O destino do aterro sanitário municipal de Goiânia depende de dez perguntas elaboradas pelo desembargador Maurício Porfírio Rosa, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). Ele analisa um recurso da Prefeitura de Goiânia contra decisão da Justiça, temporariamente suspensa, que determinou o fechamento do local até que a situação do espaço fosse devidamente regularizada. O aterro não tem licenciamento ambiental desde 2011. Boa parte das respostas, entretanto, não consta no processo em análise pelo desembargador e, como ele já disse que a próxima etapa é sua decisão, essas informações que faltam não devem ser apresentadas pelas partes. As perguntas foram apresentadas durante uma inspeção judicial realizada pelo desembargador na manhã desta terça-feira (2) no aterro sanitário e constam em uma ata protocolada por ele no processo judicial em análise. Maurício decidiu pela inspeção após a polêmica causada pela visita que fez em 11 de agosto ao local com a presença do prefeito Sandro Mabel (UB), representantes da Prefeitura e vereadores. Na ocasião, a assessoria do prefeito destacou, em informe, elogios do desembargador à gestão municipal. O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) entrou com recurso contra a continuidade de Maurício no processo. O pedido está em análise. As duas primeiras perguntas se referem ao que a gestão municipal já cumpriu em relação ao termo de ajustamento de conduta (TAC) acordado entre a Prefeitura e o MP-GO em 2020 e revisto e aditivado em 2023 e 2024. Ao propor o recurso sob análise de Maurício, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) informou que, no entendimento da atual administração, “eventuais questões afetas ao cumprimento das obrigações impostas no TAC” devem ser discutidas em outra ação, proposta pelo MP-GO em 2015 e que se encontra em fase de execução. Pelo TAC, a Prefeitura faria uma série de melhorias estruturais, como um sistema de tratamento de chorume e outro para os gases.Em vez de abordar o TAC, a Prefeitura prefere citar que está avançando no cumprimento dos condicionantes exigidos para obter a licença ambiental pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Em um relatório protocolado junto com o recurso, afirma que já concluiu 10 das 60 exigências e outras 28 estão em andamento. Tanto a Semad como o MP-GO cobram da gestão municipal que entre com o pedido para obter a licença, mas a Prefeitura afirma que só fará isso quando concluir os 60 pontos, o que não tem previsão para acontecer. O suposto avanço nessas medidas é um dos argumentos do prefeito para evitar o fechamento.No visualAo comentar as perguntas, o desembargador citou que em cinco delas as respostas poderiam vir total ou parcialmente da constatação visual feita por ele. Maurício foi transportado em um micro-ônibus para três pontos indicados pela Prefeitura e saiu do veículo em apenas um, andando apenas alguns metros. As cinco questões citadas por ele são: quantas toneladas/dia são atualmente recebidas; se há controle de origem e destino dos resíduos; se existe estrutura suficiente para garantir a gestão adequada dos resíduos; se foram constatados impactos à saúde da população vizinha; se há áreas residenciais próximas em situação de risco de desmoronamento ou contaminação direta. Na ata sobre a vistoria, Maurício diz que “todas as perguntas” foram gradualmente respondidas pelas partes no decorrer de suas exposições. Ele abriu espaço para que apresentassem seus argumentos os representantes da Prefeitura, da Semad, do MP-GO e da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema) presentes na visita. A Abrema é a autora da ação que resultou na decisão pelo fechamento do aterro, suspensa atualmente pela presidência do TJ-GO. Muitas das falas dos participantes, entretanto, eram imprecisas e careciam de documentação e detalhamentos, como a máquina de R$ 10 milhões que Mabel disse estar comprando para tratar o chorume.Algumas informações foram alvo de discussões. Ao visitar o local onde é depositado o lixo coletado, Maurício comentou não ser grave a situação do cheiro, o que foi contestado pelos representantes da Abrema e da Semad, provocando queixas do prefeito. O cheiro foi um dos pontos que o desembargador disse poder constatar com a visita. De modo geral, não ficou claro quais os pontos que o magistrado pretendia checar presencialmente no aterro. Ao responder um questionamento da