O corticoide dexametasona, medicamento que mostrou impacto em reduzir a mortalidade para pacientes com Covid-19, já é utilizado em hospitais de Goiás que atendem pacientes infectados com o novo coronavírus (Sars-CoV-2). O fármaco foi avaliado em uma pesquisa da Universidade de Oxford, cujos resultados preliminares foram divulgados na última terça-feira (16). A indicação é para pacientes que necessitam de ventilação mecânica ou oxigênio, ou seja, casos graves. A notícia foi amplamente comemorada e deve transformar a utilização, antes opcional, em protocolo.Em Goiás, o corticoide já é utilizado no Hospital de Campanha para o Enfrentamento ao Coronavírus em Goiás (HCamp) desde a abertura da unidade, em março deste ano. No hospital, além de dexametasona, outro corticoide também era administrado. Mas depois de uma recomendação da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), o protocolo está sendo alterado. Diretora-técnica da unidade, a infectologista Marina Roriz explica que os protocolos da unidade estão disponíveis aos demais hospitais de campanha estadualizados em Goiás que devem seguir a mudança.O Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara (HMMCC) abriu as portas em abril deste ano, quando já havia estudos que indicavam o resultado positivo de dexametasona. Por isso, o remédio foi incluído no protocolo da unidade e surpreendeu principalmente nos casos de extubação. A gestão do Hospital e Urgências de Goiânia Dr. Valdemiro Cruz (Hugo), que não é referência para a Covid-19, também afirmou que administra dexametasona em pacientes com a doença desde que começou os atendimentos a infectados, assim como a rede pública em Anápolis.Em Aparecida de Goiânia, o protocolo da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) já usa, desde o início dos tratamentos, dois corticoides: metilprednizolona e dexametasona no Hospital do Garavelo e também no Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (HMAP).Na rede particular não é diferente. No Hospital Órion, que também possui atendimento especializado para a Covid-19, além de dexametasona, outro medicamento similar é administrado aos pacientes.Diretor-secretário do Conselho Regional de Farmácia (CRF-GO) e mestre em farmacologia, Daniel Jesus explica que os corticoides já são utilizados em casos de intubação. Isso porque têm efeito imunossupressor e anti-inflamatório e são comumente aplicados em casos de pneumonias avançadas, alergias, doenças autoimunes e asma, por exemplo.“O corticoide não mata o vírus e isso precisa ser ressaltado. O que estamos dizendo é que ele deve ser usado quando o corpo já possui uma carga viral menor, mas com muita inflamação.” Para o médico intensivista, não há surpresa no resultado do estudo. “A primeira coisa que muda é que agora sabemos qual corticoide utilizar. Ficamos felizes porque ele é barato, acessível e potente. O estudo foi muito bem escrito, seguiu protocolos e é a primeira pesquisa com relatos clínicos”, pontua Daniel.PesquisaO estudo da Universidade de Oxford avaliou 2.104 pacientes, que receberam dexametasona em doses baixas de 6 mg por dia via oral ou intravenosa. A comparação foi feita com 4.321 pacientes que tiveram cuidados usuais. O resultado avaliado foi só a mortalidade (veja quadro) e não houve diferença nos pacientes que não necessitavam de oxigênio. O CRF-GO ressalta que o estudo foi feito em pacientes hospitalizados e que o medicamento carece de acompanhamento médico.Marcelo Rabahi é pneumologista, diretor clínico do Hospital Órion, além de coordenador de pesquisa e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ele explica que o estudo ainda não foi publicado na íntegra, que ainda é preciso avaliar a totalidade das informações. Na unidade que dirige, ele explica que este e outro medicamento são usados dependendo da indicação para cada paciente.Como funciona“Depois da infecção do vírus temos dois grandes problemas: alteração na parede dos vasos – entupimento e inflamação – que podem ocasionar trombose e embolia. Outro problema é que essas alterações atraem muitas células inflamatórias e o excesso dessas células junto com trombose, por exemplo, levam à dificuldade de oxigenação. Os corticoides atuam reduzindo essa resposta inflamatória exagerada se estivermos nesta fase descrita. É preciso ressaltar, entretanto, que se usar numa fase inicial, eu aumento a gravidade da doença”, explica o pneumologista.O médico e professor pontua que um medicamento só poderá ser usado, sozinho, para combater o novo coronavírus (Sars-Cov-2) quando existir ou for descoberto que esse trate diretamente o vírus. “É um avanço sim, porque é um medicamento de fácil acesso e tivemos resultados importantes. Agora, eles irão encaminhar (o estudo) para uma revista científica e passará por uma revisão de editores para avaliação dos mínimos detalhes.” Estoque de medicamento pode ser reforçadoCoordenadora farmacêutica do Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (HMAP), Érika Nogueira diz que o dexametasona integra a lista de padronização do Sistema Único de Saúde (SUS) e que, por isso, está na relação de medicamentos essenciais. O referido corticoide é amplamente utilizado em vários tratamentos e por isso compõe os estoques de unidades de saúde, mas deve ocorrer um reforço.Diretora-técnica do Hospital de Campanha para o Enfrentamento ao Coronavírus em Goiás (HCamp), a infectologista Marina Roriz explica que a importância do protocolo é uniformizar as condutas. “Agora temos certo tipo de conforto em continuar usando o remédio. Temos estoque tendo em vista que não é de difícil aquisição, mas precisamos recalcular o gasto diário e assim fazer a previsão da próxima compra.”As duas alertam, entretanto, para o fato de, assim como a hidroxicloroquina, o medicamento ser vendido em farmácias e estar acessível para a população. Érika, do HMAP, acredita que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode fazer alterações na venda do medicamento a exemplo do que ocorreu com o outro e que agora só é comercializado com receita médica especial.“Importante ressaltar que todo medicamento pode ter reação e o estudo é enfático: pacientes com ventilação mecânica ou com necessidade de oxigênio. Não é para a população de uma forma geral, não deve ser tomado com sintomas leves. Tem reações adversas e pode ser perigoso”, explica a coordenadora farmacêutica do HMAP.O mesmo alerta é feito pelo Diretor-secretário do Conselho Regional de Farmácia (CRF-GO) e mestre em farmacologia, Daniel Jesus. “A automedicação é extremamente prejudicial, não é necessária e não melhora o prognóstico”. Médico Intensivista e Responsável Técnico do Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara, Gustavo Prudente pontua à população que, “no momento errado, o medicamento pode causar transtornos em vez de contribuir com a recuperação do paciente”.BrasilO Brasil já estuda dexametasona para pacientes graves de Covid-19. O trabalho é realizado pela Coalizão Covid Brasil e coordenado pelo Hospital Sírio-Libanês, em parceria com o Aché Laboratórios.A pesquisa brasileira teve início em abril deste ano e recrutou pouco mais de dois terços dos 350 pacientes previstos. Participam do estudo pacientes que têm síndrome do desconforto respiratório agudo e estão em ventilação mecânica nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) de 40 hospitais em todas as regiões do País. A estimativa é de que os primeiros resultados saiam em agosto.-Imagem (Image_1.2070735)