Levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostra que a taxa de contágio do coronavírus, a chamada taxa R0, é maior em bairros como o Jardim Novo Mundo e na região Noroeste de Goiânia, considerando bairros com mais de cem casos confirmados de Covid-19. É a primeira vez que este mapeamento é feito desde que a epidemia chegou à capital, em março, e O POPULAR teve acesso com exclusividade aos dados.O Novo Mundo e o Jardim Curitiba são os que chamam mais a atenção por terem a taxa acima de 1,5, nível considerado “fora de controle” pelo professor Thiago Rangel, biólogo e pesquisador do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG. O Novo Mundo é o quarto bairro com mais casos confirmados de acordo com boletim epidemiológico do dia 28 de agosto, o mais recente com este detalhamento, enquanto o Jardim Curitiba é o 12º.Além disso, segundo Rangel, que fez o levantamento junto com o professor José Alexandre Diniz, também do ICB/UFG, os dois bairros são formados por famílias de baixa renda, principalmente o Curitiba, e há pesquisas que mostram que o alastramento da Covid-19 se dá de forma mais grave nestas regiões. Aliás, todos os dez bairros com maior taxa de contágio se encaixam neste critério de vulnerabilidade social.Por outro lado, bairros mais centrais aparecem com uma taxa de contágio mais próxima de 1 ou até abaixo, ou seja, a epidemia estaria sob controle nestas regiões. O Setor Bueno, por exemplo, bairro com mais casos confirmados, tem uma taxa de 1,2, enquanto o Jardim América, segundo com mais notificações, aparece com 1,15, índices que representam um “sinal amarelo”, na avaliação de Rangel, mas que não preocupa tanto quanto os bairros mais periféricos.Dos 20 bairros com mais moradores que foram testados positivo para Covid-19, 7 estão com a taxa abaixo de 1,1, o que significa que nestas regiões a epidemia pode estar em processo de queda. No Setor Marista e no Central, o índice – respectivamente, 0,90 e 0,99 – aponta um cenário de redução dos casos.O biólogo destaca, entretanto, que isso não deve ser visto como motivo para relaxamento nem da população nem do poder público, pois apesar de não se fazer mais inquéritos epidemiológicos (o último é do começo de julho) se acredita que o número de pessoas suscetíveis à doença ainda é bastante alto, o que pode levar a um novo descontrole da transmissibilidade se o comportamento mudar.O Jardim Novo Mundo também é o bairro com mais mortes de pacientes com Covid-19, segundo o boletim epidemiológico mais recente com este tipo de informação, no caso, o do dia 17 de agosto. Outros dois bairros estão na lista dos dez com mais mortes e os dez com maior taxa de contágio: Jardim Nova Esperança (17 óbitos) e Vila Finsocial (15). Ambos estão na Região Noroeste e próximos ao Curitiba.Ao todo, o mapeamento calculou a taxa de contágio de 502 bairros, enquanto segundo boletim epidemiológico há 573 com moradores que tiveram teste positivo para a doença. A taxa variou de 0,04 a 6,19, sendo que sete bairros apresentaram um índice acima de 2.Porém, Rangel explica que os bairros com poucos casos confirmados e população muito pequena podem apresentar uma taxa muito elevada já que é considerado para o cálculo, principalmente, o surgimento de novos casos no período de 14 dias. Um bairro pequeno com poucos casos que tenha uma família que contraiu o vírus pode fazer, neste caso, a taxa ficar elevada.Para o professor, a discrepância nos bairros com poucas notificações e o fato de a população de bairros com situação socioeconômica melhor terem mais acesso a testes não altera a realidade mostrada no mapeamento, que alerta para a situação mais crítica dos bairros mais vulneráveis. Alerta para bairros vulneráveisO professor Thiago Rangel chama a atenção para os bairros em situação socioeconômica mais vulnerável por conta da falta de condições das famílias de lidar com a epidemia quando a taxa de contágio está acima de 1,1. Cruzamento feito pelo POPULAR mostra que, dos 62 bairros com mais de cem casos confirmados de Covid-19, segundo o boletim mais recente com este tipo de dado, de 28 de agosto, 23 apresentavam um índice de contaminação acima do limite apontado pelo professor. E destes 15 se encontram na periferia da capital. “Quando a taxa de contágio é alta em bairros mais vulneráveis, isso exige uma gestão de ações muito mais presente nestas regiões, que vai além de campanhas educativas.”. Para ele, nestes casos, é fundamental que o poder público intervenha para fornecer às famílias carentes equipamentos e suprimentos para que possam enfrentar a epidemia. “Não basta só campanha de conscientização nestes locais, por isso é diferente se um bairro mais central e um periférico têm a mesma taxa de contágio. Em bairros onde a população tem melhores condições financeiras, ela consegue enfrentar melhor”, comentou.O professor destaca que a taxa de contágio na capital como um todo estaria provavelmente em torno de 1,1, o que indica um caminho para a estabilização e queda dos casos de infecção, mas que há muitos pontos na cidade onde o alastramento ainda está fora do controle. Rangel acredita que o comportamento da população com o uso de máscaras e de álcool em gel, a maior conscientização sobre a epidemia e ações do poder público tiveram impacto positivo para impedir que a taxa de contágio fosse maior considerando que ainda devemos estar longe da meta para a chamada imunização de rebanho. Porém, por estarmos longe deste patamar, é importante que este comportamento seja mantido. Dados incluem testes em massaO mapeamento feito pelos pesquisadores da UFG compreende um período de 14 dias já após a Prefeitura de Goiânia ter iniciado o processo de testagem em massa de antígeno viral com foco principalmente nos pacientes assintomáticos. Desde que o processo começou, no dia 5 de agosto com um mutirão no Jardim Guanabara, mais de 60 mil pessoas já foram testadas e a taxa de positividade gira em torno de 13%.Para o professor Thiago Rangel, tanto isso como o mapeamento ajudam a Prefeitura a desenvolver políticas mais efetivas de combate à Covid-19 nas regiões em que se detecta que a situação está mais crítica. Ele conta que tanto eles como a equipe responsável pelo Painel Covid-19 da UFG, que mapeia a evolução da doença na capital e no Estado, são consultados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia para analisar os dados por bairros e daí veio a ideia de desenvolver o mapeamento da taxa de contágio.O professor adiantou que novas análises ainda em andamento apontam que nos bairros periféricos há outro aspecto grave que agrava o impacto da epidemia: o caminho entre o surgimento dos sintomas e a notificação é mais longo.