Goiás tem protocolos de ponta para AVC e enfarte
As duas ocorrências estão entre os que mais matam por ano em todo o País. Hugo, em Goiânia, e Hmap, em Aparecida, procuram atender pacientes no menor tempo possível
Mariana Carneiro
José Damaso Gomes, 57 anos: ocorrência de caso de enfarte em família ajudou a agilizar procura por socorro (Diomício Gomes / O Popular)
Dois hospitais goianos desenvolveram estratégias para diminuir ao máximo o tempo de atendimento de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral (AVC) ou enfarte. No Hospital de Urgências de Goiás (Hugo), a especialidade é o manejo dos casos de AVC. No Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (Hmap), são os enfartes. Em 2024, de acordo com dados do portal de transparência do Registro Civil, dos 25,9 mil óbitos registrados até o momento em Goiás, 2,2 mil (8,7%) foram por conta de AVCs e 2,2 mil (8,7%) de enfartes. Os dois acometimentos estão entre as principais causas de morte no Brasil.
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O atendimento precoce é essencial para salvar neurônios, no caso do AVC, e o músculo do coração, no enfarte. Um AVC se trata de dano ao cérebro devido à interrupção do fornecimento de sangue. No Hugo, o projeto Angels completou dois anos em março. O objetivo do projeto é reduzir ao máximo o tempo de atendimento de pacientes com AVC isquêmico -- quando há obstrução de vasos sanguíneos. Atualmente, 92% dos casos recebem tratamento com medicamento em menos de 30 minutos desde a admissão no hospital, e 75% em menos de 13 minutos.
Um enfarte ocorre quando o fluxo de sangue para parte do coração é bloqueado, por obstrução das artérias coronárias. Isso impede que o músculo cardíaco receba oxigênio e nutrientes, levando à morte das células do coração. O tipo mais comum é o que ocorre quando uma coronária está obstruída por uma placa de gordura. O enfarte com supradesnivelamento do segmento ST (enfarte com supra de ST) é o mais grave, pois indica obstrução completa de uma coronária e requer tratamento imediato.
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No Hmap, a linha de cuidado do projeto Supra inicia-se justamente com a detecção precoce de pacientes suspeitos de enfarte nas unidades de pronto atendimento (UPAs), centros de atenção integral à saúde (Cais) e por meio do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Em seguida, é realizado um eletrocardiograma para diagnosticar o enfarte. Os resultados são posteriormente validados remotamente por cardiologistas da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que gere a unidade.
Para funcionar, o projeto Supra depende da parceria com o restante da rede municipal de Aparecida de Goiânia. O secretário de Saúde, Bruno Hernandez, conta que os profissionais do Hmap promoveram um treinamento sobre o manejo de casos de enfarte com as equipes de Cais, UPAs e Samu. "É um protocolo que envolve toda nossa estrutura." Se o enfarte é confirmado, o paciente vai diretamente ao Hmap. Na hemodinâmica do hospital (área destinada para intervenções de saúde cardiovascular), há procedimentos como cateterismo, angioplastia e outras intervenções necessárias. Tudo isso em até 90 minutos.
As intervenções ocorrem sem que o paciente precise passar por cirurgia de peito aberto. "Depois, ele fica por oito horas em uma UTI e segue para a enfermaria. Após a alta, alguns casos ainda são acompanhados por nós", diz Maurício Boaventura, médico intensivista e coordenador médico do Departamento de Pacientes Graves do Hmap. O projeto Supra tem sido bem sucedido para reduzir a mortalidade dos pacientes. De agosto de 2023, quando o projeto foi iniciado, até agosto deste ano, 223 pessoas foram tratadas. Destas, apenas 19 (8,5%) não resistiram.
O carpinteiro José Damaso Gomes, de 57 anos, enfartou em junho. Ele estava em casa quando sentiu uma dor forte no peito e no pescoço. Como o pai dele faleceu devido a um enfarte, ele logo reconheceu os sintomas. O Samu foi acionado e José foi submetido a um eletrocardiograma ainda na ambulância. "Já me levaram direto ao Hmap. Quando cheguei, já tinha uma equipe me esperando. Foi muito rápido. Fiquei quatro dias", diz. Em processo de recuperação, José ainda não voltou a trabalhar. Ele pretende se aposentar. "Ainda faço acompanhamento. O médico disse que para eu ficar 100% é coisa de um ano", relata.
