Até agora o que é conhecido para o público leigo na relação cavidade oral e coronavírus (Sars-CoV-2) diz respeito à falta de paladar, queixa recorrente entre pessoas que testaram positivo para Covid-19. Uma pesquisa inédita em andamento, numa parceria entre Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Hospital de Campanha para Enfrentamento ao Coronavírus (HCamp) de Goiânia, deve revelar que a saliva e as manifestações na boca estão muito mais vinculadas ao vírus do que se imagina.Idealizadora do estudo, Nádia do Lago Costa, coordenadora do Programa de Pós-graduação do curso de Odontologia da UFG, explica que pesquisadores atuam em duas frentes: a testagem da saliva em testes rápidos e avaliação de manifestações de lesões na boca em pacientes de Covid-19. “É uma pesquisa ampla e inédita nos dois sentidos.” Dois cirurgiões-dentistas da equipe do HCamp participam do estudo, Alex Alves da Costa Andrade e Tiago Dias Andrade, egressos da UFG que “têm um pé na pesquisa científica”, como afirma o segundo. “É uma maneira de dar a contrapartida para a sociedade”, diz.No HCamp seis cirurgiões-dentistas integram a equipe multiprofissional. “Quando falamos da pesquisa, a proposta foi bem acatada pela direção da unidade”, afirma Tiago. Há quatro semanas, ele e Alex, além de avaliar a saúde oral dos pacientes, coletam a saliva para o teste rápido, o mesmo desenvolvido para sangue. “Avaliamos se o paciente tem uma soroconversão, se ele expressa também na saliva a quantidade de gene do vírus, o IgM (fase ativa) ou o IgG (fase convalescente, a memória do vírus)”, explica Nádia Costa. Para ter a certeza de que a saliva revela a presença do coronavírus, para efeito de comparação são feitos testes de sangue e o RT-PCR, o padrão ouro de diagnóstico.Os resultados iniciais são promissores. A expectativa é que a pesquisa contribua para a realização de um teste menos invasivo. “Nossa previsão é que até dezembro a gente consiga atingir um número desejável de pacientes para ter uma resposta satisfatória, mas está bem consolidado que a saliva é tão importante ou até mais para identificação do vírus do que o teste que precisa de um cotonete no nariz (RT-PCR)”, afirma Nádia Costa.O grupo de pesquisadores espera publicar em janeiro do próximo ano um artigo sobre o teste da saliva numa revista científica internacional. Nádia Costa reforça que a saliva, que tem demonstrado a presença do vírus ativo e de anticorpos que o combatem, é muito fácil de ser coletada. “Não há necessidade de profissional qualificado para coletar o material, não precisa furar o paciente, nem de usar o swab, uma espécie de cotonete, para retirar a amostra de secreção do nariz.”Além dos dois cirurgiões-dentistas do HCamp e de Nádia Costa, atuam no estudo as doutorandas Camila Alves Costa e Ana Carolina Serafim Vilela. Na iniciação científica está a graduanda Suzana Aparecida. O trabalho conta ainda com a colaboração do professor Cláudio Lélis, da Odontologia, que é responsável pela análise estatística.O projeto é um dos dez apresentados pela UFG na chamada emergencial da Fundação de Amparo à Pesquisa de Goiás (Fapeg) para financiamento de pesquisas científicas voltadas para soluções de enfrentamento à pandemia do coronavírus. Com o dinheiro os pesquisadores adquiriram parte dos testes, mas outras parcerias dentro da universidade e com o HCamp têm possibilitado a efetividade da proposta. Equipe estuda relação entre doença e lesões orais O Hospital de Campanha de Goiânia foi escolhido para o desenvolvimento do estudo por ser a unidade de saúde pública que mais recebe pacientes de Covid-19 em Goiás. Os seis profissionais odontólogos contratados pelo hospital utilizam o protocolo de higiene oral preconizado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). Alex Andrade lembra que a Covid-19 é uma doença de acometimento pulmonar, por isso a importância da manutenção da higiene oral dos pacientes acamados. “O controle das infecções orais evita que o paciente evolua para uma pneumonia associada à ventilação mecânica.” Alex, Tiago e seus colegas de profissão têm percebido que são comuns na cavidade oral de pacientes do HCamp infecções fungicidas, como candidíase, e infecções bacterianas com potencial para disseminação, por isso o controle. “No caso do coronavírus, a grande recepção é a região nasofaringe. Se a boca está saudável é um bloqueio a mais, há mais dificuldade para a atuação do vírus”, diz Tiago. A higienização é feita com gases montadas em uma espátula abaixadora de língua, água destilada e clorexidina, para evitar a dispersão dos aerossóis. Foi essa percepção que os motivou a levar o estudo sobre manifestações orais em pacientes de Covid-19 para a unidade onde trabalham. A coordenadora da pesquisa, Nádia Costa, ressalta que ainda não existem estudos que demonstrem a relação entre infecções orais e Covid-19, embora casos clínicos isolados indiquem essa possibilidade. “A maioria dos pacientes de Covid-19 tem úlcera na boca ou vermelhidão. Mesmo aqueles com sintomas leves, que foram internados ou não, apresentam feridas nos lábios e na bochecha.” Os cirurgiões-dentistas do HCamp já perceberam também que os pacientes da unidade possuem menos saliva, outro dado que está sob análise. A observação das manifestações orais em pacientes internados no HCamp é um processo que vai demandar um tempo maior. Até porque há o que a coordenadora da pesquisa chama de “fatores confunditórios”, que são lesões relacionadas à entubação ou ao uso de medicamentos. “Precisamos de mais amostras, por isso o trabalho deve continuar enquanto o hospital estiver funcionando”, afirma Nádia Costa. Uma vez por semana a mesma equipe coleta saliva de pacientes internados no Hospital das Clínicas da UFG.Os cirurgiões-dentistas do HCamp entendem que a pandemia do coronavírus, que trouxe uma doença de foco pulmonar, evidenciou a importância da equipe multiprofissional. “Todos os profissionais que atuam na unidade se mostraram essenciais em algum momento. Ficou muito claro o que cada um pode fazer pelo paciente. Essa integração foi fundamental”, afirma Alex. “Quem ganha é o paciente, que é trabalhado em todos os aspectos”, concorda Tiago, que vê na pandemia uma oportunidade de aprendizado. “Não sabemos o que virá no futuro”, afirma.