Em live para O POPULAR, Cristiana Toscano, pesquisadora da Universidade Federal de Goiás (UFG), membro do Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização (SAGE) da Organização Mundial da Saúde (OMS) e representante da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) em Goiás falou sobre o andamento da vacinação no país e comentou os erros cometidos pelo governo federal, principalmente na ausência de compra de vacinas de forma antecipada. Ela afirma que sozinhos, os Estados não devem conseguir avançar em negociações de compra de imunizantes e defende cuidados redobrados neste momento em que o país enfrenta colapso do sistema de saúde em diversos municípios. Leia os principais trechos: Quais foram os principais erros que fizeram com que chegássemos a 2021 em um cenário pior que em 2020? O principal erro foi a falta de liderança, de coordenação em nível federal. Isso já é muito claro desde o começo do ano passado, mas agora se torna algo muito patente. A gente entra em 2021 sendo o maior país em número de mortes do mundo, representando 10% da totalidade de mortes do mundo inteiro e tendendo à piora enquanto os outros países estão no caminho contrário. Estão conseguindo, através do que a gente já sabia que seria a única arma e estratégia para superar a pandemia, que é a vacinação, conseguindo implementar rapidamente a vacinação, atingindo rapidamente um número de pessoas e já mostrando impacto importante na redução de óbitos e hospitalizações. A gente segue num caminho contrário. Um ano depois da pandemia, não só gestores do governo federal, como sociedades médicas, instituições, população e inclusive médicos preconizando tratamento precoce que não funciona. Já está comprovado. Isso é um pouco triste porque parece que a gente quer acreditar em uma solução fácil para um problema difícil e isso não existe. Existem soluções, a gente sabe quais são, mas se atrasou muito nesta questão em de fato se pautar pela ciência. E a ciência diz desde o começo medidas que precisam ser tomadas: vacinação, tão logo estivesse pronta. Desde maio do ano passado, falávamos que seria o primeiro trimestre de 2021. A ciência fez sua parte, existem várias vacinas. Desde setembro do ano passado, a gente falava que precisava começar a planejar e operacionalizar o começo da vacinação. E as poucas vacinas que temos agora, são iniciativas institucionais, não são do governo federal. São iniciativas que a Fiocruz e o Instituto Butantã tiveram. E que ótimo que tiveram senão nem estas teríamos. Brasil com o dinheiro que tem já alocado pelo Congresso para compra de vacinas poderia facilmente, se tivesse de fato interesse, vontade política e vontade técnica, ido atrás de mais vacinas. É muito claro, o maior erro de fato, continua sendo não se embasar na ciência, não ir atrás de mais vacinas e uma falta absoluta de liderança. Teremos vacinas disponíveis para compra nos próximos meses? A produção global e mundial está aumentando, mas é limitada. A gente sabia desde o ano passado que infelizmente é o esperado porque existe uma limitação da ampliação da cadeia produtiva de vacinas. Por isso, todo o trabalho em relação à priorização, quais grupos precisam ser vacinados primeiro. É muito difícil uma compra em pequena escala. Então, quando foi definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que as compras poderiam ser feitas de formas descentralizadas, por Estados e prefeituras, a gente já sabia que individualmente um Estado ou município tem pouquíssimas chances de conseguir, de maneira competitiva, ter acesso às vacinas. É uma questão econômica. Quanto da população precisamos vacinar para colher os frutos? A vacinação não é imediata, mas para a Covid-19 ela teve um efeito muito rápido, inclusive maior do que a gente imaginava. Além de Israel, que é um país pequeno e conseguiu desde o início ter acesso às vacinas para toda a população, a gente tem exemplos do Reino Unido e dos Estados Unidos, que é maior que o Brasil, que teve dificuldade e que possui Estados com autonomia para todas as medidas em relação à pandemia. Os EUA até recentemente lideravam mortes por Covid. O que vimos foi que, com o início da vacinação no começo do ano, já há tendência de óbitos e hospitalização marcante no país todo. A vacina tem demonstrado que o impacto já ocorre um mês depois da primeira dose administrada em um número grande de pessoas, porque as que estão recebendo são as que têm maior risco de hospitalização e morte. É difícil dizer quantas pessoas, mas o maior número possível, rapidamente, seguindo as regras de priorização. Nova cepa. Antes era uma questão de talvez, hoje uma certeza. Como essa mutação pode alterar os efeitos da vacinação? Sabemos se as vacinas atuais são eficazes contra esse novo tipo? O que é perigoso é não vacinar, é permitir que o vírus e as variantes continuem a replicação. As variantes eram esperadas. Existem milhares de linhagens já mapeadas desde o começo da pandemia. Em geral estas variantes são mutações aleatórias que não mudam o comportamento do vírus. Quando ocorre mudança no comportamento, são como as que estamos observando agora. Temos a inglesa, que apareceu em agosto, setembro e hoje está disseminada no mundo inteiro. Depois, a da África do Sul, com mais vantagens, mais transmissível e com algumas evidências de que poderia ter uma menor resposta das vacinas, mas depois foi confirmado que não para casos graves. Temos a P1, que apareceu em dezembro em Manaus e que foi identificada primeiramente no Japão, com viajantes que saíram de Manaus, entraram no país e lá foram sequenciados. Hoje os brasileiros são os que têm mais restrições para viagens internacionais. Outros países têm cuidado em não espalhar e nós fizemos o contrário. Permitimos que transmitisse rapidamente para todos os Estados. Não houve nenhuma medida específica em Manaus e hoje estamos vivendo os reflexos. São mais transmissíveis e podem causar reinfecção. Pelo menos 10% podem se reinfectar. Mas, para acalanto, os estudos sugerem que as vacinas que temos hoje indicam que proteção para óbitos e casos graves está mantida. No início da pandemia havia um medo de que as crianças fossem assintomáticas e que pudessem transmitir o vírus em potencial aos mais velhos, principalmente avós. Agora, a visão é outra e já começaram os estudos de vacinas para crianças e também para gestantes. O que sabemos sobre esse público? No começo a gente não tinha ainda respostas para algumas perguntas. Hoje sabemos que quanto menor a idade das crianças, a tendência é transmitir menos, apresentar menor infecção e principalmente menor taxa de complicação e gravidade. Podem se infectar e evoluir para casos graves, mas em uma proporção muito menor que dos adultos. Importante lembrar que os adolescentes se comportam praticamente como os adultos. Hoje em dias temos um pouco esta tranquilidade. Aproximadamente 25% da população global são de crianças, então, em algum momento vamos ter que vacinar as crianças, não só para protegê-las individualmente mas para de fato conseguir coibir a transmissão e atingir a imunidade de rebanho. Orientação por enquanto para crianças que estão na escola com medidas adequadamente implementadas, temos a tranquilidade e dados mostram que não está ocorrendo aumento de casos ou transmissão nas escolas. Mas é muito importante que estas crianças não estejam em contato com grupos de risco. Agora começaram os ensaios clínicos para avaliar a eficácia e a segurança destas vacinas nas crianças. Começamos ensaios com gestantes, lactantes e adolescentes também. A expectativa é de que em três meses tenhamos evidências definitivas nestes grupos e aí a expansão da vacinação. Em gestantes, alguns países, como Israel, já estão aplicando a vacina. Uma série de outros estudos sugere que não há transmissão durante a gestação do vírus vacinal e não ocorreria nenhum risco para o recém-nascido. Mas, enquanto não se tem estudos, a gente não vai ter a segurança de recomendar nenhuma vacina.