Um dos pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) responsáveis pelo estudo de modelagem de cenários do avanço da Covid-19 aponta que o Estado está em um ponto de inflexão da curva de casos de contaminação pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), momento em que a situação se agrava caso o comportamento da população siga a tendência das últimas semanas.O biólogo Thiago Rangel, professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFG diz que as projeções feitas pela universidade mostram que a partir da segunda semana de junho o número diário de internações e de óbitos aparece com dois dígitos mais frequentemente. “Estamos saindo da primeira fase, que vai pingando devagar os casos e vai para uma situação mais difícil, para uma fase mais perigosa em que a tomada de decisão por parte da sociedade se torna mais urgente”, disse.Conforme O POPULAR mostrou na edição de quarta-feira (27), o número de mortes por Covid-19 registrado até o momento coloca Goiás no pior cenário projetado no estudo desenvolvido por Rangel em conjunto com mais dois pesquisadores, a epidemiologista e infectologista Cristiana Toscano e o biólogo José Alexandre Diniz. Dentro do chamado cenário vermelho, o 100º óbito pelo novo coronavírus seria em 26 de maio, como se deu.Como não existe uma vacina contra o novo coronavírus e o porcentual da população contaminada ainda é muito baixo, o isolamento social é apontado por especialistas, inclusive os do estudo da UFG, como a medida mais eficaz de redução da taxa de transmissão do vírus. Essa taxa de contágio, que chegou a 1,1 no começo de abril, está atualmente em 1,6 e subindo, o que coloca Goiás no cenário vermelho. O ideal, aponta o estudo, é que ficasse abaixo de 1,2.Dentro do cenário vermelho, que considera o ritmo de redução do índice de isolamento tal qual verificado no mês de maio, as mortes começam a ser de dois dígitos diariamente a partir de 6 de junho. Para reverter este quadro, seria necessário que a taxa de isolamento ficasse acima de 50%, algo que só ocorreu na segunda quinzena de março. Atualmente, Goiás tem registrado índices entre 36% e 38% nos dias úteis. E seguem caindo.Também começa a ficar mais acentuada no começo de junho a curva de número de internações em leitos clínicos. A de leitos de UTI acelera alguns dias depois. Como não existe uma estimativa real do número de leitos existentes em Goiás, seja exclusivo para Covid-19 ou mesmo geral, nas redes particular e pública, não é possível calcular o dia exato em que o sistema de saúde entraria em colapso. “O tempo para o colapso é uma contagem regressiva constante se a sociedade não fizer nada”, comenta Rangel.Em entrevista ao POPULAR transmitida no perfil do jornal no Facebook na quinta-feira (28), Cristiana aponta que a redução do isolamento tem sido progressiva e que a média é “bastante preocupante”, resultando numa sobrecarga na rede de saúde. “Goiás tem sido um dos melhores Estados quando a gente compara as curvas (de casos confirmados) e é uma coisa muito positiva. Não podemos botar tudo isso a perder”, afirmou.Entretanto, o único cenário em que o sistema de saúde conseguiria absorver a demanda, seja por leitos clínicos e de UTI e, assim, aumentar as chances de sobrevivência das pessoas que contraírem o Sars-CoV-2 é o chamado no estudo como “azul”. Para este, seria necessário que já a partir de 22 de maio o índice de isolamento ficasse acima de 50%. Entretanto, considerando apenas os dias úteis, a média a partir de então está em torno de 36,5%, parecida com a da semana passada.Com um cenário azul mais improvável, os outros dois cenários apontam para o pico da epidemia na segunda metade de julho e em ambos os casos com o sistema colapsado já a partir do final de junho. E Rangel destaca que o total de óbitos pode ser ainda pior nestes dois casos porque o estudo considera cenários em que todas as pessoas infectadas conseguem atendimento médico. “Mas com um sistema em colapso vai ter casos em que pessoas não vão encontrar leitos.” O estudo não levanta o número de mortes de pessoas sem atendimento médico pela impossibilidade