Em quatro anos, 52 pessoas foram presas em flagrante em Goiás por crimes relacionados ao abuso sexual e pornografia infantil na internet, oito delas nesta semana. Estes números são apenas da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos (Dercc), desde que foi criada, em 2018, ano da primeira operação Zeloso Guardador. Todos os presos na última fase da operação são homens suspeitos de produzir, armazenar e compartilhar imagens envolvendo crianças e adolescentes.Delegada titular da Dercc, Sabrina Leles detalha que a apuração destes crimes precisa ser contínua porque eles não param. “Um investigado, por exemplo, figurou em duas etapas desta operação, na primeira e na terceira.” Ela explica que esses criminosos, quando retornam à atividade, buscam maneiras de ser ainda mais eficientes no uso de softwares e programas que dificultem a prática e a identificação dos mesmos. “Essas prisões, em vez de nos deixar mais tranquilos por termos prendido um criminoso, nos faz ficar mais alertas porque sabemos que essa pessoa vai buscar novas formas de burlar as regras.”Na última fase da operação, as oito prisões foram registradas em seis cidades do Estado. Em um dos casos, dois irmãos foram detidos por compartilhamento e posse deste tipo de material. “Um deles, inclusive, já é investigado por estupro de vulnerável.” A delegada acrescenta que os presos não são investigados como um grupo fechado, mas por usarem ferramentas para compartilhamento destes materiais na rede mundial de computadores. “Se esta pessoa envia ou recebe arquivo, ela está cometendo crime. Mesmo se ela não estiver aparecendo no vídeo, produzindo. Só de portar estes conteúdos, pode ser investigada e presa.”A delegada ainda diz que, à medida que a investigação avança, outros casos vão aparecendo. “E os criminosos nem sempre apresentam características específicas. Nesta última fase prendemos uma pessoa em Bonópolis, no norte goiano. O alvo era um técnico em informática, responsável por distribuir internet na cidade. As pessoas ficaram chocadas quando o assunto se espalhou por ser uma cidade distante da capital e bem pequena. Mas não podemos descartar localização ou perfil de investigado.”Outro preso nesta operação, em Jataí, mantinha dentro do seu escritório diversos equipamentos de produção de imagens em foto e vídeo, além de milhares DVDs e CDs já gravados e identificados com nomes relacionados à prática sexual. “Chamou-nos atenção que estavam guardados em um canto diversos chocolates e doces. Esta é uma característica de quem quer atrair e agradar vítimas neste tipo de crime.”As imagens chocam. “São situações que exigem muito das equipes. São cenas inimagináveis para qualquer pessoa normal ver. A gente sente náusea, dor de cabeça, mal-estar. É muito desconcertante. Temos um treinamento específico para lidar com este tipo de assunto, mas ainda assim nos incomoda bastante.”Neste mês, a campanha Maio Laranja lembra a importância da conscientização para proteger as crianças dos criminosos que praticam a pornografia infantil.DPCATitular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Marcella Orçai diz que a delegacia também apura situações que envolvem abusos de crianças e adolescentes no meio virtual. “É um crime difícil de ser combatido, ainda mais porque ele pode partir de pessoas do convívio da criança. Pode ser um parente, um amigo da família que conversa num aplicativo de mensagem, pede ou manda uma foto, um vídeo, encaminha uma pornografia para que a criança veja. Tudo isso é crime."A delegada diz que muita gente sequer sabe que essas práticas configuram crime, assim como manter um vídeo como esse guardado no celular. “Mesmo que seja por indignação ou revolta. Estes arquivos não podem ser armazenados.” A delegada diz que neste mês, quando é celebrado o Maio Laranja, a especializada realiza ações de conscientização e informação para a população. “Este é um crime que acontece independente de classe social ou localização. A melhor forma de evitar é o acompanhamento dos pais. Se a criança está na internet, ela está passível de ser vítima.”A internet é, segundo ela explica, ferramenta facilitadora do abuso, seja por meio da propagação de fotos ou do contato contínuo entre abusador e vítima. Marcella Orçai diz que os criminosos buscam informações sobre o que as crianças gostam e agem de maneira velada, se passando por crianças. “Usando esses canais, chats e grupos, aliciam crianças, cometem os crimes. Os pais pensam que as crianças estão seguras acessando canais infantis, mas o criminoso têm suas estratégias para acessar o mesmo meio e chegar até a vítima. É um desafio muito grande e precisamos da consciência das famílias.” Criminoso tem perfil individualistaNeuropsicólogo e psicólogo forense Superintendência de Polícia Técnico-Científica (SPTC), Leonardo Faria diz que quem pratica crimes de abuso sexual contra crianças na internet é incapaz de sentir culpa. “A culpa é, geralmente, um bloqueio para parar. E essas pessoas não têm.” Ele detalha que são pessoas com incapacidade de pensar no outro, terem remorso e têm nível de individualismo alto.O neuropsicólogo diz que já avaliou pessoas com este tipo de comportamento e eles não assumem a responsabilidade e dizem que só aconteceu porque o pai ou a mãe não estavam monitorando a criança ou reforçam que não obrigaram as crianças a praticarem os atos. “Eles buscam racionalizar o que não é racional.” Mas o especialista ressalta que estas condições não são transtornos mentais. “Geralmente são problemas de ordem sexuais desviados para outro contexto. A base é gerada por outros motivos e a pessoa busca alguma coisa para aliviar, seja a pedofilia, pornografia, drogas.”“São situações que vivencia ao longo da vida, de compulsão e ansiedade. A pessoa só vai sair dessa prática ou de qualquer outra se quiser. Não tem psicólogo, psiquiatra ou remédio capaz de resolver este problema se o próprio criminoso não quer deixar essa prática. Mas isso não é uma doença e não faz dele um coitado. Pelo contrário. Se essa pessoa faz tudo escondido, esconde estes materiais, ela tem plena consciência de que é errado e sabe o que está fazendo.”O especialista diz que manter diálogo e monitorar o que as crianças fazem na internet é o melhor caminho para evitar que elas sejam vítimas. “Não tem outra forma, é estar perto, acompanhar, ver, participar. Falta muito diálogo, limite e afeto.” -Imagem (1.2247407)