-Imagem (1.2521458)A estudante do curso de Refrigeração e Climatização do Instituto Federal de Goiás (IFG) do campus de Senador Canedo, Sandra Lima do Nascimento, de 48 anos, emocionou a professora e os colegas de classe pela sua reação ao ver uma formiga através do microscópio pela primeira vez. O registro foi feito na última segunda-feira (29). Aluna pela modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), Sandra concluiu o ensino fundamental no primeiro semestre deste ano e planeja alcançar grandes voos daqui para frente. Ela conta que a última vez em que esteve em uma escola foi em 1993. Na época, ela morava na cidade de Caxias, no Maranhão. Mãe solo de três filhos, Sandra diz que não teve muitas oportunidades em sua juventude. “Eu tive muitas decepções na minha vida e não conseguir concluir meus estudos. Quando vi que meus filhos já estavam adultos, decidi que eu queria voltar para a sala de aula, então, me matriculei na Escola Municipal Maria Faleiro De Araújo, em Senador Canedo e consegui me formar no 9º ano do Ensino Fundamental”. A formatura aconteceu no primeiro semestre deste ano. Com o apoio da professora de português, Sandra conheceu um pouco mais sobre o IFG, pois além de concluir o Ensino Médio, com a modalidade EJA integrada a algum curso técnico, ela poderia ter uma formação profissional. “Pela lógica, era para eu ir para uma escola estadual, mas agora eu já estou dentro de uma faculdade. Temos laboratórios de ciências e eu nem sei mexer no computador, mas estou aprendendo muita coisa. É tudo maravilhoso para mim, eu nunca vi tanta coisa linda”, diz encantada. Sobre a experiência em usar o microscópio pela primeira vez, ela diz que ficou muito feliz em ver “uma formiguinha do meu tamanho”. “Passou um filme na minha cabeça, porque quando a gente passa por muitos momentos difíceis na vida, a gente pensa que tudo acabou. Mas quando você se vê dentro de uma escola aprendendo, você se sente novamente uma adolescente. Tem sede de conhecimento. Eu trabalho como doméstica e chego em casa já no final do dia. Dependo de ônibus para me locomover e poderia muito bem me acomodar em não estudar. Mas eu sacudi a poeira”, diz a estudante que já traçou planos para o futuro pós conclusão do Ensino Médio. Sandra conta que vai terminar os estudos no IFG e quer entrar em uma faculdade para cursar Enfermagem ou Direito. Leia também:- Creches recebem apresentações gratuitas de música clássica em Goiânia- Secretaria apura como projeto com crianças marchando com réplicas de fuzis foi parar em escola- Compra de uniformes escolares tem aditivo de R$ 2,8 milhões em GoiâniaO vídeo foi gravado pela professora de Biologia, Rúbia Cristina, que é docente há mais de 20 anos. Com ampla experiência para a educação de jovens e adultos – ela está no IFG há oito anos, desde quando surgiu a modalidade de ensino na unidade, Rúbia diz que sempre tenta levar aulas práticas para os estudantes. “No primeiro período do curso de Refrigeração e Climatização, é ofertado a disciplina de Biologia aos alunos e eu sempre tento fazer com que eles se envolvam mais nas atividades práticas, principalmente neste contexto de pós-pandemia com o retorno presencial das aulas. Na EJA temos muitas pessoas que estão afastadas da escola há muito tempo, então neste momento em que estão retornando a uma sala de aula, que estão assustados, temerosos com as tecnologias e um pouco fora do ritmo, eu gosto de levar esse estimulo da prática”, relata. A professora conta que no dia em que o vídeo foi gravado, ela resolveu registrar a reação da estudante pois se emocionou. “Mesmo depois de 20 anos em sala de aula, a gente se emociona com esse tipo de coisa. Depois da aula, a Sandra me abraçou e me agradeceu. A gente quer que mais pessoas tenham acesso ao conhecimento, mesmo aqueles que estão fora da idade escolar. Queremos que essas pessoas façam esse resgate e se reencantem com os diferentes aprendizados. É por momentos assim que a gente tem certeza que está no lugar certo”, fala. O professor de Biologia e doutor em Educação Científica, Antônio Araújo, também do IFG, que foi quem divulgou o vídeo, pesquisa sobre a educação popular e luta pela democratização das ciências. Segundo ele, o vídeo é um retrato da desigualdade e mostra que o deslumbramento com o conhecimento é um reflexo de uma educação pública que não é priorizada, pois muitas pessoas tem esse contato com essa iniciação científica ainda no Ensino Fundamental. O professor critica o fato da EJA ser uma área de ensino que muitas vezes sofre preconceito e que é deixada de lado por políticas de incentivo a educação. “Muitos têm a visão de que não é preciso investir na educação de adultos e isso não faz sentido nenhum, não é ético e nem estratégico. Não é ético porque quando as pessoas tem os direitos cerceados, elas se organizam e lutam por aquilo que acreditam, mas isso não existe com os adultos que não puderam estudar, porque é a educação que permite que eles entendam que o ensino é um direito. E não é estratégico pois vemos através de pesquisas que os adultos escolarizados permitem uma melhor escolarização de seus filhos. Impedir que adultos estudem perpetua a engrenagem de desescolarização e vulnerabilidade. Porque esse adulto desescolarizado tem mais dificuldade de manter seus filhos na escola e estes acabam por ter mais chances de também serem adultos desescolarizados no futuro”, explica. Araújo chama a atenção para que seja percebido que os cursos na modalidade EJA não precisam ser, necessariamente, voltados somente com o conhecimento para o mundo do trabalho. “O curso da Sandra é Climatização e Refrigeração e, a princípio, ela não precisaria ver um inseto em um microscópio, mas é justamente a ideia de que a ciência é um bem cultural e que merece ser compartilhado que possibilita colocar as pessoas em contato com o que a humanidade produziu de belo e bonito. A ciência não deve ser ensinada só quando precisa resolver os problemas do cotidiano, mas deve ser ensinada a todos porque as pessoas tem o direito de se encantar e se maravilhar. Essa é a ideia de educação popular e nós lutamos para que todas as escolas tenham a condição de produzir esse efeito”, diz. O IFG é uma educação superior, básica e profissional, pluricurricular, presente em várias cidades de Goiás e especializada na oferta de educação profissional, tecnológica e gratuita em diferentes modalidades de ensino. -Imagem (1.2521456)