de se saber o total de leitos existentes em Goiás.Nesta quinta-feira, Rangel e Cristiana apresentaram o estudo para o governador Ronaldo Caiado (DEM) e o secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino, em uma videoconferência para diversos prefeitos e autoridades do Legislativo e do Judiciário, além de outros membros do governo estadual. Caiado usou o estudo para reforçar o alerta sobre a gravidade da situação do Estado, que alcançou o 100º óbito após 61 dias do primeiro e que pode chegar a mais 100 apenas 15 dias depois. Isolamento em torno de 36%Os cinco municípios goianos com mais casos confirmados de Covid-19 não conseguem atingir 50% de índice de isolamento nem mesmo nos finais de semana, segundo levantamento feito diariamente pela empresa In Loco, que realiza a pesquisa a partir de dados telefônicos criptografados de geolocalização.A última vez que Goiânia alcançou esse porcentual foi no dia 21 de abril, feriado de Tiradentes. Já Aparecida e Valparaíso foi no dia 19 do mesmo mês, coincidentemente a data em que foi publicado o decreto estadual flexibilizando as medidas de restrição de atividades econômicas e sociais. Anápolis alcançou o índice considerado ideal para reduzir o impacto da Covid-19 pela última vez no dia 10 de abril e Luziânia, cinco dias antes.Todas estas cidades passam por um processo de flexibilização ainda maior das atividades econômicas, o que segundo profissionais de saúde vai reduzir ainda mais o índice de isolamento. Em Valparaíso, cidade no Entorno do Distrito Federal que liberou a abertura de shopping centers, academias e bares a partir do fim de abril, houve uma escalada no número de casos confirmados, que, segundo a secretaria municipal de saúde, está diretamente relacionada ao desrespeito por parte de empresários e cidadãos aos protocolos de liberação destes setores. O município chegou ao 100º caso confirmado da doença nesta quinta-feira (28). Há um mês, eram apenas 11 notificações.Em Goiás, a média semanal caiu de 37% na semana em que o governador Ronaldo Caiado (DEM) cogitou um decreto mais rigoroso de restrições, entre 11 e 15 de maio, para 36,4% na semana passada e, na atual, está em 36,6%. Internações começam a aumentarGoiás não tem um número real de leitos clínicos e de UTI disponíveis seja para atendimento exclusivo de Covid-19, seja para serem usados futuramente em caso de emergência. O governo estadual faz projeções de abertura de novas vagas, mas sofre para conseguir informações dos municípios e, principalmente da rede particular. Essa dificuldade em se conseguir números reais dificulta saber exatamente qual o momento em que as cidades terão problemas para atender com qualidade todos os cidadãos que contraírem o novo coronavírus e atrapalha também projeções como o estudo de cenários feito pelos pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG). O grupo teria recebido pelo menos quatro estimativas diferentes de leitos no Estado.Entretanto, é possível dizer que o número de internações está aumentando em um ritmo cada vez maior. Na rede particular, pelo menos nos hospitais filiados à Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg), a média semanal de internação em leitos clínicos e de UTI subiu de 54 para 68 na semana passada e atualmente se encontra em 75. O número de leitos ocupados de UTI, dos 100 disponíveis pelos filiados da Ahpaceg, está há 3 dias entre 45 e 52.Na rede pública, o Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara, que funciona como unidade de campanha contra o novo coronavírus em Goiânia, está desde quarta-feira (27) com picos de lotação dos 30 leitos de UTI. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da capital prometeu para esta sexta-feira (29) mais dez leitos para resolver o problema.Para o pesquisador Thiago Rangel, é importante que a sociedade não espere a capacidade de leitos se esgotar em Goiás para aumentar o índice de isolamento porque esta medida só tem impacto 20 dias após ser tomada. “Se as pessoas fizerem isso só quando o sistema colapsar, então vão ser 20 dias com problema de falta de leitos.”-Imagem (1.2060534)