Abrema, ele disse apenas que era uma “inspeção visual”. “Vou fazer uma observação que a visualização permite. O que for técnico, não serei eu. A expertise que eu tenho é visual.”PreocupaçõesDurante a visita, o desembargador citou a preocupação com os gastos que a Prefeitura vai ter caso o aterro municipal seja fechado e o lixo produzido na capital tenha de ser levado para aterros particulares. Duas das 10 perguntas são sobre isso: qual o custo atual e quanto custaria para a prefeitura levar os resíduos para uma empresa privada. As respostas foram dadas pelo próprio magistrado, em conversa com jornalistas antes da inspeção, com ajuda do prefeito, que falou um valor que não consta no processo. “É uma diferença muito grande. Veja o cálculo disso e o que representa para o município”, comentou Maurício, após informar os valores. A única das dez perguntas que o desembargador comentou que a resposta estaria exclusivamente no processo se refere a quais alternativas de destinação final do lixo devidamente licenciadas estariam sendo consideradas ou contratadas. É mais uma pergunta relacionada aos custos que a Prefeitura teria caso o aterro fosse fechado por falta de licença ambiental. “Eu preciso ver a consequência da minha decisão. Não posso simplesmente determinar que o município pague isso (o alegado custo maior com a terceirização) se não tiver condição de pagar”, disse o magistrado, durante a vistoria, ao justificar a preocupação.As informações mais técnicas estão em dois relatórios com conclusões bem distintas, um feito em maio, pela Semad, e outro em junho pelo Instituto de Planejamento e Gestão de Cidades (IPGC), a pedido da prefeitura. O primeiro aponta “um conjunto de irregularidades ambientais, estruturais e operacionais que comprometem a legalidade e a segurança da operação do empreendimento”. O outro afirma que a continuidade da operação do aterro “é tecnicamente viável, desde que sejam realizadas as adequações necessárias identificadas durante a avaliação”. O relatório do IPGC, entretanto, não consta anexado nem no processo analisado por Maurício nem na ação principal que tramita na Justiça.Ao final da vistoria, Prefeitura e Semad correram para compartilhar informes sobre como teria sido a visita, dentro de seus respectivos pontos de vista. A primeira citou a preocupação do desembargador com aspectos ambientais e econômicos da decisão e que o prefeito detalhou todos os investimentos feitos em 2025. Já a secretaria afirma que a visita “mostrou que há aspectos ocultos embaixo e por dentro do lixão para os quais o município de Goiânia não tem respostas minimamente razoáveis”.Pedido atrasadoUma hora após o desembargador ter chegado ao aterro para a visita, na manhã de terça-feira (2), com a presença, entre outros, do prefeito e do procurador-geral do Município, Wandir Allan de Oliveira, a Prefeitura protocolou um recurso na Justiça pedindo que a inspeção fosse adiada para “uma data futura que conceda ao Município prazo razoável e suficiente para que possa se organizar adequadamente e efetivar sua participação plena” durante a visita. Na petição, é citado um documento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com sugestão de 60 dias de prazo para que a inspeção aconteça. O documento é assinado pelo procurador Allan Pimentel Vila Nova, que reclama do intervalo exíguo entre o momento da intimação judicial (26 de agosto) e a diligência (2 de setembro), ou seja, de três dias úteis. “O prazo mostrou-se manifestamente insuficiente para que o Município de Goiânia, enquanto ente público, pudesse se organizar internamente, mobilizar os técnicos e representantes legais necessários e se fazer presente na diligência. Destaca-se que a complexidade administrativa inerente a um órgão municipal exige um tempo considerável para o cumprimento de trâmites internos.” Durante a vistoria, não houve nenhuma reclamação pública a Maurício. Na petição, a Prefeitura também pediu, caso a inspeção já tivesse ocorrido, que fosse juntada a ata da inspeção, “descrevendo detalhadamente tudo o que foi observado durante a diligência, concedendo-se ao Município de Goiânia prazo para manifestação sobre seu conteúdo, de forma a garantir o direito ao contraditório e a ampla defesa”. Ao final da visita, o desembargador afirmou ao POPULAR que a inspeção seria a última etapa antes de dar sua decisão e que não haveria espaço para novas manifestações das partes.