Os números de processos judiciais e denúncias sobre trabalho infantil caíram em Goiás nos últimos anos. Entre 2016 e 2018, a quantidade de ações do tipo no Tribunal Regional do Trabalho de Goiás (TRT-GO) saiu de 61 por ano para 24, uma diferença de quase 40%. O mesmo aconteceu em relação às denúncias que chegam até o Ministério Público do Trabalho do Estado de Goiás (MPT-GO) que foram de 404 em 2014 para 116 no ano passado.A motivação dessa diminuição pode ser múltipla: realmente pode ter acontecido uma diminuição nos casos; a pouca capilaridade do poder público na sociedade para identificar e fiscalizar; a queda de ocorrências que envolvem empresas e são mais judicializadas; ou até o apoio de parte da sociedade ao trabalho infantil.Houve uma queda, a partir de 2013, na quantidade de pessoas ocupadas entre 10 e 17 anos em Goiás, tanto legalmente, quanto de forma irregular, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com esses dados, houve uma diminuição de 10% desse número em 2014 e de 14% no ano seguinte. Os dados mais recentes, de 2016, possuem uma metodologia diferente e não são considerados comparáveis por especialistas.Para o procurador chefe do MPT-GO, Tiago Ranieri, o trabalho infantil persiste, mas as denúncias não chegam por conta de uma mentalidade de parte da população que apoia essa situação. “A sociedade acredita que é melhor estar trabalhando do que cometendo crimes. A sociedade acredita que existem apenas duas alternativas. Ninguém fala em educação, projeto social de cultura, lazer e esporte”, defende Ranieri.Segundo o procurador, é preciso fazer um trabalho de conscientização sobre os malefícios do trabalho infantil. “É um mito achar que lugar de criança é melhor estar trabalho que em outra situação. É um projeto muito perverso de futuro, geralmente para crianças negras e pobres”, aponta. Ele afirma que o MPT-GO tem feito trabalhos para capacitar professores e conselheiros tutelares para que consigam identificar casos de trabalho infantil.Entre os problemas gerados na criança que trabalha, está a diminuição na sua perspectiva de educação, inclusive na área profissional.Segundo uma pesquisa do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador, quando mais cedo é a entrada da pessoa no mercado de trabalho, menor é a sua renda na vida adulta.PolêmicaO tema do trabalho infantil voltou a tona após declaração do presidente Jair Bolsonaro (PSL) durante sua live na rede social Facebook no último dia 9. Ele declarou que trabalhava na fazenda quando tinha nove e dez anos, e que isso não prejudicou sua vida. “Quando um moleque de nove, dez anos vai trabalhar em algum lugar, tá cheio de gente aí ‘trabalho escravo, não sei o quê, trabalho infantil’. Agora, quando tá fumando um paralelepípedo de crack, ninguém fala nada”, afirmou na ocasião.Desde então, começou nas redes sociais uma guerra simbólica entre quem defende e quem condena o trabalho infantil. Nesse cenário, muitos citam situações de trabalho na empresa da família ou afazeres doméstico como exemplos positivos do que seria “trabalho infantil”.Ranieri esclarece que afazeres domésticos, por exemplo, não são considerados trabalho infantil. A legislação permite o trabalho para adolescentes a partir dos 14 anos, mas em condições específicas (veja quadro). Nesses casos, mesmo o menor de 18 anos que trabalho para a família deve estar regularizado. Serviços informais com famíliasA conselheira tutelar da região do Garavelo, em Aparecida de Goiânia, Lariana da Penha, de 35 anos, diz que são raras as denúncias de trabalho infantil envolvendo empresas, mas relata ser muito comum casos de informalidade, de venda de mercadorias, prestação de serviço e pedido de dinheiro em semáforos, com apoio da família. “São casos de extrema baixa renda, precisa de ajuda, colocar em creche, escola, programa de primeiro emprego. Isso que eles precisam, eles não precisam de punição. Agora, as empresas grandes sim, como vê na televisão, carvoaria aquelas coisas todas”, define Lariana. Em seus sete anos como conselheira, ela nunca levou um caso ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Segundo Lariana, quando um caso é identificado, os conselheiros encaminham as crianças para atividades de cultura, esporte, lazer ou estudo. No entanto, ela relata que em alguns casos, a família simplesmente muda de ponto. O presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, Deurimar Barbosa da Silva, defende que é necessário mudar a mentalidade da sociedade sobre o trabalho infantil. “Não há país desenvolvido no planeta que colocou suas crianças para trabalhar na idade errada”, avalia. Uma das formas de denunciar o trabalho infantil é através do aplicativo de celular MPT Pardal, em que o usuário pode mandar fotos e vídeos, além de descrever o local. A partir daí, uma rede de proteção é acionada. -Imagem (Image_1.1838962)