A quantidade de médicos e enfermeiros para cada mil habitantes em Goiás está abaixo da média nacional. Enquanto no Brasil existem 2 médicos e 1,4 enfermeiro para cada mil habitantes, em Goiás são, respectivamente, 1,8 e 1,1. Os dados, de 2020, são do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps). Especialistas apontam que o impacto é sentido, principalmente, na atenção primária.O diretor de Políticas Públicas do Ieps, Arthur Aguillar, diz que um número menor de médicos e enfermeiros atinge principalmente as atividades relacionadas à Estratégia da Saúde da Família (ESF), que são atribuições dos municípios. “Vemos o aumento de complicações relacionadas a doenças como diabetes e hipertensão, o que colabora para uma sobrecarga no sistema”, afirma.Em Goiás, a cobertura da atenção primária apresentou retração na última década. A taxa caiu de 77%, em 2010, para 73%, em 2020, valor abaixo da média registrada no Brasil (76%). No ano retrasado, o estado foi o 9º com a menor despesa em saúde por habitante (R$ 353). “Tudo isso colabora para esse cenário”, destaca Aguillar.A vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores (as) do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás (Sindsaúde-GO), Luzinéia Vieira, afirma que todos esses fatores interferem na qualidade do serviço oferecido. “Com recursos escassos e os profissionais sobrecarregados, os pacientes sentem diferença no atendimento.”EnfermeirosGoiás foi o segundo pior colocado do país no que diz respeito à razão de profissionais de enfermagem para cada mil habitantes. O número ficou em 1,1, perdendo apenas para o Pará, onde a razão foi de 0,8. “O que acontece é que a maioria dos locais contrata apenas um enfermeiro para cuidar de todo um setor e preenchem as outras vagas com técnicos”, destaca Luzinéia.A presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Goiás (Coren-GO), Edna Batista, esclarece que os enfermeiros têm uma qualificação específica para trabalhar, por exemplo, na ESF. “Nesses casos, eles que fazem a administração de medicamentos e, muitas vezes, que conduzem os tratamentos prescritos pelos médicos”, afirma.Atualmente, os profissionais lutam pela implementação de um piso salarial. Nesta quinta-feira (15), o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve suspensa a lei que criou um piso de R$ 4.750. Edna relata que a baixa remuneração também é um dos motivos pelos quais a razão de enfermeiros a cada mil habitantes no estado é tão pequena. “A maioria tem que trabalhar em dois ou três empregos, o que acaba consumindo as vagas”, diz.A vice-presidente do Sindsaúde-GO acredita que a criação de planos de carreira, especialmente em nível municipal, onde fica a rede de atenção primária, é uma forma de contribuir para o aumento de médicos e enfermeiros atuando no estado. “A carreira pública, estabilidade, salários compatíveis e vislumbre de crescimento são atrativos”, pondera Luzinéia.Ela também destaca que o aumento de profissionais formados, especialmente médicos, também é importante. “Teremos mais oferta, o que fará com que os profissionais cheguem, especialmente, até o interior”, acredita.“A exaustão faz parte da rotina”, diz enfermeiraA rotina dos profissionais de enfermagem em Goiás é atribulada. A maioria precisa de trabalhar mais de 40 horas semanais e em vários locais diferentes para conseguir se sustentar. A enfermeira Rose Melo trabalha na área há 20 anos. Por alguns anos, ela atuou em Unidades Básicas de Saúde (UBs). “Era muito exaustivo”, conta.Atualmente, ela é enfermeira de um pronto socorro, em Senador Canedo. “Nas horas vagas ainda ministro estágio para cursos técnicos e para o ensino superior para complementar a renda”, conta. Ela acredita que a sobrecarga de trabalho afeta a qualidade do serviço oferecido para a população. “Além disso, temos uma profissão em que precisamos estar atualizados. Porém, sem tempo e dinheiro, nem sempre conseguimos.”Ela explica que, durante a pandemia da Covid-19, o volume de trabalho aumentou ainda mais. “Eu já atendi, na triagem, quase 300 pacientes em um dia”, revela.A enfermeira Lorena Marques, de 44 anos, também sentiu o volume de trabalho aumentar durante a pandemia.