cidadão possui gestão compartilhada com a Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc). Diretor técnico do hospital, o obstetra Rogério Cândido Rocha acompanhou de perto o desenrolar dos trabalhos policiais. “Estou muito preocupado com a saúde da criança”, comentou logo cedo na delegacia. Conforme o médico, há cinco anos na maternidade, casos de abandono na unidade são comuns, com uma média de um por mês, em razão do público que atende, muitas mães carentes ou dependentes químicas, mas foi a primeira vez que houve uma subtração de recém-nascido.O diretor explicou que o hospital realiza em média 2 mil atendimentos mensais de urgência e emergência. Em abril fez 354 partos, 65% deles normais. “Ele já nasceu com o espírito de humanização e de integração com a comunidade, por isso tem muitas portas e acompanhantes durante 24 horas”. O monitoramento por câmeras, conforme o diretor, existe em toda a unidade, além de segurança na recepção e na guarita. Mesmo que Elenita tenha rompido o fio da UTI Neonatal, a polícia conseguiu visualizar a sua saída da maternidade com a criança nos braços antes dos primeiros raios de sol desta quinta-feira. -Imagem (Image_1.1810170)