O vazamento de material radioativo em usina no Japão, após terremoto e tsunami, serve de alerta não só ao Brasil, mas a outros países, sobre os riscos de investir em energia nuclear em grande escala. No caso brasileiro, há várias e melhores opções, comenta o físico e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Goldemberg. Em entrevista ao POPULAR, ele fala da gravidade do episódio japonês e comenta as medidas adotadas.Césio 137: acesse especial sobre os 30 anos do maior acidente radiológico do mundo ocorrido em GoiâniaO acidente em usina nuclear no Japão foi classificado em nível 4. Qual o grau de gravidade do que está ocorrendo ali?O grau de gravidade num acidente nuclear é determinado pela quantidade de radioatividade que ele lança no meio ambiente. O maior acidente nuclear é o do reator de Chernobyl, que lançou uma nuvem radiativa que cobriu praticamente metade da Europa. O segundo foi o de Three Mile Island, nos EUA, em que não houve um grande vazamento de radioatividade, mas o núcleo fundiu. E poderia ter lançado também uma quantidade imensa de radioatividade na atmosfera.Felizmente, ela foi contida. E agora, é esse do Japão o terceiro, e é parecido com acidente nos EUA em 1979, em que o núcleo do radiador fundiu. A única razão pela qual agora a radioatividade não escapou em grande quantidade como em Chernobyl é porque esse radiador tem um desenho diferente do desenho dos russos e tem uma proteção adicional, mas ainda assim escapou radioatividade que está criando problemas para a população em redor da usina.Autoridades japonesas liberaram fumaça radioativa para diminuir um pouco a pressão da falta de resfriamento. Qual pode ser a consequência dessa radioatividade liberada?O que acontece é o seguinte: do radiador estava escapando tanto material radioativo que o prédio de concreto que o envolve estava ficando com a pressão elevada e com alta radioatividade. As autoridades japonesas não podiam segurar nesse radiador uma quantidade crescente de radioatividade, então, abriram as comportas lá e soltaram uma nuvem radioativa na atmosfera. A consequência é que vai contaminar a região ao redor. E é por causa disso que as autoridades imediatamente determinaram que num raio de 20 quilômetros teriam de retirar toda a população.Orientações de proteção à população realmente são efetivas, por exemplo, fechar janela, não sair de casa, usar sombrinha e até mesmo usar iodo?Diminui o risco sim. Porque a nuvem radioativa lançada tem partículas que caem sobre o solo, sobre uma sobrinha ou sobre os tetos das casas. Se as pessoas ficarem em casas com as janelas fechadas, ela não entra. Entretanto, junto com essa nuvem radioativa há gases, muitos gases, e aí não tem filtro que proteja. Então, essa determinação das autoridades japonesas funciona em parte, mas não é uma solução. Não tem solução para radioatividade. Melhor é evitar ser exposto a ela.Quais as consequências menos graves e as piores para uma população atingida por esse tipo de contaminação?Muitos operadores das usinas onde houve acidentes morreram imediatamente, porque receberam uma dose letal de radioação. Depois, milhares ficaram doentes pelo resto da vida. E há um acompanhamento desses doentes. Eles desenvolveram vários tipos de doenças, inclusive leucemia, câncer. Porque excesso de radiação efetivamente cria esse tipo de problema.Um dos elementos desse vazamento no Japão é o césio. O que faz lembrar do acidente em Goiânia em 1987.São acidentes completamente diferentes. Lá a quantidade de radioatividade que está contida nesse reator é milhares de vezes maior do que a da bomba de césio de Goiânia. E mesmo assim, houve o que houve em Goiânia. Não se sabe ainda direito o tamanho desse vazamento no Japão. Isso a gente vai ficar sabendo daqui alguns dias. Mas de qualquer forma, as autoridades japonesas criaram uma zona de exclusão de 20 quilômetros, que é uma grande zona de exclusão. O que mostra é a preocupação das autoridades.Além desse impacto local, pode-se prever consequências de escala maior?Se não conseguirem não controlar o radiador, a nuvem radioativa vai se tornando maior e aí poderia atingir áreas mais longínquas, por exemplo, Tóquio. Ou então Coreia, China. Basta lembrar a nuvem radioatividade de Chernobyl que atingiu quase todos os países da Europa.Mesmo com toda a tecnologia que o Japão tem, está enfrentando enorme dificuldade. Que lição o Brasil pode tirar desse episódio?Não só o Brasil. Eu tenho a impressão que outros países vão reanalisar a conveniência de adotar energia nuclear. Na Inglaterra já se está discutindo o assunto. Eu acho que é o que o Brasil deveria fazer. Países que têm outras opções, e o Brasil tem várias outras opções melhores do que energia nuclear, deveriam se concentrar em desenvolver essas opções antes de abraçar energia nuclear em grande escala. Eu acho que essa é a lição que a gente vai tirar desse episódio de acidente do Japão.