No dia em que anuncia a reabertura quase que total do comércio e atividades não essenciais, Goiânia soma 9.810 casos confirmados de Covid-19, com 272 mortes. A taxa de ocupação de leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs) chegou a 95% no último domingo (12) na cidade e, na rede particular, a 82,35% no último sábado (11). Para especialistas, a curva de contaminação, que continua crescendo, aliada à capacidade hospitalar, que, mesmo ampliada, se mostra insuficiente, seriam indicativos de que este não é momento para reabertura e tentativa de retorno à normalidade.Presidente do Conselho Municipal de Saúde de Goiânia e membro do Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública (COE), Celidalva Sousa Bittencourt diz com firmeza: “Não estamos preparados para isso”. Para ela, os primeiros sinais de que não há condições de retorno são: taxa de ocupação de UTIs, alto nível de contaminação, ausência de testagem em massa e curva crescente de casos confirmados. “Além disso, precisamos pontuar, por exemplo, que as unidades básicas de saúde não possuem médicos suficientes para atendimentos de urgência e emergência”.Celidalva afirma que nos atendimentos de urgência e emergência, os casos suspeitos e confirmados chegaram a aumentar em 200% nos últimos dias. A presidente do Conselho Municipal de Saúde explica que, em média, os plantões contam com quatro médicos, número que, segundo ela, é insuficiente. “Ainda precisamos levar em consideração que os plantões nunca estão completos. Não temos estrutura, temos profissionais estressados, cansados e não temos, sequer, segurança para trabalhar”.Agressão registradaNa noite do último domingo (12), uma jovem de 19 anos agrediu um médico que intubava uma paciente com síndrome respiratória, caso suspeito de Covid-19 no Centro de Atendimento e Inclusão Social (Cais) do Bairro Goiá. Ela não queria aguardar atendimento e, como o caso não foi considerado urgente, entrou para a sala vermelha e desferiu tapas e socos no profissional de saúde. Depois disso, saiu da unidade de saúde e retornou com um homem que também agrediu o médico. O casal deixou a unidade antes da chegada da polícia.“Ontem (domingo) foi só mais um. Não temos guardas municipais 24 horas nas unidades de Saúde. E temos pacientes peregrinando por unidades para conseguir atendimento. Não estamos preparados para reabrir. Alguém vai ter de se responsabilizar pelas vidas ceifadas. Com certeza estamos falando de ceder à pressão. Mas aí, deveria ser pressão pela vida porque a economia se recupera, as vidas não. Não sou contra a abertura do comércio. Sou contra dizer que temos estrutura para isso, o que não é verdade”, afirma a presidente do Conselho Municipal de Saúde.Oferta insuficienteNo último dia 7 de julho, O POPULAR mostrou que a quantidade de leitos de UTI exclusivos para casos suspeitos e confirmados de Covid-19 é maior que o que havia sido prometido no início da pandemia. Há três meses a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da capital previa 102 leitos exclusivos de pacientes com o vírus, hoje são 156.Epidemiologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), Erika Silveira diz, entretanto, que a quantidade não é suficiente para atender a demanda. Ela pontua ainda que, em determinado momento, a expansão chega ao limite levando em consideração não apenas infraestrutura, mas também equipamentos e profissionais.“Uma série de variáveis precisa ser levada em consideração para retorno de atividades. Os principais são: vagas na rede de saúde e casos mostrando tendência de queda. Pelos últimos boletins, só estamos crescendo. Essa ansiedade tem fatores econômicos e políticos, até porque é ano eleitoral. Se abrirmos tudo no momento errado, vamos manter a curva lá em cima, com muitos casos e muitos óbitos”, pontua Erika.A professora afirma que este é o pior momento do Estado e que, portanto, não permite a reabertura. Ela recorda que elogiou o trabalho realizado pelo governador Ronaldo Caiado (DEM) logo no início da pandemia declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de fechar atividades não essenciais. Para Erika Silveira, esta foi uma medida importante, que fez com que o número de cem óbitos, por exemplo, demorasse a ocorrer em Goiás. “Em meados de maio atingimos cem casos e isso coincidiu com a queda do isolamento”. Conselho fala em incoerênciaO decreto municipal publicado nesta segunda-feira (13) continua proibindo o uso de espaços comuns em condomínios, espaços infantis, bem como clubes, boates, cinemas, teatros e casas de espetáculo. Celidalva Sousa Bittencourt, presidente do Conselho Municipal de Saúde ironizou a decisão chamado o novo coronavírus (Sars-CoV-2) de “vírus seletivo”. Isso porque bares, restaurantes e igrejas, por exemplo, poderão voltar a reabrir.