Publicada na edição da última quarta-feira do Diário Oficial do Estado, a nomeação para o cargo de chefia da Gerência de Projetos Intersetoriais e Comunidades Tradicionais da Secretaria de Desenvolvimento Social de Goiás (Seds) foi contestada por representantes da Comunidade Calunga, formada por remanescentes de quilombos da região da Chapada dos Veadeiros, no Nordeste do Estado. O motivo seria o histórico de conflitos entre o nomeado, o gerente de restaurante Luiz Henrique da Silva Moreira, de 30 anos, e famílias quilombolas do município de Cavalcante, no qual ele reside.Segundo documentos a que o POPULAR teve acesso, o homem é apontado, juntamente com seu pai, Osvaldo Antônio da Silva, como autor de danos a propriedades e a lavouras de pessoas que residem na Comunidade Engenho II, naquele município, e de ameaças ao presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), Vilmar Souza Costa. As denúncias foram registradas na Delegacia de Polícia de Cavalcante em junho de 2015. “A gente ficou surpreso quando soube dessa nomeação. Eu mesmo já fui ameaçado por ele. [...] A gente fica assustado. O que será de nós representados por uma pessoa que já fez o que fez coma gente? Ele já derrubou roça das pessoas. É complicado”, disse o representante.À reportagem, Luiz Henrique afirmou que está sendo vítima de difamação e que os problemas teriam ocorrido em uma terra que pertence à sua família, que teria sido invadida em 2014. Ele afirma que as contestações são motivados por “questões políticas”.Questionado sobre as qualificações técnicas que teria para ocupar o cargo, Luiz Henrique disse apenas que esse é seu “maior sonho”. “Venho de família pobre. Quem me indicou foi a própria Comunidade Vão do Moleque. Meu maior interesse é tirar aquelas pessoas do atraso”, afirmou.Procurada pela reportagem, a Secretaria de Desenvolvimento Social de Goiás (Seds) afirmou que a escolha do nomeado se deu junto a membros da Comunidade Calunga, “não seguindo qualquer critério político”. Presidente da AQK, Vilmar Costa contesta a alegação e diz que a entidade, considerada a “associação-mãe” do Território Calunga, não foi procurada pelo governo para que uma sugestão fosse feita.Também em sua resposta ao POPULAR, a Seds afirmou que a pasta e o secretário Marcos Cabral “desconhecem quaisquer situações que desabonem” Luiz Henrique. Porém, após tomar conhecimento do caso Cabral teria determinado que a nomeação fosse tornada sem efeito. A alteração não foi incluída na edição de nesta quinta-feira (28) do Diário Oficial do Estado, mas a publicação deve ocorrer nos próximos dias, segundo a assessoria de comunicação da Seds.ConflitosEm 29 de junho de 2015, quatro pessoas que se identificaram como vítimas registraram boletim de ocorrência na Delegacia de Polícia de Cavalcante alegando que Luiz Henrique e seu pai, Osvaldo Antônio da Silva, teriam destruído um rancho e cercas de arame farpado localizadas na Fazenda Fundão, onde as famílias realizavam o cultivo de grãos, além de 45 sacos de arroz que estavam no local, segundo consta no documento. Há relatos de que parte da produção de arroz também teria sido incendiada.À polícia, segundo consta no boletim de ocorrência, os autores argumentaram que a propriedade teria sido invadida pelos denunciantes em outubro de 2014 e eles teriam causado dano à terra, com queimadas e destruição de nascentes.A existência de outro delito foi denunciada dias depois. Em 30 de junho de 2015, um novo registro de boletim de ocorrência foi feito contra Luiz Henrique e Osvaldo, dessa vez por ameaça. O autor da denúncia, Vilmar Souza Costa, é presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK) e relatou à polícia, segundo o documento, que os envolvidos teriam lhe dito que “se ele fosse lá nas terras dele, que iria ver só o que aconteceria com ele (sic)”. Ainda na denúncia, a vítima relata acreditar que o fato se deva a um conflito que envolve uma fazenda na divisa com a Comunidade Engenho II, da qual os supostos autores diriam ser os donos.Procurado pela reportagem, o delegado responsável pela Delegacia de Cavalcante não foi localizado. Em contato telefônico, um servidor afirmou que não conseguiria realizar o levantamento de possíveis desdobramentos do caso nos arquivos policiais, devido à movimentação na unidade.Após as denúncias feitas, contudo, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado entre as partes, em julho de 2015. Atualmente, uma ação cível de reparação de danos materiais em favor das vítimas tramita na Justiça de Goiás. Ainda não existe sentença para o processo. Construção de PCHs gera preocupaçãoA nomeação de Luiz Henrique da Silva Moreira para o cargo despertou a preocupação de integrantes da Comunidade Calunga também devido à suposta relação dele com pessoas ligadas à Centrais Elétricas Rio das Almas (Rialma S/A), empresa que pretende construir Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) em rios na região da Chapada dos Veadeiros. Um dos mananciais afetados seria o Rio das Almas, que cruza parte do Território Calunga, em Cavalcante, e receberia a central Santa Mônica. O projeto já foi questionado pelo Ministério Público Federal e pelo de Goiás. Uma ação civil pública de 2009 considera ilegal o licenciamento da obra, “por interferir indevidamente com o território das comunidades kalungas”. A obtenção de licenciamento ambiental segue pendente.A implantação de PCHs na localidade é vista por parte dos habitantes como prejudicial para vida da população, pois, mesmo se tratando de uma estrutura de menor, causaria desvio no curso do rio, afetando o modo de vida local. “Ele (Luiz Henrique) vem defendendo os interesses da construção de uma PCH no Rio das Almas, que vai atingir o centro do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Calunga. Vão ser 142 famílias afetadas diretamente”, afirmou o presidente da Associação Quilombo Kalunga, Vilmar Souza Costa.Segundo relatado por pessoas ouvidas pela reportagem, o nomeado teria relação com Emival Ramos Caiado Filho, primo do governador Ronaldo Caiado (DEM) e presidente da Rialma S/A. Questionado sobre o assunto, Luiz Henrique afirmou que seu interesse na construção das PCHs “é mentira” e que não conhece ninguém da empresa. Quando perguntado se teria sido contatado por alguém para ser indicado para o cargo, ele desligou a ligação. Novamente questionado sobre o tema, por mensagem, afirmou que “não tem interesse nenhum” nas PCHs. Ao POPULAR, Bernardo Alves de Ramos Caiado, filho de Emival e porta-voz da empresa, afirmou que a Rialma S/A não tem relação com a indicação e que nada sabia sobre ela.