Após pressão do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) e decisões recentes do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), o Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO) recuou da decisão de abrir uma licitação para concessão a uma única empresa do serviço de emplacamento veicular no Estado – processo que renderia até R$ 76 milhões por ano ao vencedor - e anunciou a retomada do serviço por credenciamento. As duas decisões foram publicadas em portarias pelo Detran-GO na edição desta sexta-feira, dia 23, do Diário Oficial do Estado (DOE). Não foi fornecido mais nenhum detalhe sobre como o órgão pretende trabalhar a questão do credenciamento. Conforme O POPULAR apurou, existe a possibilidade de regras distintas para autorizar fabricantes de placas e estamparia e lacração das mesmas. O edital de licitação para concessão do serviço foi lançado no dia 8 de janeiro e no dia seguinte o Denatran encaminhou um ofício pedindo o fim do processo. Isso porque, de acordo com o artigo 5º da resolução 231 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), o serviço deve ser feito por meio de credenciamento e não por concessão. Logo depois, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou, por meio de medida cautelar, a suspensão do edital concordando com os argumentos do órgão federal.Em seu voto, o conselheiro do TCE Saulo Mesquita, ao concordar com o Denatran, diz que não é “razoável que uma única pessoa jurídica se beneficie com a receita proporcionada por uma atividade a ser realizada em toda a extensão territorial do Estado”. O conselheiro também criticou o período de 30 anos de concessão previsto no edital. A medida cautelar foi referendada por unanimidade pelo plenário do TCE ainda no dia 17 de janeiro.Já o ofício do Denatran é mais sucinto e direto em relação aos problemas do edital. Assinado pelo diretor do órgão, Maurício José Alves Pereira, o documento afirma que o edital “viola” o que diz o artigo 5º, que fala “expressamente” em credenciamento e pede que o Detran-GO “suspenda imediatamente” o processo.Três dias após a publicação do edital, a promotora Leila Maria de Oliveira, do MP-GO, entrou com um pedido ao Detran-GO para que suspendesse a licitação. Um dos argumentos é que a lei estadual 18.983/2015, que autoriza o Detran-GO a fazer a licitação do serviço por concessão, não pode prevalecer sobre a legislação federal, no caso a resolução 231 do Contran.Também em janeiro, outra decisão pesou contra o Detran-GO. A juíza Zilmene Gomide da Silva Manzolli, da 1ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia, acatou pedido da promotora e mandou o Detran-GO regularizar o credenciamento das empresas interessadas no serviço de emplacamento para que as mesmas pudessem estar aptas em um prazo de 180 dias.CredenciamentoEm portaria publicada no DOE desta sexta-feira, o Detran-GO anuncia a criação de uma comissão que terá 180 dias para elaborar uma minuta com os procedimentos e exigências para o credenciamento das empresas interessadas no serviço de emplacamento, desde a fabricação e estamparia à lacração e ainda o edital de chamamento para o credenciamento. Será a primeira vez desde 2013 que o Detran-GO credencia empresas para este tipo de serviço. Em dezembro, completou quatro anos que a multinacional Utsch Brasil assumiu como única fabricante autorizada a atuar em Goiás. Já o serviço de emplacamento passou a ser feito em convênio com a Associação das Indústrias de Placas Automotivas do Estado de Goiás (Assiplago).A reportagem tentou contato com o presidente do Detran-GO, Manoel Xavier, mas o celular dele estava desligado. A assessoria de imprensa do órgão informou que não conseguiu contato com o presidente nem com o diretor de operações, Francisco de Assis, e que o departamento jurídico do órgão não liberou o estudo desenvolvido pela comissão que avaliou os pedidos do Denatran e do MP-GO.Empresas tentam se credenciar desde 2010Pelo menos seis empresas tentam se credenciar para o serviço de estamparia e lacração de placas no interior do Estado desde 2010, sem sucesso. Neste período, já passaram pelo Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO) quatro presidentes do órgão e diversos diretores e, segundo os empresários ouvidos pela reportagem, a cada mudança de cargo as desculpas dadas pela demora no processo se reiniciavam.“Quando não tem mais desculpa para dar, muda um diretor e aí começa tudo de novo. Não tem motivo nenhum para a gente não poder começar a trabalhar”, comentou o empresário Múcio Teixeira Amorim, de 42 anos, que montou uma empresa de estamparia e lacração em Ceres há 8 anos. “Está tudo pronto lá, os documentos estão certos, a vistoria já foi feita e estou pagando o aluguel do imóvel desde 2010. Mas não posso começar a trabalhar sem a autorização publicada.”De acordo com Amorim, outros colegas tem empresas no interior do Estado na mesma situação. “A gente vai lá e sempre ouve que eles vão dar uma olhada no que está acontecendo.”Os problemas começaram em janeiro de 2011, quando o então presidente recém-assumido do Detran-GO, Edivaldo Cardoso, mandou suspender todos os novos registros de empresas interessadas no serviço de emplacamento com o argumento de que o órgão iria preparar adequações na forma como o processo acontecia. Dois anos depois, já sob o comando de João Furtado, o Detran-GO abriu credenciou a Utsch Brasil como fabricante de placas semiacabadas (sem estampa) em um processo polêmico que foi alvo de ação do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO). Em junho de 2015, o Detran-GO chegou a credenciar 13 empresas para o serviço de lacração de placas e tarjetas, mas a portaria autorizando as empresas foi suspenso em novembro. Entre as 13 empresas, não constavam as seis do grupo de Amorim. A reportagem não conseguiu falar