“Eu queria saber que vírus seletivo é este que a Prefeitura acredita. Pode abrir academia na rua, mas não pode reabrir a do prédio? Área de lazer não pode, mas restaurantes podem? O vírus vai ao condomínio, mas não vai ao bar? E tem mais. A lotação do transporte público não foi solucionada”, critica.A secretária de Saúde municipal, Fátima Mrue, não se opôs às decisões do decreto e diz ainda que a intenção da Prefeitura é dar todo o atendimento para que os empresários sigam os protocolos. Mrué afirmou que, em 14 dias, se não houver piora dos números, o comércio deve se manter aberto. “Na curva crescente não é recomendada a reabertura de teatros, cinemas. Quando a epidemia estiver mais controlada, com número de mortos caindo, neste momento começa a liberação, mas com muitos critérios também”, afirma.“Estudo tem seu valor, mas não é verdade universal”, diz secretário estadualNa última semana, o secretário de Estado de Saúde de Goiás, Ismael Alexandrino, disse que a partir de 20%, 25% de contágio da população, caem os níveis de contágio, de internação e de óbitos. Ele afirmou que “o caminho agora, tendo em vista que expandimos o que precisávamos de estrutura de saúde, é darmos as mãos para enfrentarmos, até para que a curva se cumpra”. A afirmação poderia confirmar o estudo da Universidade Federal de Goiás (UFG), que estima um cenário de 7 mil mortos no Estado caso isso aconteça. Isso porque a letalidade está em torno de 0,5% em Goiás que tem mais de 7 milhões de habitantes.Nesta segunda-feira, Ismael voltou a fazer a ponderação e disse que a opinião não significa desrespeito à UFG nem aos pesquisadores. O secretário afirmou que, no início da pandemia, acreditava-se que somente com 80% da população contaminada as taxas cairiam. Porém, outros Estados e países diminuíram os números antes que 25% da população fosse contaminada. “Não é uma crítica ou demérito à UFG. O estudo tem seu valor para a comunidade científica, mas não encerra a verdade universal do ponto de vista de orientar a gestão.”Alexandrino afirmou, em entrevista coletiva, que todas as medidas possíveis de ampliação foram feitas e que o novo decreto estadual é muito “cauteloso em relação à forma de agir”. “É melhor que tenhamos atividades que estejam funcionando, mas respeitando as regras, do que atividades que estejam funcionando na clandestinidade e sem nenhuma medida de proteção atenuante. Expandimos as estruturas para que houvesse agora esta possibilidade de abertura agora, seguindo os protocolos. Goiás é um dos Estados com menor taxa de letalidade. Todo trabalho feito até o momento, seria repetido”, afirmou.DecretoO último decreto estadual publicado em 29 de junho determinou a suspensão de cirurgias eletivas durante o período de revezamento das atividades econômicas, que durou 14 dias. Além disso, restringiu as consultas ambulatoriais em 50%. Presidente do Conselho Municipal de Saúde e membro do Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública (COE), Celidalva Sousa Bittencourt diz que a medida também afetou pacientes “recuperados” de Covid-19.“Tivemos muitos pacientes com sequelas no pulmão que estão sem atendimento porque consultas e exames eletivos estão suspensos. Além disso, Goiânia não tem pneumologistas suficientes para todos estes atendimentos. Estou dando um exemplo, mas há sequelas em outros órgãos que precisam ser acompanhadas. As pessoas estão em desespero e se eu puder dar um conselho é fiquem em casa e se forem sair, usem máscara, usem álcool em gel e mantenham distanciamento”-Imagem (1.2084850)