Fatores de risco
A predisposição genética está entre os fatores de risco não modificáveis do enfarte. O mesmo se aplica ao AVC. Entretanto, alguns fatores de risco para ambos dependem do estilo de vida, como o tabagismo, sedentarismo e má alimentação. A pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) de 2023 apontou que, dentre os adultos de Goiânia, 11,1% são fumantes, 13,8% têm o costume de comer ultraprocessados e que menos da metade pratica ao menos 150 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana. Na mesma pesquisa, 24% dessas pessoas disseram ter diagnóstico de hipertensão.
"A prevenção passa principalmente pela adoção de vida saudável: manter alimentação equilibrada, rica em frutas, legumes e grãos integrais; controlar o peso; realizar atividades físicas regularmente; evitar o cigarro e o excesso de álcool; e monitorar condições como pressão arterial, colesterol e diabetes. Além disso, é fundamental realizar exames regulares e seguir as orientações médicas para manter o coração saudável", diz Mayler Olombrada, cardiologista, que aponta que as pessoas que já enfartaram precisam de cuidados redobrados: seguir rigorosamente a medicação prescrita,mudar o estilo de vida, fazer consultas regulares ao cardiologista e realizar exames de acompanhamento. "Além disso, o suporte emocional é importante, já que muitos pacientes podem desenvolver ansiedade ou depressão após enfarte. A reabilitação cardíaca, que envolve um programa supervisionado de exercícios e educação, pode ajudar a melhorar a qualidade de vida e reduzir o risco de novos eventos cardíacos", finaliza Olombrada.
Reconhecer sintomas do derrame é fundamental
Fraqueza ou formigamento em um lado do corpo; alterações na fala, compreensão, visão, equilíbrio e/ou coordenação; tontura; dor de cabeça súbita. Observar os sintomas de um acidente vascular cerebral (AVC) é essencial para tratamento no menor tempo possível, o que sobe as chances de recuperação com menos sequelas. O coordenador do serviço de Neurologia do Hospital de Urgências de Goiás (Hugo) e do projeto Angels, Marco Túlio Pedatella, explica que, se o paciente for atendido e tratado dentro do tempo correto, existe 80% de chance de recuperação sem acometimentos que limitem as atividades.
A experiência do profissional de logística Rodrigo Amado de Avelar, de 42 anos, prova isso. Em junho, ele estava preparando o café da manhã quando sentiu tontura e ficou com a visão embaçada. Foi até o quarto e comentou sobre os sintomas com a mulher. Alguns minutos depois, voltou a ficar tonto e sentiu falta de equilíbrio. Então, ela o alertou para irem ao hospital. "Ela disse que provavelmente era AVC", diz.
O casal foi até o Hospital Albert Einstein de Goiânia. Rodrigo se consultou com um especialista e fez exames que constataram o AVC, que logo foi tratado. Ele teve duas áreas afetadas: a visão e o equilíbrio, mas não ficou com sequelas importantes. Quando sofreu o AVC, Rodrigo tinha acabado de passar por um processo de emagrecimento que o fez perder 20 quilos. Depois do episódio, ele conta que pretende manter os bons hábitos. "Estou mais preocupado com minha saúde. Quero, por exemplo, estar sempre próximo de lugares que me dão estrutura de atendimento", frisa.
O Albert Einstein tem protocolo para tratar casos de AVC há 20 anos. O intuito é dar celeridade no atendimento em todas as unidades do hospital. "Todas têm neurologista 24 horas por dia. Onde o profissional não está presencialmente, pode-se acessá-lo por telemedicina", reforça Polyana Piza, neurologista do Einstein.
