Quem precisa fazer vistoria veicular em Goiás segue enfrentando problemas. As questões passam pelo agendamento e continuam até a emissão de laudos. As reclamações começaram há 20 dias, desde que houve a transição entre o monopólio do serviço para a entrada de empresas concorrentes. De acordo com o Sindicato dos Despachantes Autônomos e Similares de Goiás (Sindego), 23 mil vistorias estavam represadas nesta quinta-feira (24).Conforme vem mostrando o POPULAR, os problemas ocorrem desde que o Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO), acatando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2020, começou o credenciamento de novas empresas de vistoria veicular.Desde 2015 até fevereiro deste ano, apenas a empresa Sanperes realizava o serviço, mas o monopólio foi considerado inconstitucional. Com a transição, no entanto, as novas empresas não estão conseguindo atender à demanda, segundo os próprios usuários.O presidente do Sindego, Divino Apolo, afirma que a situação não apresentou melhoras nos últimos dias. “Muita gente procurando e não consegue. A nossa estimativa é de que sejam de 20 a 23 mil vistorias aguardando para serem realizadas. Caso todos os problemas sejam resolvidos, é trabalho para pelo menos dez dias”, diz o representante, que no cálculo desconsidera os futuros pedidos.O Detran reconhece o período de instabilidade, mas não diz quantas seriam as vistorias atrasadas e a justificativa dos problemas. Como reação compensatória aos usuários, o órgão prorrogou o prazo para que as transferências de veículos possam ser feitas sem a incidência da multa. Por um período de transição, que não é citado, os proprietários terão o prazo para transferência ampliado de 30 para 90 dias.O comerciante de veículos Pablo Costa é um dos que enfrentam dificuldades para realizar transferências. Pablo diz que antes conseguia marcar a vistoria logo após o pagamento do boleto. “Ainda não sabemos quais empresas estão fazendo a vistoria e ao tentar marcar como normalmente fazíamos nos deparamos com site fora do ar”, relata Costa, que acrescenta: “Esperava uma mudança que facilitasse a vida do consumidor e não que desse mais trabalho”.PrejuízosO POPULAR mostrou no começo da semana que a avaliação de representantes de revendedores de carros é de que as dificuldades acarretam em prejuízos financeiros. “É um grande prejuízo. Se não resolverem e liberarem o serviço, o serviço de compra e venda vai parar. Centenas de empresas prestam este serviço e não estão tendo condição de trabalhar”, diz o diretor executivo do Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos Automotores de Goiás (Sincodive), Lincon Vargas.O também comerciante de veículos Raimundo Wlysses Coelho de Souza passou dois dias para fazer a vistoria de um veículo. “Fui em um ponto novo, que abriu agora. Cheguei às 9 horas da manhã e fiquei até as 19 horas. Saí de lá sem concluírem a vistoria. Voltei no outro dia e fiquei até o meio-dia e, novamente, fui embora sem que fizessem o serviço.”Ele levou o serviço para ser realizado por um despachante. “Eu sempre faço isso, mas não estou conseguindo e pedi ajuda a um despachante. Espero que ele consiga.”Em orientação, o Detran pede que os usuários iniciem o agendamento pelo site do órgão na aba “Veículos”, clicando na opção Agendamento de Vistoria. Com isso, o interessado poderá informar seu município e ver a lista de empresas disponíveis na região. “Desta forma, poderá optar por outra caso a primeira opção não tenha data disponível”, informa. Há expectativa de que novas empresas se credenciem.HistóricoO problema com vistorias veiculares em Goiás não é novidade. Desde quando eram realizados pelo próprio Detran, o procedimento enfrentava reclamações de demora. Por conta da sobrecarga, o órgão decidiu terceirizar os processos. Em 2013, quando buscava delegar trabalhos para empresas privadas, os motoristas enfrentaram mais de seis meses de lentidão.Após a terceirização, as vistorias foram alvo de diversos processos de investigação ao longo dos anos. Nos últimos tempos, a principal contestação se dava sobre o monopólio do serviço.MP pede mudanças em sistemaEm meio à transição do modelo de vistorias veiculares pela qual passa o Departamento Estadual de Trânsito de Goiás (Detran-GO), o Ministério Público de Goiás (MPGO) encaminhou recomendação pedindo a suspensão do sistema de armazenamento de dados mantido pelo órgão. A promotora de Justiça Leila Maria de Oliveira diz que o programa utilizado foi proibido nacionalmente, sendo o uso, segundo Leila, oneroso e desnecessário para o Detran.A recomendação da promotora, que pede cumprimento imediato, é sobre as chamadas Unidades de Gestão Central (UGCs). As UGCs servem para intermediar os dados das vistorias entre as empresas terceirizadas e o Detran. O sistema está abolido pela Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) desde 2014.Desde a suspensão nacional, a antiga empresa que detinha o monopólio das vistorias dos veículos de Goiás mantinha um sistema próprio de armazenagem. Com a perspectiva da entrada de novas empresas para realização de vistorias, o Detran publicou, no ano passado, uma portaria retomando o uso de UGCs, já que as novas empresas não contam com recurso de armazenagem de informações.A promotora Leila diz que além da ilegalidade em não seguir a norma federal, o uso de UGCs é oneroso. Na análise da promotora, o próprio Detran precisa ter um programa de armazenagem. “Por que ter um intermediário para guardar esses dados? A própria empresa pode passar os dados para o Detran. Qual o motivo de ter um terceiro nessa história? É um gasto injustificado. O dinheiro que vai se pagar é inútil, jogado fora”, aponta a promotora Leila, que analisa: “O Detran tem milhões. Se não tem sistema, faça um”.SuspensãoConforme a recomendação, o Detran deverá suspender imediatamente o compartilhamento com essas UGCs do login e senha de entrada para o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).A explicação da promotora é que não existe amparo legal para a utilização da modalidade de credenciamento na contratação das UGCs, e também devido ao fato de que o uso conjunto dos dados, como está sendo feito, contraria portarias de 2014 e 2016 do Senatran, órgão máximo executivo do Sistema Nacional de Trânsito (SNT). O entendimento do MPGO é que o compartilhamento de senhas representa ainda risco ao sistema, diante da possibilidade de acesso a informações do Senatran.DetranO Detran confirma, em nota, que o sistema operacional é administrado pelas UGCs e pela Gerência de Tecnologia da Informação do órgão. “Quanto à operacionalização das vistorias, o Detran vem oferecendo suporte para que as empresas credenciadas de vistoria consigam fazer a interface de seus sistemas com o da autarquia”, diz, em nota.Sobre a recomendação do MP, o Detran afirma que o setor jurídico irá analisar a recomendação sobre os serviços de vistoria veicular do órgão e “apresentar posteriormente o parecer”.