-Imagem (1.2468515)Para conter o avanço das mudanças climáticas no Cerrado, um dos caminhos possíveis é repensar o modelo de agricultura atual, afirma a pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante. Em entrevista realizada nesta terça-feira (07) ao programa Chega pra Cá, da jornalista Cileide Alves, a professora e ecologista, uma das principais referências nacionais no estudo do bioma, apontou a diversificação do cultivo como uma das medidas para alcançar o equilíbrio entre produção agrícola a preservação do Cerrado.Ela ressaltou a importância da produção de alimentos e disse que o modelo atual privilegia "o cultivo de algumas poucas espécies que necessitam de uma grande quantidade de insumos, de agroquímicos, de pesticidas, de fertilizantes, quando você pode ter sistemas que talvez faça um uso mais adequado do solo, em paisagens que sejam diversificadas", afirmou.De acordo com Mercedes, esse modelo é um dos principais responsáveis pela degradação do solo e alteração na disponibilidade de água do Cerrado. "Segurança alimentar não é só a quantidade de grãos produzidos. A segurança alimentar envolve a qualidade ambiental, a qualidade do alimento que a gente produz e a distribuição equitativa desse alimento", avalia."A gente quer garantir essa segurança alimentar no seu aspecto mais amplo, mas a gente precisa garantir também da segurança hídrica", completou.Goiás é um dos principais produtores de grãos do Brasil. A previsão para a safra 2021/22 é uma colheita recorde de 30 milhões de toneladas. Em entrevista ao Chega pra Cá, em abril, o presidente do Instituto de Fortalecimento da Agropecuária em Goiás (Ifag), Leonardo Machado, disse que cerca de 70% dos grãos produzidos em Goiás são exportados.Leia também:- Produção de grãos em Goiás aumenta 8,4 milhões de toneladas em cinco anosA ecologista ressaltou que o desmatamento no Cerrado é outro fator que desequilibra o clima e ameaça a produção agrícola. "A conservação da biodiversidade é importante para a agricultura. Ela fornece polinizadores, controladores de pragas. [...] (A agricultura) é aliada da conservação da natureza, não são atividades opostas, elas podem ser muito bem conciliadas,", afirmou.Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 2020 e 2021, cerca de 8 mil quilômetros quadrados de vegetação do bioma foram desmatados.Mudanças climáticasA pesquisadora da UnB explicou que o clima tem uma variação natural, observada ao longo dos anos. "Quando a gente fala de mudança do clima é quando a gente já olha séries de várias décadas e começa a observar que essas mudanças vão saindo daquela faixa natural de flutuação e começa a ter mais extremos. A gente fala que o clima vai ficando mais errático, mais difícil de prever porque a gente vai saindo um pouco daquela faixa de normalidade", explicou.O resultado dessas mudanças são estações secas mais prolongadas, menor volume de precipitação no período chuvoso, além de temperaturas mais altas ao longo do ano. Com o impacto das mudanças, a combinação de fatores também favorece o aumento das queimadas.Segundo a ecologista, o Cerrado tem um regime de fogo natural, característico da transição entre o fim da estação seca e o início do período chuvoso, quando raios incidem sobre a vegetação seca e podem provocar as queimadas naturais.No entanto, ela alerta para uma alteração humana nesse regime, quando incêndios são provocados em durante a estação seca. "Você tem muito mais material para queimar e você tem uma queimada que vai ter muito maior intensidade e vai provocar muito mais danos na vegetação", explica."Como isso está mudando, a vegetação não consegue acompanhar essas mudanças e começa então a sofrer as consequências negativas dessa mudança do regime de fogo", completou.Segundo dados do Inpe, o mês de maio registrou o maior número de queimadas no Cerrado dos últimos 20 anos para este período do ano. De acordo com o Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas do Estado de Goiás (Cimehgo), entre março e maio de 2022, choveu 60% menos em Goiás, em comparação com o mesmo período do ano passado.De acordo com Mercedes, as mudanças climáticas deixaram de ser uma previsão, para se tornarem uma realidade que exige implementação de políticas públicas. "Existe um descompasso entre a urgência das alterações que são necessárias frente aos impactos que a gente já está sentindo e o encaminhamento dessas mudanças. Eu acho que falta sim vontade política", afirmou.Leia também:- Nível do Rio Meia Ponte está perto de estado de alertaVulnerabilidadeA professora da UnB considera que o País tem um alto nível de dependência em relação ao clima, levando em conta a produção agrícola e energética, uma vez que as hidrelétricas são a principal fonte de geração de energia. A vulnerabilidade social é outro fator que agrava o efeito dessas mudanças."Boa parte da população brasileira está concentrada em cidades que não estão preparadas para enfrentar eventos climáticos extremos. Infelizmente a gente tem visto no Brasil, nos últimos meses, em vários estados. A situação da população urbana no Brasil, que não tem condições adequadas de moradia, e o impacto que a gente vê desses eventos climáticos extremos sobre essas populações", afirmou.Leia também:- Sobe para 126 o número de mortes após chuvas em Pernambuco-Imagem (1.2469270)