As garrafas pet, sacolas plásticas ou mesmo um cotonete que são jogados pelas ruas de Goiânia têm grande potencial de ir parar no oceano Atlântico, de acordo com o Diagnóstico das Fontes de Escape de Resíduos Plásticos para o Oceano, realizado pela Blue Keepers, projeto da Plataforma de Ação pela Água e Oceano do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil. O documento aponta oito cidades brasileiras que estão distantes do litoral entre as principais que geram resíduos que escapam para os oceanos, sendo três no Centro-Oeste do País: Goiânia, Brasília (DF) e Campo Grande (MS).Além destas, os pesquisadores verificaram que os municípios de Manaus (AM), Teresina (PI), Belo Horizonte (MG), Contagem (MG) e Campinas (SP) são outros que, mesmo estando distante das praias, estão entre os principais por escape absoluto de plástico para os oceanos. Ao todo, o Brasil tem um estoque propenso a este caminho de 3,4 milhões de toneladas, e se calcula uma média de 16 quilogramas por pessoa por ano de resíduos plásticos propensos a serem levados até os oceanos, quando se soma o volume gerado pelas cidades próximas ao litoral, como São Paulo (SP) e Curitiba (PR), e as litorâneas (veja quadro).Professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP) e coordenador da Cátedra Unesco para Sustentabilidade do Oceano, Alexander Turra, que participou do relatório, explica que o método utilizado “nos fornece a dimensão comparativa (entre os municípios) do risco do lixo chegar no oceano”. “Não é uma quantidade de resíduo e sim um dado adimensional que elenca os municípios em função do risco dos resíduos chegarem no mar”, aponta. De modo que seria possível mensurar qual o volume de lixo goianiense não tem o tratamento correto e acaba sendo despejado no mar, mas não foi esse o objeto do diagnóstico realizado.Turra diz ainda que o caminho percorrido pelos resíduos plásticos da capital goiana até chegar ao oceano Atlântico é a partir do Rio da Prata. Isso ocorre porque todos os córregos e ribeirões de Goiânia tem como primeiro destino o Rio Meia Ponte. Ou seja, uma garrafa plástica jogada na Marginal Botafogo, se não for retirada, vai até o Meia Ponte e, sem qualquer limpeza ou tratamento, o resíduo é levado ao Rio Paranaíba, daí ao Rio Paraná e então ao Rio da Prata, que deságua no oceano Atlântico na divisa entre o Uruguai e a Argentina. Desta forma, o documento confirma que a limpeza dos oceanos depende também de cuidados a serem tomados em cidades do interior do País, mesmo distantes do litoral.Leia também:- Chuva revela uma Goiânia frágil e com problemas- Goiás tem 1,3 milhão de carros a mais do que motoristas- Favelas já ocupam mais de 496 hectares em Goiânia- Amma vai expandir ecofiltros em GoiâniaO diagnóstico afirma que “a probabilidade de mobilização e transporte do resíduo plástico para rios e oceano variou consideravelmente ao longo do território brasileiro”. Mas observou-se que “uma vez que o plástico tenha escapado para o ambiente e chegado a um rio, sua probabilidade de então fluir para o oceano é muito alta”. Os pesquisadores realizaram ainda um cálculo sobre a probabilidade de escape do resíduo por bacia hidrográfica do País, em que a Bacia do Rio da Prata é a que obteve o maior índice. O documento aponta que 67% dos resíduos plásticos propensos ao escape das coletas estão nas bacias com maior risco.Modelagem“Para apontar áreas com maior e menor risco de contribuírem para a geração de lixo no mar, foram calculados dois tipos de probabilidade, ponderando os parâmetros selecionados: mobilização primária, onde o resíduo é mobilizado e transportado para ambientes aquáticos, e mobilização secundária, associada ao transporte de resíduo para o oceano, via rios”, acrescenta o relatório. Os pesquisadores trataram, neste caso, da probabilidade do estoque plástico potencial propenso ao escape ser mobilizado e transportado para rios e oceano.Alexander Turra afirma ainda que a metodologia utilizada considera uma modelagem e não a coleta de resíduos. “Foi feita primeiramente a estimativa da quantidade de resíduo plástico gerada por município e, então, da potencial quantidade de resíduos plásticos que teriam propensão de escapar para o ambiente”, afirma, ao explicar que isso se refere à