“Após 21 anos de carreira, me sinto realizada profissionalmente.” A professora da rede pública estadual de ensino, Cláudia Vieira, 51, se emociona ao falar do projeto idealizado por ela no Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Hermógenes Coelho, em Araçu, dentro do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Para motivar 40 alunos de educação inclusiva a encontrar seu papel de protagonista no mundo, ela e a equipe de apoio da unidade, os incentivaram a colocar no papel suas impressões sobre o lugar favorito, atividade transformada em livro.No dia 24 de novembro, uma sessão de autógrafos festiva, com a participação de toda a comunidade escolar, de representantes da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) e de autoridades municipais, coroou a iniciativa. Estava lá a gari Duany de Oliveira Silva, mãe de Gabriel de Carvalho, 18, que terminou este ano no Cepi Hermógenes Coelho a terceira série do ensino médio. “Eu não esperava! Fiquei muito feliz porque ele tem dificuldade de aprendizagem”, contou ela.Funcionando desde o início de 2022 como Cepi, a escola teve 306 alunos matriculados este ano, 44 deles na educação inclusiva. Eles são acompanhados pelo AEE que, sob a liderança de Cláudia Vieira, trabalha com atividades lúdicas para despertar nos estudantes um interesse maior pelo conteúdo proposto em sala de aula. Segundo a professora, o isolamento durante a pandemia da Covid-19 mudou o comportamento dos alunos. “Alguns gostaram de voltar para a escola, outros não. Percebi que parte ficou entristecida”.Os estudantes acompanhados pelo AEE possuem deficiência intelectual, têm dificuldade de comunicação e interação, o que explica a barreira no processo de aprendizagem. Alguns foram diagnosticados com espectro de autismo. Eles assistem às aulas normalmente, e em caso de necessidade, em atividades mais complexas contam com o apoio de uma professora. No contraturno são envolvidos em práticas lúdicas. Foi nesse momento que foram convidados a discorrer sobre seus lugares favoritos, 40 deles aceitaram o desafio. “Nossa ideia foi torná-los protagonistas, que eles expressassem seus sentimentos”, diz Cláudia Vieira.A proposta seguiu um planejamento. Inicialmente, com direito a pipoca, os estudantes assistiram no auditório da escola o filme Meu Pé de Laranja Lima. Na produção, uma adaptação do romance de José Mauro de Vasconcellos, o garoto Zezé tem o hábito de conversar com o pé de laranja lima, no quintal de casa, dividindo tristezas e alegrias. No dia seguinte, em uma roda de conversa, os professores falaram sobre seus lugares favoritos, levando os alunos a refletir sobre o mesmo tema.“No isolamento, quando fazíamos o atendimento online, cada um estava em um lugar específico. Qual espaço eles mais sentiram falta durante a pandemia?”, explica a professora do AEE sobre o que mais gostariam de saber. Já na sala de aula os alunos escreveram sobre seus lugares favoritos e as histórias, com desenhos alusivos, foram para o mural. Mas, depois eles tiveram a oportunidade de trabalhar com os 32 chromebooks recebidos pela escola e aí ficaram mais empolgados porque muitos têm acesso à tecnologia somente durante as aulas. Vieram as ilustrações mais caprichadas e daí, para o livro, foi um passo.Os cantinhos mais aconchegantes, segundo os alunosAs respostas foram surpreendentes. Cada um colocou no papel os sentimentos provocados pelo vácuo imposto pela Covid-19. Juan Pablo, 14, aluno do 8º ano, contou que sentiu falta da casa da avó, Antônia, o seu lugar favorito no mundo. “Quando me falaram do projeto achei que ele falaria do quarto dele. Fiquei emocionada quando li porque Juan é o dengo da minha mãe, que cuidava dele desde pequeno para que eu pudesse trabalhar. Até o desenho ficou parecido com ela”, disse a recepcionista Patrícia Moreira, mãe do jovem. Vitor Hugo, 17, aluno da primeira série, escolheu a própria escola como seu lugar favorito. “Este é um lugar muito especial, pois ao mesmo tempo que aprendo, também me divirto”, escreveu. A diretora da unidade, Zenia Gomes de Rezende Carvalho não esconde a emoção. “Na educação inclusiva, normalmente quando chamamos os pais na escola é para falar que alguma coisa não deu certo. Precisávamos dar um sentido a eles. Esta iniciativa nos tornou melhores enquanto profissionais. ” Gabriel de Carvalho escolheu a Oficina do Dudu, como o espaço que mais o deixa feliz. Ele não é funcionário do lugar, mas é ali entre motocicletas danificadas que ele passa boa parte do tempo livre observando a busca de soluções. Seu sonho é fazer um curso de mecânica. “Ele nos surpreendeu”, contou a mãe. Gabriel planeja um dia abrir sua própria oficina. Se sentindo homenageado, Dudu fez questão de participar do lançamento do livro. Em razão do preço, o Cepi optou por imprimir 75 exemplares da obra de 45 páginas dos alunos do AEE. Mesmo sendo uma unidade escolar da rede estadual, a prefeitura local, sob a gestão de Milton Lemes de Paula assumiu os custos. “Ele sabia que valeria a pena, pelos alunos”, afirma Zenia. Para a diretora, a experiência de ver lágrimas de alegria e a satisfação dos pais de receber um livro autografado pelos filhos transformou toda a equipe. “Ensinamos o caminho e aprendemos sobre o mundo deles. É uma troca de saberes. Este é o fabuloso mundo da educação.”Zenia Gomes de Rezende Carvalho não tem dúvidas. Este foi o primeiro de uma série. “O sucesso foi tanto que decidimos transformá-lo em um projeto fixo da nossa escola.” Leia também:- Seis escolas cívico-militares de Goiás vão passar para a PM-GO- Bairro de Goiânia fundado há 27 anos espera por escola