O corpo do teatrólogo Hugo Rodas foi cremado nesta quinta-feira (14), em Brasília (DF), após uma grande homenagem de seus pupilos do meio teatral no Teatro Galpão, no Distrito Federal, onde sempre estreou seus espetáculos. O uruguaio de 82 anos, que há mais de 40 adotou a capital federal como seu porto seguro, morreu na quarta-feira (13) após enfrentar um longo período de enfermidade. Diagnosticado com câncer de intestino, passou por intenso tratamento e internações, até sucumbir à metástase que devastou seu organismo.“Que soem os tambores - Arriba Corazón”, foi com este convite do Agrupação Teatral Amacaca (ATA), ilustrado por verde e girassóis, que a memória de Hugo Rodas foi celebrada. A “orquestra de atores”, como se denomina o grupo, teve origem em 2009, na disciplina de extensão do Departamento de Artes Cênicas da Universidade de Brasília (UnB), ministrada pelo uruguaio. Desde então se tornou um dispersor de pesquisa de linguagem e estética teatral, sempre com Hugo Rodas como referência maior.Na mensagem de despedida do mestre, o ATA disse: “Com a partida de Hugo se vai uma parte valiosa da história do teatro e muito da história de Brasília. Seu legado é infinito e inspira uma legião de artistas que perpetuam sua obra. Que as luzes dos mais fortes holofotes celebrem e iluminem sua passagem.” Premiadíssimo, Hugo Rodas recebeu da UnB os títulos de Notório Saber em Artes Cênicas (1998) e de professor emérito (2014). Após a aposentadoria, em 2010, ele se tornou professor-pesquisador na instituição onde ensinou durante mais de 20 anos. “Yo soy candango”, dizia sempre, com sotaque, sobre a paixão pela terra que adotou.Hugo Rodas era incansável e sempre inovador. Muito além da docência, o ator, diretor, dramaturgo, cenógrafo, coreógrafo, figurinista e músico que nasceu na cidade uruguaia de Juan Lacaze fez história no teatro brasileiro. Entre os anos de 1970 e 1980 dirigiu o Grupo Pitú e trabalhou com Antônio Abujamra, no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), e com José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina. Mais tarde, na cena brasiliense, fez parcerias com o Teatro Universitário Candango e a Companhia dos Sonhos.Várias cidades brasileiras conferiram espetáculos sob a batuta ou co-direção de Hugo Rodas. Nomes como Marília Gabriela (Lady Macbeth) e Denise Stocklos (Cantadas) passaram por tablados comandados pelo uruguaio. Em Brasília, alguns dos grandes sucessos de público e de crítica na história do teatro e da dança têm assinaturas do diretor, como Senhora dos Afogados (1987), A Casa de Bernarda Alba (1988/91), Shakespeare in Concert (1997), Arlequim: servidor de dois patrões (2001/02), O Rinoceronte (2005/2006), e Adubo ou a sutil arte de escoar pelo ralo (2005-2015). Teatrólogo teve contato com a cena goiana e produziu com artistas locaisMesmo doente, o inquieto Hugo Rodas não parou com os limites impostos pela pandemia da Covid-19. Em seu apartamento em Brasília, produziu o espetáculo Poema Confinado ou Caleidoscópio, com dois atores (uma bailarina e um cantor). Em Goiânia, cidade por onde sempre transitou, deixando o rastro de sua veia criativa e fazendo amigos, mesmo com dificuldade de locomoção, fez o vídeo Hábitos Noturnos, sob a direção de Valéria Braga, ao lado dos atores Rodrigo Cunha e Rodrigo Jubé. O trabalho pode ser conferido no canal do Youtube da Casa 107. Anteriormente, Valéria Braga foi dirigida por Hugo em espetáculos que marcaram época como Memória Roubada e Olho na Fechadura. Durante as filmagens de Hábitos Noturnos, Hugo Rodas concedeu à repórter Valbene Bezerra, da revista digital Ermira Cultura, de Goiânia, uma de suas últimas entrevistas. “Tenho necessidade de estar no meio das pessoas, de criar, de produzir. Tudo tem de ser rápido. Sou exigente, insuportável até. Minha paixão pelo que faço confunde as pessoas. Sou intenso, rápido, exigente. Quero que sigam meu ritmo”, afirmou, em junho do ano passado.O escritor dramaturgo, músico e comunicador social Léo Pereira conheceu bem o ritmo do uruguaio. “Ele sempre foi uma referência, desde os anos de 1970 quando vi seus espetáculos. Nos aproximamos em 2009 e trabalhamos juntos. Ele decidiu montar meu livro, Verde Alecrim. Como acompanhei todo o processo, foi um grande aprendizado.” O musical, com 30 atores e músicos, fez sucesso, mas não pode circular por falta de patrocínio. “Eu e todo o grupo vamos levar isso para a continuidade do nosso processo artístico. Hugo era um bruxo que entrava na vida das pessoas para provocar. E aqui, em Goiânia, nos sentimos provocados.”Hugo Rodas manteve vínculos fortes com Goiânia até o final de sua vida, onde conferia a criação artística local, ganhando o respeito de toda uma geração. Além de Valéria Braga e Rodrigo Cunha, que se tornaram amigos pessoais, dirigiu atores reconhecidos como Adriana Veloso, Júlio Vann e Guido Correia. O último viajou pelo país com Boi, espetáculo comandado pelo uruguaio/candango que é uma adaptação da obra do escritor Miguel Jorge. O grupo Nu Escuro manteve Hugo Rodas por perto não apenas como uma referência, mas como um mentor.