“Faltou infraestrutura. Foram inúmeras situações que fizeram vários de nós adoecer emocionalmente. Me incluo nisso”, relata a profissional, que atua na rede pública de Goiânia e também é professora em uma universidade.Ela afirma que, mesmo depois do pico da pandemia, o volume de trabalho segue grande, e acredita que mais colegas de trabalho ajudariam a fazer com que o serviço oferecido seja melhor. “Na unidade em que trabalho, por exemplo, somos apenas eu e outra enfermeira. Ela está de férias e eu tenho que lidar com toda a demanda”, afirma.Interiorização de médicos é desafioA interiorização do atendimento médico ainda é um desafio para Goiás. De acordo com dados do Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), enquanto na macrorregião da saúde Centro-Oeste, onde Goiânia está localizada, existem 2,7 médicos para cada mil habitantes, na macrorregião Nordeste, a razão é de apenas 0,9.A presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde do Estado de Goiás (Cosems-GO), Verônica Savatin, explica que uma das principais dificuldades do interior é conseguir médicos que trabalham na atenção primária. “Não achamos médicos para atuar na Estratégia da Saúde da Família (ESF), mesmo quando oferecemos o mesmo valor que os municípios maiores pagam. Quando achamos, eles ficam pouco tempo e depois costumam sair para fazer residência”, afirma.Além disso, Verônica aponta que em alguns lugares a questão salarial também tem peso. “A macrorregião Nordeste, por exemplo, sofre muito por estar próxima de Brasília. Lá, o valor dos plantões é mais alto e muitos municípios da região do entorno e do Nordeste goiano não conseguem competir”, afirma.Entretanto, a presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego), Franscine Pereira, argumenta que as condições para um médico se manter no interior nem sempre são favoráveis. “Muitas vezes eles não têm infraestrutura para trabalhar. Vão atender pacientes com uma caneta, papel e estetoscópio na mão, tendo dificuldades para pedir exames e fazer internações quando necessárias.”Além disso, ela destaca que esses profissionais também costumam sofrer pressões de políticos locais, devido à popularidade que muitos adquirem junto à população. “As pessoas confiam nos médicos e muitas vezes eles funcionam como influenciadores. Isso leva a muitas situações de assédio moral”, afirma.SoluçõesO diretor de Políticas Públicas do Ieps, Arthur Aguillar, relata que o problema da interiorização do atendimento médico não é só de Goiás. “Acontece no Brasil inteiro em maior ou menor grau”, pontua. Ele explica que uma das soluções é a transferência de mais recursos para que os municípios possam fazer contratações.Programas como o Mais Médicos também são uma alternativa. Atualmente, ele está em processo de descontinuação e sendo substituído pelo Médicos pelo Brasil, que funciona com uma lógica parecida, mas exige que os profissionais tenham registro no Conselho de Medicina. Hoje, 61 municípios goianos estão elegíveis para manifestar interesse em aderir ao programa.Além disso, Aguillar pontua que é necessário fazer com que os profissionais criem vínculos com os territórios onde estão trabalhando. “Muitas vezes a questão salarial não é o ponto decisivo para que eles saiam”, diz. De acordo com ele, esses vínculos podem ser criados de várias formas. “Nas universidades, pode-se promover mais projetos de pesquisa em áreas com uma baixa quantidade de médicos. Estimular que pessoas desses locais procurem essa formação também é uma opção.”Ele destaca que também é importante que os centros de formação tenham em mente as necessidades do estado. “Existe uma cultura do médico se formar para atuar na rede privada e sempre de forma muito especializada. É preciso que tenhamos programas para estimular a formação de médicos que trabalhem, por exemplo, na ESF”, finaliza.Estado afirma que promoveu regionalização da saúde em GoiásA Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) afirmou em nota que a regionalização da saúde é “um dos pilares do Governo” e que o número de unidades de saúde nas cinco macrorregiões de Goiás saltou de 16 para 30, além de seis policlínicas terem sido entregues funcionando em Posse, Goianésia, Quirinópolis, São Luís de Montes Belos, Goiás e Formosa. Juntas, elas prestaram, até junho deste ano, mais de meio milhão de atendimentos.A pasta informou ainda que entregou sete novos hospitais, a maioria no interior do estado: Jataí, Formosa, São Luís de Montes Belos, Luziânia, Itumbiara, além do Hospital Estadual do Centro-Norte Goiano, em Uruaçu, e do Hospital Estadual da Criança e do Adolescente (Hecad), em Goiânia. O antigo Hospital Materno-Infantil (HMI) foi transformado no Hospital Estadual da Mulher (Hemu), também na capital. O governo ainda retomou as obras do Hospital Estadual de Águas Lindas este ano.A pasta destacou ainda que, em nível estadual, os contratos de profissionais para as unidades de saúde da rede estadual são feitos por meio de processos seletivos das Organizações Sociais (OSs) e que algumas delas informaram que há mais dificuldades para o preenchimento de algumas áreas médicas específicas como, por exemplo, pediatria e cirurgia vascular, que levam mais tempo para encontrar profissionais com o perfil adequado.