No domingo (31), em Abadiânia, a 80 km de Goiânia, será apresentada oficialmente à comunidade local a igreja com arquitetura sustentável. Às 17 horas, o padre Welison Borges de Lima, dirigente da Paróquia São Pedro e São Miguel, irá celebrar uma missa na Capela São Miguel, erguida com a técnica de bioconstrução - taipa de pilão - aliada a modernas tecnologias e adaptada às exigências da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). O projeto, que teve início há cerca de cinco anos, foi acatado pela Diocese de Anápolis pela redução do impacto ambiental.Localizada no bairro Lindo Horizonte, o mesmo onde fica a Casa de Dom Inácio, famoso centro de cura conduzido por João Teixeira de Faria, o João de Deus, a capela nasceu a partir da proposta de um profissional da cidade, aluno da UniPermacultura, instituição de Ensino a Distância que ministra cursos voltados para a execução de projetos ligados ao desenvolvimento sustentável. Pároco na época, padre Paulo Ricardo assumiu o desafio com o apoio dos irmãos gaúchos Neimar Marcos, conhecido como Marcus Ninguém, e Clairton Jappa, responsáveis pela UniPermacultura.“É revolucionário trazer esta técnica para o cotidiano das pessoas”, diz Marcus Ninguém, que está em Abadiânia pela quarta vez, agora nos trabalhos de acabamento da igreja. Ele conta que seu sonho sempre foi realizar algo parecido em grande escala para que “as pessoas possam ver de perto e se inspirar.” Um dos pioneiros da permacultura no Brasil, Marcus acredita que esta é uma grande oportunidade para desmistificar a técnica de taipa de pilão, tanto no aspecto estético, quanto de saúde, já que existe um senso comum de que ela contribui para hospedar o barbeiro, inseto transmissor da Doença de Chagas.Em Abadiânia, entre as inspirações para o projeto estão as antigas igrejas de Pirenópolis e Corumbá de Goiás, que também pertencem à Diocese de Anápolis. “A matriz de Pirenópolis é de taipa de pilão e no incêndio ela ficou de pé”, lembra o construtor. A técnica consiste no uso de terra compactada. “Ao ser socada, o ar sai e aumenta o peso, a densidade. Com a cura adequada com água e sol, a tendência é petrificar com o passar dos anos”. Para atender as normas da ABNT, foi usado na capela de Abadiânia maderite naval preenchido com o chamado solo cimento, cinco partes de terra para três de areia e uma de cimento. “Vamos compactando com soquetes manuais, em camadas. Depois de duas semanas de cura com água, molhando diariamente, fica um bloco monolítico.”Embora os dois irmãos venham desenvolvendo há anos projetos com taipa de pilão Brasil afora, houve resistência no início. “Neste tipo de construção não há necessidade de colunas, mas na capela tivemos de empregar o que no Sul chamamos de Coeficiente de Cagaço, ou seja uma alternativa quando o cliente tem medo do uso da técnica de maneira pura. Nós sofremos muito porque as pessoas falavam que não daria certo”. Na adaptação foram usadas colunas de concreto que, para Marcus Ninguém, nada mais é do que um placebo, “coeficiente que na Matemática da técnica em nada influencia”. De qualquer forma, o custo e o impacto ambiental são menores porque reduz o consumo de água e gera pouco volume de resíduos.EconomiaEm média, o custo da técnica taipa de pilão é de 30% a 40% menor do que as construções convencionais. Marcus acredita que no caso da capela não chegou a este patamar em razão da falta de dinheiro, que obrigou a paralisação em muitos momentos, e à pandemia da Covid-19. “Obra, quanto mais demora, mais cara fica. Em Abadiânia também enfrentamos resistências e gastos desnecessários.” Apesar dos entraves, Marcus, que já deu aulas de bioconstrução na Universidade Nacional de Brasília (UnB), acredita que a capela vai inspirar outros projetos e atrair a atenção de estudantes de acadêmicos pelo “diálogo do contemporâneo com a arquitetura vernacular”Bioconstrução é considerada uma tecnologia social A missa deste domingo, a primeira com a capela já coberta e com o pináculo instalado, vai unir a cerimônia de bênção da pedra fundamental e de despedida do pároco. Padre Welison, que assumiu a incumbência de dar continuidade à obra no lugar de padre Paulo Ricardo, vai seguir para a Itália, onde fará seu mestrado. “Quando cheguei, a capela ainda estava na fundação e com algumas paredes levantadas. Não foi fácil. Tivemos de pesquisar muito para fazer a cobertura, que precisava combinar com o estilo, que ficou meio barroco, com cara de igreja colonial”, detalha. As telhas utilizadas são consideradas ecológicas porque exigem menos recursos naturais, como madeiramento. Com estruturas metálicas e material isolante térmico, que funciona como forro, diminui a necessidade de ar condicionado. No acabamento, o grupo construtor está utilizando uma geo tinta, criada dentro do projeto Cores da Terra, originado em 2004 na Universidade Federal de Viçosa (MG). “É uma mistura de terra, água e cola branca, a mesma usada em madeiras”, explica Marcus Ninguém. Os irmãos gaúchos, que abriram no Brasil a primeira empresa especializada em permacultura, a Teokalli Bioarquitetura e Design, foram escolhidos para desenvolver o projeto de revitalização e ampliação do Maringá Eco Park, no município riograndense de Vila Maria. A parceria público-privada prevê o projeto turístico com restaurantes e cabanas de bioconstrução, unindo o antigo com o novo. Foram eles também que criaram o laboratório de agroecologia que mudou o cenário da Faculdade de Santo Ângelo (Fasa), no Rio Grande do Sul, com seus jardins esotéricos.A permacultura é uma técnica concebida no fim dos anos de 1970 pelos cientistas australianos Bill Mollison e David Holmgren, que consiste na criação de ambientes humanos em sintonia com a natureza. Para Marcus Ninguém esta é uma tecnologia social, simples, que qualquer pessoa pode fazer. No caso de Abadiânia, ele considera que foi um privilégio executar o projeto da capela pelo potencial educativo da Igreja, de atingir mais pessoas e incentivar o uso da bioconstrução. Leia também:- Agricultura familiar representa 62% das propriedades rurais- Pontos para recarga de carros elétricos crescem na cidade, mas não nas estradas- Goiânia é a 5ª capital em lista de sustentabilidade