nesta sexta-feira (23) com o presidente do Detran-GO, Manoel Xavier, para saber o motivo da demora na liberação dos processos destas seis empresas.Convênio vence em maioA Utsch Brasil informou, por meio de nota, que está ciente do fim do processo de licitação do serviço de emplacamento veicular em Goiás e que se mantém “disponível para cumprir com as exigências e determinações” do Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO). O convênio com a Associação das Indústrias de Placas Automotivas do Estado de Goiás (Assiplago) vence em maio, mas deve ser renovado até que a situação do credenciamento seja resolvida. Ainda na nota, a Utsch afirmou prezar pela credibilidade nos seus serviços. Ela não comentou sobre a possibilidade de continuar os serviços no Estado caso tenha de dividir o mercado com outras credenciadas. A reportagem tentou falar com o presidente da Assiplago, Paulo de Faria Júnior, mas não obteve sucesso. O vice-presidente Lucivaldo Ademir Batista afirmou que a entidade vai seguir o que determinar a lei e o Detran-GO.Licitação demorou 2 anos para sair do papelApesar dos protestos do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-GO) vinha desde 2015 trabalhando com a ideia de fazer a licitação para conceder o emplacamento veicular a uma empresa sob o argumento de que a medida é a melhor forma de garantir a segurança do serviço. No dia 3 de setembro de 2015, o órgão estadual chegou a informar a Associação das Indústrias de Placas do Estado de Goiás (Assiplago) que não tinha interesse na renovação do convênio assinado em novembro de 2013. Esse documento tornava a associação a única responsável pelo serviço de emplacamento e lacração no Estado inteiro, permitindo parceria com empresas já credenciadas antes de 2011 e autorizadas em portaria no final de 2013.Dois meses depois de anunciar o interesse no fim do convênio, o Detran-GO renovou o acordo por mais 90 dias sob alegação de que precisava deste período para “devida finalização do procedimento licitatório pertinente”, mas já abrindo brecha para futuras renovações. Foi o que aconteceu mais quatro vezes. Atualmente o convênio está em seu sexto aditivo e vale até maio de 2018.Como a comissão criada pelo Detran-GO para viabilizar o processo de credenciamento tem pelo menos 180 dias para executar seus trabalhos, o convênio deve ser renovado novamente. Um mês antes do aviso dado à Assiplago, o governo estadual havia publicado a lei estadual 18.893, que autoriza o Detran-GO a fazer a concessão do serviço de emplacamento por meio de licitação. A lei foi aprovada na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego) em um intervalo menor que dois meses.Inicialmente, a lei previa um período de concessão de 15 anos, prorrogáveis por igual período, e a destinação mensal de 5% da receita bruta da empresa vencedora. Em julho de 2017, a licitação ainda não havia andado e o governo estadual aproveitou para mudar a lei, aumentando para 15% da receita bruta a previsão de repasse da empresa ao Detran-GO.No final do ano passado, o governo encaminhou mais uma alteração na lei, desta vez aumentando o período de concessão para 30 anos improrrogáveis e alterando o valor do repasse mensal da empresa para 15% em cima do que ela receber pela prestação do serviço. Antes de ser aprovado, o projeto de lei sofreu alteração pelo líder do governo na Alego, o deputado Francisco Oliveira (PSDB) e o valor do repasse ficou em 15% da receita líquida sem considerar o valor pago nos impostos e taxas públicas.As alterações foram publicadas em forma da lei estadual 19.934, no dia 29 de dezembro de 2017. Após 10 dias, o Detran-GO publicou o edital de licitação, que foi cancelado nesta sexta-feira.RessalvasA promotora Leila Maria de Oliveira, do Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) analisa com ressalvas a publicação das duas portarias pelo Detran-GO colocando um fim à licitação do serviço de emplacamento. Para ela, não há ainda confirmação oficial de que o órgão vai adotar o credenciamento, pois fala-se na criação de um “grupo de estudos” para elaborar os procedimentos necessários, sem confirmar se eles serão efetivados. “A suspensão é natural porque não tinha o que se fazer. A nomeação (da comissão de estudos) é uma forma de mostrar que estão fazendo algo após cancelarem a licitação”, comentou.Leila argumenta que o credenciamento é a forma correta de se lidar com o emplacamento veicular por se tratar de um serviço privado de relevância social. “Portanto cabe ao Estado apenas fiscalizar o serviço. Basta a empresa chegar, mostrar que tem condições de fazer o serviço e se credenciar.”Estados com credenciamento oferecem serviços mais baratosLevantamento feito pelo POPULAR nesta sexta-feira em 14 Estados mostra que onde o serviço de emplacamento veicular é feito por credenciamento das empresas, com várias participando do processo, as placas chegam a custar a metade do valor que é oferecido em Goiás. Em Minas Gerais e em Roraima, é possível encontrar um par de placas reflexivas com tarjeta por R$ 80. A Bahia foi o único Estado onde, segundo a assessoria do Detran local, o serviço é feito por meio de credenciamento e o valor da placa é similar ao de Goiás, em torno de R$ 195. Aqui, o par de placas sai por R$ 190,40.Entre os Estados cujas informações foram coletadas pela reportagem, São Paulo era o único que oferece o serviço por licitação e mesmo assim as placas custam em torno de R$ 130. Lá quatro empresas operam em todo o Estado, que tem a maior frota nacional - mais de 28 milhões de veículos. No Rio de Janeiro, onde apenas uma empresa faz o serviço de emplacamento, o dono do veículo paga R$ 219,35.Até o fechamento desta edição, a reportagem não obteve resposta de sete Estados e em outros cinco não conseguiu entrar em contato.-Imagem (Image_1.1467428)