Tente imaginar meio milhão de piscinas olímpicas cheias de água até a borda. Se é algo impensável, mensure, então, o equivalente a 14 vezes toda a água consumida pela população de Goiânia em um ano. Este será o aumento de uso de recursos hídricos em Goiás até 2030, conforme projeção feita pelo Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil, estudo desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (ANA). O incremento de demanda hídrica no Estado em um curto espaço de tempo (pouco mais de uma década) é algo que preocupa, dada a realidade de limitação e escassez já enfrentada nos últimos anos.O aumento proporcional será de 44%, o terceiro maior entre os Estados brasileiros, atrás apenas de Tocantins e do Amazonas. Em números absolutos, equivale dizer que o Estado chegará em 2030 consumindo, em um ano, quase 1,4 trilhão de litros de água a mais do que gasta hoje. Entre os diferentes segmentos e usuários de água analisados pelo estudo, as maiores variações na demanda hídrica em Goiás ocorrerão no setor da indústria e da agricultura, por meio da irrigação, que é hoje o maior consumidor de água no Brasil e no Estado (veja quadro na página 15).Consciente da realidade e dos alertas já presentes no Plano Estadual de Recursos Hídricos de Goiás, publicado em 2016, a secretária estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Andréa Vulcanis, diz que um plano de segurança hídrica para o Estado será elaborado e apresentado ao governo. Basicamente, a ideia é implantar medidas que propiciem a convivência dos diversos segmentos usuários de água dentro de uma realidade possível de disponibilidade e sustentabilidade hídrica. “Em um Estado com franco avanço da economia, isso é muito preocupante”, diz.A necessidade de conciliação em prol da garantia do uso prioritário, que é o abastecimento humano e animal, mostrou-se necessária, por exemplo, na Bacia do Rio Meia Ponte, em 2017, de onde sai a água que corresponde a mais da metade do fornecimento de Goiânia e cidades da região. Foram constatados, na época, diversos usos irregulares acima do ponto de captação da Saneamento de Goiás S.A. (Saneago) que continuavam a todo vapor, independente da escassez de chuva, e que, por consequência, contribuíram para acirrar a falta de água em quase uma centena de bairros.O consumo humano nas cidades goianas deve aumentar 17% até 2030, um índice bem abaixo de outros segmentos, como indústria (122%) e irrigação (43%), mas não menos preocupante diante do contexto. O aumento populacional é um fator que pressiona a demanda hídrica na zona urbana. Além da tendência de êxodo rural, elemento que condiciona o consumo humano na zona rural como sendo o único que vai diminuir em 10 anos, dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) colocam Goiás, hoje, como o segundo Estado do País que mais atrai novos moradores. Só perde para São Paulo.A tendência, com o tempo, é de que a disponibilidade hídrica seja um fator limitante do crescimento. Em Cristalina, cidade do Leste goiano e maior usuária de água do Estado, devido a grande concentração de pivôs centrais (a maior da América Latina), a implantação de uma indústria, por exemplo, é algo impraticável. “Temos dificuldade de atrair mais investimentos para a região de lá, justamente, por causa da segurança hídrica”, conta o presidente do Conselho Temático de Meio Ambiente da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg), Bruno Beraldi.Em 2003, a professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), Luciana Gonçalves Tibiriçá, desenvolveu pesquisa na região de Cristalina e a situação de conflito por água já existia. Sem medidas eficazes de fiscalização, preservação e controle, o contexto tende a ficar cada vez pior no Estado, segundo ela. Falta de controle acirra contextoOs dados e estatísticas de consumo de água no Brasil são feitos a partir do que se sabe e é devidamente registrado e legalizado nos órgãos ambientais. Muitos usos, no entanto, resistem distantes do controle e da necessidade de outorga para limitar o que pode ser utilizado. Esta condição torna ainda mais complexa a realidade de escassez e que exige um monitoramento preciso. Em Goiás, não diferente do restante do Brasil, a secretária estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Andréa Vulcanis, reconhece: “Não temos conhecimento do total de água que é utilizado hoje”.Exemplo recente e que veio à tona após o crime ambiental de Brumadinho, com o rompimento da barragem da Vale, se refere à realidade de lagos artificiais em Goiás que se proliferam já na casa dos milhares. “Temos 9 mil barragens que deviam ser outorgadas quanto à retirada e uso da água, mas não temos isso aqui na secretaria hoje. Pela Agência Nacional de Águas (ANA), Goiás é considerado um dos piores estados de (controle de) recursos hídricos do Brasil”, diz.Em janeiro do ano passado, O POPULAR publicou reportagem mostrando que o Estado possui mais de 3,3 mil pivôs centrais e que apenas 21,5% deles estariam devidamente legalizados, com outorga e licenciamento ambiental. Na região do Vale do Araguaia, a irrigação praticada no município de Jussara, a 220 quilômetros de Goiânia, era a quarta maior usuária de água do Estado, em 2017, entre todos os usos e municípios, e vai subir para a segunda posição em 2030, ultrapassando o abastecimento público de Goiânia.“Estamos fazendo uma reestruturação de vários macroprocessos na secretaria. Peguei a situação bem crítica”, diz Andréa. Na semana passada, ela se reuniu com representantes do segmento de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), que já apresentaram 118 pedidos de licenciamento ambiental, para discutir medidas que podem ser tomadas para viabilizar a implantação dos empreendimentos sem comprometer os demais usuários e interesses nas bacias hidrográficas. Ela já prevê que alguns dos pedidos não terão a licença concedida, por causa da limitação hídrica. Com o setor de irrigação, o diálogo deve ser aberto ainda, também no sentido de negociar ações e condicionar o licenciamento à análises de segurança hídrica. Setor não acreditaA Agência Nacional de Águas (ANA) projeta um aumento proporcional de uso de água pela indústria em Goiás de 122% até 2030, em relação a 2017. O presidente do Conselho Temático de Meio Ambiente da Federação das Indústrias de Goiás (Fieg), Bruno Beraldi, diz que o setor não acredita nesse incremento todo. “Primeiro temos de ter uma demanda da economia dos produtos da indústria. Não temos como falar ainda se isso está certo ou não”, diz. Além disso, ele alega que as indústrias tem feito grandes investimentos em tecnologia para otimizar o uso e economizar. Nos períodos de estiagem, o setor é um dos que precisam reduzir a vazão de retirada dos mananciais para não comprometer o abastecimento público, que é a prioridade entre todos os usos. Beraldi argumenta que a realidade obriga as indústrias a adotarem medidas próprias para melhorar a utilização da água para não comprometer a própria produção. “Para uma indústria que depende do recurso hídrico acaba sendo uma questão de sobrevivência. O setor tem de fazer isso. Não é uma alternativa. Ele tem de fazer”, afirma. De acordo com o estudo da ANA, a indústria goiana vai partir de uma demanda hídrica de 8.991 litros por segundo, em 2017, para 19.959 litros por segundo, em 2030. Sobre a perspectiva de aumento da presença industrial no Estado, Bruno diz que isso ainda é algo incerto. “Hoje podemos dizer que temos mais indústrias procurando outras alternativas de investimento do que vindo para cá”, aponta ele, que acredita que o cenário futuro vai exigir reinvenção de todos os segmentos. “Todo mundo vai ter de aprender a ter maior eficiência hídrica”, diz.-Imagem (1.1770650)