quantidade de plástico que não sofre destinação totalmente adequada. “Depois, foram consideradas variáveis ambientais e geográficas (pluviosidade, vento, declividade, características dos rios, localização de aglomerados subnormais etc.) para estimar o risco de chegada desse resíduo nos corpos hídricos e, então, no oceano.”Para Turra, estes municípios localizados longe da costa brasileira, como é o caso de Goiânia, e que apresentaram alto risco de mobilização e transporte de lixo plástico para o oceano “geralmente apresentam elevada quantidade de resíduo propenso ao escape para o ambiente e também considerável número de pessoas vivendo em aglomerados subnormais, entre outros aspectos, como uma elevada população”. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estes aglomerados subnormais são ocupações irregulares para fins de habitação em áreas urbanas “e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas com restrição à ocupação”.O pesquisador e professor da USP considera que as prefeituras em geral e sociedades civis destes municípios citados deveriam realizar ações que pudessem impedir o escape dos resíduos plásticos. Entre elas, Turra cita a promoção “da produção sustentável e o consumo consciente, prevenir a geração de resíduos, aumentar a reciclabilidade dos itens, aumentar a cobertura da coleta seletiva e também da coleta regular (inclusive nas proximidades de aglomerados subnormais) e destinar resíduos em aterros sanitários com cobertura dos resíduos, por exemplo”.Amma afirma que monitora todos os cursos d´água da capitalÓrgão responsável pela execução das políticas ambientais em Goiânia, a Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) informa que atua com políticas públicas para coleta de resíduos plásticos e outros a fim de evitar que estes materiais possam chegar aos cursos hídricos e monitora diversos pontos dos principais mananciais da cidade, como os rios Meia Ponte e João Leite, “com uso de metodologia já consagrada na literatura”. A agência completa ainda que “também atua em recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APP) degradadas ao longo dos mananciais que cruzam o município e de nascentes, em especial dentro de áreas verdes”. “Assim, se cria um cinturão verde para conservação dos mananciais com fluxo contínuo de água durante todo ano.”Segundo a agência, o aprimoramento da coleta de resíduos acontece, inclusive, com a construção de ecopontos, a instalação de ecofiltros em bocas de lobo, e, em pontos específicos, em parceria com a Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), é realizada a instalação de lixeiras no entorno de locais públicos, o que evita a deposição de resíduos não biodegradáveis no chão e vão parar em rios e lagos. “A Amma e Comurg adotaram parceria com a Organização das Cooperativas Brasileiras - Sistema OCB, para instalação de uma ecobarreira no Rio Meia Ponte, além de uma parceria com ambientalista no Córrego Macambira para a retirada de resíduos que são doados para cooperativas.” De acordo com a Comurg, durante todo ano é realizada a limpeza de todos os 85 cursos d’água que banham Goiânia, sendo 80 córregos, quatro ribeirões e o Rio Meia Ponte, mas não há um trabalho específico com os plásticos. “Eles não são coletados separadamente durante limpeza das margens e leitos dos cursos d’água. Portanto, não há levantamento de quantitativo. O material segue para disposição final no aterro sanitário”, informa, mas reforça que 15,68% dos resíduos domiciliares e públicos coletados por meio da coleta convencional e varrição correspondem a plásticos. Além disso, 13,20% dos materiais recicláveis coletados pela coleta seletiva são constituídos do material.O trabalho de conscientização social para a redução da quantidade de resíduos, segundo a Amma, é realizado com políticas ambientais e aplicação da Educação Ambiental, nos parques municipais, em projetos pela promoção da coleta seletiva, além de palestras e trilhas que percorrem as unidades de conservação. “Com a Oficina de Resíduos Sólidos, a equipe técnica da Amma incentiva os alunos visitantes das trilhas a visitar parques com luvas plásticas, sacola de lixo de 50 litros. Também realiza trabalho de gravimetria, ao fazer uma pequena separação dos materiais e