Quase dois meses depois do aumento de até 168% nas tarifas de pedágios, a Triunfo Concebra, responsável pela administração da BR-060 e BR-153, ainda não apresentou um cronograma de obras para justificar o reajuste. A cobrança pelo documento está sendo feita pelo Ministério Público Federal (MPF), que considera o detalhamento necessário, já que as intervenções estruturais foram usadas como argumento para o acréscimo nas arrecadações. O montante deve superar os R$ 560 milhões.Nesta semana as contestações ao reajuste ganharam novos desdobramentos. O deputado federal Elias Vaz (PSB), autor da denúncia que está sendo investigada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), diz que está evidenciada a irregularidade no aumento. Isso porque, conforme interpretação de manifestação feita pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), os novos valores fazem parte de um montante que não deveria ser pago para a empresa neste momento.A nova tabela de valores faz parte do acordo de troca de gestão da rodovia, que após pedido de rescisão da Concebra, será feita por uma nova empresa a partir de dezembro de 2023. A medida foi autorizada em aditivo acordado com a ANTT. A justificativa, porém, é contestada. Isso porque, conforme resposta da agência reguladora ao TCU, o montante que deve significar pelo menos R$ 560 milhões a mais para a concessionária, deveria ser pago de forma parcelada pela empresa que assumir o próximo contrato de concessão.Leia também: - Goiás registra primeiro caso suspeito de hepatite aguda de causa desconhecida- Justiça interdita Parque Mutirama quase cinco anos após acidenteIsso porque, como houve a rescisão, a Concebra tem direito, ao fim do período contratual, de receber pelos investimentos estruturais com vida útil que serão herdados pela próxima empresa. É por esta razão que as verbas são chamadas de indenizatórias e devem ser pagas no próximo contrato de concessão. A ANTT autorizou a espécie de antecipação porque a concessionária argumentou que a medida é necessária para garantir a realização de obras emergenciais até dezembro de 2023.Ainda em abril, o MPF em Goiás solicitou que fosse entregue um cronograma das obras. A procuradora da República Mariane Oliveira, que acompanha a questão, disse na época que o detalhamento das obras seria imprescindível para justificar o reajuste. Nesta quinta-feira (19) o MPF afirmou, por nota, que o cronograma não foi entregue. Em paralelo, diz que ainda aguarda da ANTT os critérios para a decisão favorável ao aumento, “uma vez que a manifestação anterior da Agência não atendeu a todos os questionamentos do MPF”.ContestaçãoO deputado Elias Vaz diz que além da antecipação ser irregular, a atual condição estrutural da via foi causada por inação da concessionária, que por isso deveria arcar com os custos dos reparos. “Tais fatos causam perplexidade, pois trata-se, de fato, de um presente de despedida à Concebra, empresa que operou os trechos por 8 anos e não realizou as obras de investimento e manutenção da pista, deixando o pavimento em péssimas condições”, afirma o parlamentar em manifestação entregue ao TCU.Para a advogada Anna Vicenza, membro da Comissão Nacional de Direito Administrativo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), há a possibilidade de que o TCU derrube o reajuste. A advogada concorda que antecipar a indenização é irregular. “Quando foi feita a concessão essas obras já estavam previstas. Os gestores tinham de ter esses custos lá no início. O dinheiro anteriormente arrecadado muito provavelmente foi mal utilizado”, sustenta Anna.A Concebra argumenta que os valores cobrados antes do atual reajuste eram menores que os de 2017. A defasagem do valor foi aprofundada em 2020, quando a ANTT, apontando uma série de descumprimentos contratuais, definiu a redução das tarifas em torno de 40% como uma penalidade. Há o entendimento, porém, de que a perda de caixa resultante da punição teria sido proporcional ao que foi arrecadado a mais nos anos anteriores por conta da não realização de obras.A advogada Anna diz que diante da punição sofrida, a empresa deveria ter bancado os custos e não apresentar isso como argumento para voltar a arrecadar o montante perdido e apenas dessa forma consiga executar as obras emergenciais. “A empresa recebeu uma punição porque estava arrecadando dinheiro e não estava cumprindo a parte dela. É como se ela tivesse recebido uma multa”, afirma a representante da OAB.Apesar de o reajuste ter sido feito com o aval da ANTT, há a possibilidade de que o acordo seja revisto. “Não considero que o aditivo foi feito de forma equilibrada e tanto o TCU quanto o MPF podem anular essas cláusulas”, afirma a advogada Anna, que avalia: “Fizeram cálculos errados e agora estão colocando isso no bolso do cidadão e retirando da próxima concessionária”.Concebra diz que valor é “empréstimo”A Triunfo Concebra reconhece que não realizou diversas obras, mas argumenta que o problema foi desencadeado por desequilíbrios contratuais sofridos desde os primeiros anos de gestão. Isso porque, conforme reclama desde 2017, não conseguiu um empréstimo junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), item previsto no contrato de concessão. O presidente da concessionária, Odenir Sanches, diz que após a empresa não receber o empréstimo junto ao BNDES, por conta da mudança de política do Governo Federal, os valores cobrados nos pedágios ficaram incompatíveis com as demandas. “Tínhamos que realizar intervenções em cinco anos que só seriam possíveis com o empréstimo”, detalha sobre o crédito que seria pago em longo prazo e subsidiaria as intervenções. Após as penalidades aplicadas pela ANTT, Sanches diz que o reajuste foi necessário para atender a demanda por obras emergenciais e não significa lucro para a concessionária. Sobre o adiantamento ser irregular, o presidente afirma que existem interpretações possíveis, mas defende que o acordo foi legal. “Esse valor antecipado com o reajuste ficou como um empréstimo”, diz.“Para poder relicitar nós teríamos de apresentar serviços iniciais. E para isso não tínhamos tarifas proporcionais. No final nós vamos ver o que temos de receber e o que devemos. Porque também temos dívidas para pagar, temos multas. O valor que der no fim aí sim a nova concessionária vai assumir”, diz Sanches. Apesar de ainda não detalhar um cronograma, a Concebra diz que já iniciou diversas frentes de intervenções paliativas. A previsão é de que sejam realizadas obras de recapeamento em diversos trechos e a construção de uma passarela de pedestres em Abadiânia. Outro ponto previsto no aditivo são as obras emergenciais que se mostrem necessárias ao longo dos próximos 19 meses. Já as obras estruturais de grande valor, originalmente previstas no contrato de concessão, ficaram de fora e só devem ser feitas pela próxima gestão.