As constantes falhas no sistema do Ministério da Saúde (MS) que recebe os dados de casos e óbitos da Covid-19 e ainda a demora de municípios em atualizar a plataforma têm deixado os técnicos que analisam a pandemia em Goiás sem a certeza da situação atual. Atualmente, não é possível saber se o Estado já passou ou ainda vai passar pelo pico de casos da doença. Ao mesmo tempo, há uma expectativa da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) sobre a atualização dos dados até a próxima sexta-feira (7) para confirmar se o pior já passou. Isso porque, até então, temos que a semana epidemiológica 27 (entre 28 de junho e 4 de julho) é a que registrou o maior número de casos.A SES-GO contabiliza esse número a partir do surgimento dos sintomas dos pacientes e, na referida semana, foram contaminados 10.846 pacientes, o maior volume até então para um período de sete dias. Esse número é diferente dos dados apresentados nos boletins epidemiológicos divulgados diariamente pela secretaria, pois neles constam os dados de registros dos casos positivos, ou seja, vale a data do recebimento do exame confirmando a doença.Sobre essa confirmação, há a indagação ao paciente em relação a quando foram sentidos os sintomas, o que dá uma ideia do período em que houve a contaminação, um dado mais importante para a analise epidemiológica, ao traçar as políticas públicas de controle da pandemia no Estado. A superintendente de Vigilância em Saúde da SES-GO, Flúvia Amorim, conta que tem feito uma força-tarefa junto aos municípios para que os dados dessas últimas semanas sejam colocados no sistema para serem analisados. Desde junho, o POPULAR já contabilizou pelo menos quatro períodos em que o sistema ficou instável, impossibilitando o acesso dos municípios que, assim, acumulavam dados sem computá-los nos registros oficiais.A intenção das SES-GO é saber se esses dados já foram registrados e se a situação visualizada agora é a real. O que impede é justamente a instabilidade desse sistema, já que na segunda-feira (3) houve novo problema e poucos casos foram registrados. Para se ter uma ideia, na segunda-feira foram registrados 105 casos, já nesta terça-feira (4), com o sistema normalizado, foram 3.197 novos registros.Também já foi verificada situações semelhantes nos dias 19 de junho e 15, 18 e 19 de julho. Flúvia explica que se todos os dados estiverem atualizados e se for mantida a estabilização de novos casos que se verifica atualmente por quatro semanas, isso vai indicar que Goiás chegou ao platô da curva epidemiológica e que o pico se deu na semana 27. Essas quatro semanas seriam até o último sábado (1/8) e, a partir de então, a expectativa é que se tivesse uma redução de novos casos diários, com relação à data de sintomas. Registros em atraso podem indicar pico para este mêsAté a tarde desta terça-feira (4), os registros confirmados para a semana epidemiológica 28 (entre 5 e 11 de julho) contabilizaram 10.249 casos e a 29 (entre 12 e 18 de julho) somou mais 8.322, segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO). “Se a situação que está agora for a realidade, ou seja, se todos os casos dos municípios já estiverem no sistema, o pico já passou e foi no fim de junho e começo de julho e agora estamos em um platô, com previsão de queda.Por isso estamos conversando com os municípios para saber se ainda há casos retidos”, conta Flúvia Amorim, superintendente de Vigilância em Saúde da SES-GO. Ela explica que o sistema ficou muito instável nos últimos dias e no começo desta semana houve novo problema e, por isso, há o receio de que ainda se tenha casos não contabilizados pelos municípios. O entendimento é que a semana 28 está praticamente na mesma que a 27 (10.846 casos), mas a expectativa é que, se houver mais casos a serem computados, seriam poucos. “Se passar em número, o pico passa a ser a semana 28 e aí teremos que esperar os dados da outra semana para ver se teve a estabilização”, diz a superintendente. Pela experiência que já se adquiriu, Flúvia afirma que a quantidade de casos a ser acrescida seria grande, o que aumenta a expectativa para saber se o pico já ocorreu. Por exemplo, teriam de estar retidos cerca de 3 mil casos com sintomas na semana 29, a segunda do mês de julho, o que a superintendente acha improvável. No entanto, até então, o Estado, baseado ainda na primeira nota técnica feita pelo grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), acreditava que o pico de casos se daria entre os dias 21 e 27 de julho, ou seja, entre as semanas epidemiológicas 30 e 31. Na época, o secretário da SES-GO, Ismael Alexandrino e o governador