Enquanto quase 300 integrantes das forças de segurança estão há mais de 15 dias empenhados na captura de Lázaro Barbosa Sousa, de 32 anos, apontado como autor de uma série de crimes, o Estado de Goiás tem mais de 13 mil mandados de prisão sem cumprimento. Levantamento feito pelo POPULAR com base no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revela que entre os milhares de casos, pelo menos 1,2 mil são de homicídios ou tipificações relacionadas.Seja durante o período de investigação ou após decisão definitiva, a Justiça tem o poder de determinar a prisão de indivíduos suspeitos ou julgados por conflito com a lei. Após a determinação, cabe às forças policiais efetivar os cumprimentos legais por meio de ações rotineiras, como blitz, ou operações específicas para cumprir os mandados. É o que explica o titular da Delegacia Estadual de Capturas (Decap), delegado Fabrício Madruga. Apesar disso, parte expressiva das decisões acaba não sendo efetivada.Sem cumprimento, milhares de mandados de prisão se amontoam no sistema de controle mantido pelo CNJ. Entre as mais de 13 mil determinações de magistrados que estão sem efetivação, 10 mil têm dados básicos públicos. Deste montante, 2.071 têm mais de cinco anos desde que foram expedidos, o que equivale a 20,7% do total. Os dados dos últimos três anos já finalizados mostram que 2018 é o ano com maior acúmulo de mandados sem cumprimento: 3.114. Em 2019 constam 1.896 e 1.238 referem-se a 2020. Há registros desde 1963 (veja o quadro).As decisões de varas criminais lideram os números, com 3.124 mandados não cumpridos. Estas são responsáveis por julgar uma ampla gama de crimes, como roubos, formação de quadrilha, agressões e tráfico de drogas. Outra vara com muitos casos sem cumprimento é a cível, com 1.415 decisões. De acordo com o advogado criminal Pedro Paulo de Medeiros, parte expressiva desses mandados na área cível tem relação com a falta de pagamento de pensão alimentícia.A quarta vara com mais mandados sem cumprimento é aquela que julga crimes contra a vida. Homicídio, instigação ou auxílio ao suicídio e realização de aborto fora das razões permitidas estão entre as ações que se caracterizam como crime contra a vida. Dentro da classificação, são 1.259 mandados em aberto nos municípios goianos. O número pode ser maior, já que outras varas, como a criminal, também julgam homicídios.RazõesPara o advogado Pedro Paulo, que é diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), é necessária uma análise detalhada para entender as razões que podem explicar o grande volume indicado no controle do CNJ. O especialista na área criminal cita que parte dos mandados pode ser contra pessoas que mudaram para outras cidades e “podem, inclusive, já terem sido presas em outros Estados”. Outra possibilidade citada por Pedro é de que alguns condenados já tenham falecido.Sobre a rotina de buscas para cumprir mandados de prisão de diversas naturezas, o delegado Fabrício Madruga ilustra a possibilidade citada pelo advogado Pedro. “Tivemos épocas que em uma sequência de buscas, 30 mandados eram de pessoas que estavam mortas”, lembra o delegado. De acordo com Fabrício, casos como esses são informados para a vara responsável para que o processo seja retirado do sistema, já que há a impossibilidade de cumprimento de pena em razão da morte do autor do crime.Outro fator que pode estar por trás do volume de mandados são os casos de detentos que recebem liberdade condicional, após progredir de regime, mas que não retornam para cumprir o semiaberto, diz o delegado Fabrício. Esses casos, que são classificados como foragidos, correspondem a uma pequena parcela do total de mandados em aberto. Das mais de 13 mil decisões sem cumprimento, o controle do CNJ mostra que Goiás tem 621 foragidos, 4,6% do total.Para reduzir o volume, forças policiais se articulam em operações temáticas, explica o delegado Fabrício. “Às vezes, até nacionalmente, policiais se reúnem para prender acusados de feminicídio, por exemplo”, cita sobre as ações como a Operação Marias, deflagrada no início deste ano e que prendeu cerca de 200 homens suspeitos de matar ou agredir mulheres em Goiás, todos com mandados em aberto.Entre os diversos mandados, há a possibilidade de que existam condenados em mais de um processo. A possibilidade foi levantada tanto pelo advogado Pedro Paulo, como pelo delegado Fabrício. Lázaro Barbosa, que concentra as atenções atuais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SSP-GO), tem quatro mandados de prisão, conforme consta no BNMP.ValidadePela legislação atual, cabe ao magistrado determinar a validade do mandado de prisão, observando, por exemplo, a data da prescrição – prazo que varia a depender do crime. “Os mandados, em geral, têm data de validade, mas são de cerca de 10 a 15 anos, então a maioria está dentro da data”, comenta o advogado Pedro Paulo sobre os números atuais de Goiás.“Ainda que tenha ocorrido a prescrição, quem deve reconhecer é o juiz. Dificilmente ele reconhece a prescrição sem alguém provocar, apesar de que deveria ser reconhecida de ofício, espontaneamente, mas dificilmente faz-se isso em razão do volume de casos”, explica Pedro Paulo sobre o rito processual para uma prescrição.Para a reportagem, o CNJ diz que cabe ao magistrado retirar o mandado de prisão do sistema, não deixando claro se casos já prescritos ou com validade do mandado vencido saem do BNMP de forma automática. No sistema, apenas 31 casos são de 2011 ou anos anteriores, o que pode ser indicativo de que os mandados com data vencida saiam do sistema.Vagas são insuficientes em GoiásCaso os mais de 13 mil mandados de prisão que estão em abertos em Goiás fossem efetivados e representassem, cada um, um indivíduo, o sistema penitenciário goiano teria acréscimo de 52% de presos levando em consideração sua atual população carcerária. De acordo com o Anuário de Segurança Pública de 2020, o déficit de vagas em Goiás era de 11 mil em 2019 (leia quadro na página 16). “O sistema prisional goiano já está lotado, muito acima do limite. Então, ainda que estes 13 mil fossem mandados reais, de pessoas vivas e prontas para ser presas, o sistema não absorveria todas elas”, diz Pedro Paulo.O advogado criminalista pondera, no entanto, que após reformas recentes no Código de Processo Penal, outros modelos de penas reduziram a demanda por vaga em prisões, dando destaque para o uso de tornozeleiras eletrônicas. “Hoje nós temos alguns tipos de prisões que foram convertidas em medidas cautelares, como o monitoramento eletrônico”, acrescenta Pedro Paulo.A SSP foi perguntada sobre a capacidade do sistema prisional goiano em absorver os possíveis novos presos. A questão, assim como as demais, não foi respondida.A SPP foi procurada pela reportagem para explicar sobre o número de mandados de prisão em aberto. No contato, foi perguntado se a pasta acompanha como os números se desenvolveram ao longo dos últimos anos. Ainda, foi questionado se há dedicação ostensiva e pretensão de cumprir todos os mandados. Três dias após o pedido de resposta, não houve retorno.-Imagem (1.2274549)