abrir discussão sobre o que pode ser realizado para melhorar as ações de reciclagem como comportamento humano”.Risco real depende de sete fatoresO diagnóstico realizado pelo Blue Keepers, que é um projeto da Plataforma de Ação pela Água e Oceano do Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, responsável por apontar o risco dos resíduos plásticos das cidades brasileiras chegarem aos oceanos, identificou os principais pontos de escape, ou seja, onde o lixo deixa de ser coletado e ter o tratamento adequado, e ainda buscou indicar qual o risco disto ocorrer. Neste caso, foram elencados sete fatores que devem ser analisados para isso. Eles são a precipitação, o vento, a topografia, o uso e cobertura do solo, a hidrografia, as barragens e ainda a situação socioeconômica da população em assentamentos informais.Para tanto, a pesquisa relativiza que, “no caso dos indicadores ambientais, almejou-se dados que representassem todo o território brasileiro, sem foco na escala municipal”. Isso porque fatores como a chuva e o relevo de um dado território, por exemplo, não se restringem, necessariamente, aos limites de um município e são mais comumente disponibilizados em bancos de dados regionais ou nacionais, de modo ainda representativo para os objetivos do diagnóstico. Outro ponto é que muitos dados ambientais refletem uma condição que permanece de longo prazo. Os critérios de usabilidade do relatório “não foram idênticos à usabilidade de dados socioeconômicos e de gestão de resíduos sólidos, anteriormente aplicados no diagnóstico”. “O único parâmetro socioeconômico usado para essa etapa da avaliação se refere à população vivendo em assentamentos informais (também chamados de aglomerados subnormais). Um ponto importante a ser destacado é que 38,8% do território brasileiro possui rios que são interceptados por barragens, onde grande parte do resíduo pode ser retido e não chega no oceano. Porém, não há dados oficiais disponíveis sobre a taxa de retenção dessas barragens.”Os técnicos conceituaram como risco da chegada de resíduo plástico no oceano o “potencial que um efeito adverso indesejado aconteça, com base na probabilidade de sua ocorrência e a magnitude das suas consequências”. A partir destes resultados, o projeto vai atuar diretamente nas localidades onde há um alto risco de entrada de resíduos plásticos no oceano. Com isso, além da Bacia do Rio da Prata, cujo deságue se dá na divisa entre Argentina e Uruguai, os outros locais, desta vez no Brasil, que foram considerados de maior risco de escape são a Baía de Guanabara e a Baía de Sepetiba, ambas localizadas no Rio de Janeiro, cidade em que será dada prioridade de intervenção do projeto. Outros locais também verificados com um menor risco e probabilidade de escape foram a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, Rio Paraíba do Sul (Rio de Janeiro e Espírito Santo), Baía de Todos os Santos (Bahia), Rio São Francisco (Sergipe e Alagoas), Rio Tocantins (Pará) e o Rio Amazonas (Amapá). Quanto às cidades que deverão receber os trabalhos a partir do próximo ano, há a citação de Brasília (DF) no Centro-Oeste. Os outros municípios que não são litorâneos e estão entre os prioritários são Belo Horizonte (MG) e Manaus (AM), além de São Paulo (SP) e Curitiba (PR), ambas cidades mais próximas do litoral brasileiro. Já nas localidades com acesso direto ao oceano, o estudo cita como prioridade Porto Alegre (RS), Baixada Santista (PR), Grande Rio (RJ), Vitória (ES), Salvador (BA), Aracaju (SE), Maceió (AL), Recife (PE), João Pessoa (PB), Natal (RN), Fortaleza (CE), São Luís (MA) e Belém (PA).Entre as ações que serão realizadas a partir de então são análise do sistema municipal/metropolitano de gestão de resíduos sólidos e as características geográficas locais que favorecem ou impedem o vazamento de resíduos para corpos d’água ou diretamente no oceano. Haverá também o diagnóstico de qual é o problema local de lixo no mar, com visitas às áreas mais impactadas e identificação dos tipos de materiais e produtos, mapeamento dos atores-chave locais, trazer empresas engajadas com a realidade do problema e sua colaboração com o poder público, além de desenvolver plano de ações que seja viável econômica e socialmente.-Imagem (1.2573342)