Ronaldo Caiado (DEM) afirmaram em entrevistas que o Estado estava no pico da doença.No entanto, na semana epidemiológica 30 (19 a 25 de julho), a SES-GO computou 5.680 registros de pessoas infectadas. Válido ressaltar que estes números se referem ao período de primeiros sintomas e não o registro dos casos. Se basearmos na data de registro, de fato, estes foram os dias com mais casos até então, tanto que a média móvel - que leva em conta a média dos últimos 7 dias, chegou a 2.514 casos no dia 28 de julho. A média de registros de casos pelos boletins da SES-GO aparece em patamares menores desde então e em queda desde o dia 1º deste mês. Biólogo e pesquisador da UFG, Thiago Rangel explica que a Organização Mundial da Saúde (OMS) entende que é necessária uma continuidade de pelo menos 14 dias seguidos para saber o patamar da curva de contágio. Até por isso, ele afirma que não é possível saber se Goiás já passou pelo pico de casos e nem mesmo se isso ocorrerá em meados deste mês, conforme ele mesmo estimava em julho. “Até o momento, o que temos visto é que os números de casos e óbitos têm crescido e rápido e cada vez mais temos subnotificação, além da demora natural. A soma dos óbitos nos municípios e os registrados nos cartórios são maiores que os boletins do Estado. Provavelmente hoje já passamos dos 2 mil mortos”, diz, ao verificar que havia 1.791 óbitos no site da SES na tarde desta terça-feira (4). Além disso, Rangel afirma que seria fundamental garantir que o número de testes tenha ao menos se mantido para analisar a proporção de casos positivos. Professor do Instituto de Estudos Sócio-Ambientais (Iesa) da UFG e que atua na plataforma Covid Goiás, da universidade, Rherison Almeida concorda que não é possível estabelecer se o pico da doença ocorreu ou não. “Precisamos obter informações pelo menos até o fim da semana. A flexibilização quase geral alterou drasticamente a média móvel dos casos. Nos dias anteriores a 27 de julho tiveram muitos problemas no sistema. Eu aguardaria mais para saber”, diz. Ele lembra que Goiânia vai iniciar a testagem em massa via antígeno nesta semana e, com isso, haverá aumento no número de casos, o que muda o aspecto da curva de contágio.Diagnóstico da curva interfere nas estratégiasA superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO), Flúvia Amorim, explica que é importante saber se o contágio da Covid-19 já chegou ao pico em número de casos ou se isso ainda vai ocorrer. Isso porque esta questão interfere na tomada de decisões das estratégias para conter a pandemia, mesmo que não signifique que tudo voltou ao normal e as pessoas possam retornar a viver como antes. A definição do pico altera, prioritariamente, a formalização de novos leitos hospitalares exclusivos para Covid-19.Se até chegar ao pico o principal ativo no combate da doença era justamente ganhar tempo para a estrutura do atendimento aos pacientes mais graves, a partir de então a ideia passaria a ser de controlar a doença, especialmente encontrar os principais focos. Ou seja, não será mais necessário que o Estado atue para criar novos hospitais de campanha ou mesmo novos leitos. Flúvia afirma que se confirmar o pico da curva de contágio como sendo no fim de junho é uma questão mais de alívio para as autoridades de saúde, de que o sistema não entrou em colapso.“Nós conseguimos manter a taxa de ocupação dos leitos entre 80% e 85% e ela continua assim. Se de fato o pico já tiver passado seria um alívio neste sentido, mas a população deve continuar usando máscara e fazendo o isolamento social, até para evitar uma segunda onda de contaminação, explica a superintendente. Neste sentido, a política de saúde pública passaria a dar mais valor no rastreamento dos casos e na testagem das pessoas, justamente para encontrar focos de contágio. “Em Portugal teve esta segunda onda, mas eles conseguiram encontrar e isolar, o que evitou um alto número de casos. É o que devemos fazer aqui também.”Flúvia afirma que, apesar da instabilidade no sistema e do atraso natural da atualização dos casos, a SES-GO trabalha com duas possibilidades: ou o Estado passa por um platô normal após o pico de casos ou já está na queda. Ela lembra, por outro lado, que o pico de casos não corresponde ao pico de óbitos, que normalmente ocorre entre uma e duas semanas depois. A SES-GO deve alterar o modo de mostrar os dados de óbitos no boletim on-line. Atualmente, a curva de óbitos se dá com a data do primeiro sintoma do paciente, como ocorre com os casos. “Vamos alterar isso ainda esta semana. No caso dos óbitos vamos divulgar com a data de registro da morte, que é melhor.”