15 minutos ou menos para tratar
Três a cada quatro pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) levam menos de 15 minutos desde o momento em que põem os pés no Hospital de Urgências de Goiás (Hugo) até receber tratamento. O paciente é atendido, avaliado por um neurologista, realiza exames de laboratório e tomografia e faz a trombólise, processo pelo qual se dissolve um trombo formado na corrente sanguínea.
Esses procedimentos integram o projeto Angels, que é amplamente utilizado no Hugo para tratar casos de AVC isquêmico. Para ter ideia, entre 2019 e 2021 foram feitas apenas nove trombólise na unidade. Somente em 2022, ano em que o projeto começou, foram 68 procedimentos. Em 2023, o número saltou para 236 e entre janeiro e agosto de 2024 foram realizadas 164 trombólises.
Em fevereiro, o Hugo recebeu a ampliação para Diamond Status da premiação Angels Award, pela excelência no tratamento de pacientes com AVC. A certificação é conferida pela World Stroke Organization (WSO) e Sociedade Iberoamericana de Enfermidades Cerebrovasculares (SIECV), que reconhecem os hospitais que demonstraram claro compromisso com tratamento de AVC. A unidade é o primeiro hospital de Goiás, entre públicos e privados, a receber as certificações Platinum e Diamond. Atualmente, a unidade é gerida pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.
A cada minuto com AVC ocorre a perda de quase 2 milhões de neurônios. Sendo assim, quanto mais rápido o tratamento, menor a perda de neurônios e menor o risco de sequelas. No caso do AVC isquêmico agudo, o tempo máximo para iniciar o tratamento após sintomas é de até quatro horas e meia, para receber medicamento, e de até seis horas, em alguns casos, para realizar procedimento de desobstrução do vaso cerebral. O coordenador do serviço de Neurologia do Hugo e do Angels, Marco Túlio Pedatella, explica que, desde que o projeto foi implantado, o tempo de atendimento de pacientes com AVC, que já demorou uma hora, caiu para menos de 15 minutos.
Conforme Pedatella, fazer o procedimento no menor tempo possível é importante, pois é necessário levar em conta que o paciente pode demorar a chegar à unidade de saúde. Na tentativa de reduzir cada vez mais esse tempo, foram instaladas sirenes nas áreas onde são feitos os atendimentos aos pacientes com AVC. "Servem para marcar os três minutos que aquele profissional tem para atender o paciente e enviá-lo e encaminhá-lo", diz.
Caso a pessoa tenha o primeiro atendimento feito pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), o próprio resgate já comunica o Hugo sobre a possibilidade do AVC. Caso a pessoa chegue até a unidade por conta própria, o projeto é acionado já na classificação de risco.
Maisa Souza, de 28 anos: desfecho positivo após dois AVCs (Fábio Lima / O Popular)
Maisa Conceição Souza, de 28 anos, foi submetida ao Angels. Em 1º de julho, ela estava em casa quando sentiu forte dor de cabeça. A caminho do quarto para se deitar, ela deixou o celular cair no chão. Ao se abaixar para pegá-lo, caiu e não conseguiu mais se levantar. "Não conseguia me mexer", lembra. Quem pegou o celular e chamou por ajuda foi o filho mais velho de Maisa, de apenas 6 anos.
O marido a levou direto para o Hugo, onde foi atendida rapidamente. Ela ficou internada na unidade por uma semana. "Para não falar que não fiquei com sequelas, meu braço esquerdo ficou um pouco mais fraco", afirma Maisa. Entretanto, em 6 de agosto ela voltou a sentir tonturas e dor de cabeça. "Não conseguia ficar em pé. Liguei para minha madrinha e ela disse: 'você está tendo um AVC de novo, corre para o Hugo'. Chegando lá, fiz uma tomografia e constataram o derrame", relata.
A jovem acredita que em ambos os episódios, a rapidez no atendimento foi essencial para um desfecho positivo. Atualmente, Maisa faz acompanhamento ambulatorial no Hugo. Os profissionais investigam as causas de a jovem ter sofrido dois AVCs. "Fico com medo de acontecer de novo, pois tenho duas crianças pequenas. Por isso, estou procurando me cuidar."
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