Em meio a uma corrida mundial para desenvolver uma vacina que proteja as pessoas contra o coronavírus (Sars-CoV-2), a farmacêutica AstraZeneca e a Universidade de Oxford, que estão desenvolvendo um imunizante que é a grande aposta do governo federal anunciaram nesta terça-feira (8) que os testes, que estão em fase final, foram paralisados. A professora do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (UFG), Cristiana Toscano, que foi indicada para compor o Grupo Estratégico Internacional de Experts em Vacinas e Vacinação (Sage, na sigla em inglês) da Organização Mundial da Saúde (OMS) em seu Grupo de Trabalho de Vacinas para Covid-19, esclarece que a paralisação das pesquisas no grupo de teste faz parte do protocolo e que ainda não é possível saber se ela irá atrasar a finalização dos estudos clínicos da vacina. Ela afirma ainda que apesar de existirem nove vacinas em fase final de teste, o momento em que ela vai chegar à população depende do sucesso das etapas de produção, registro e distribuição. Cristiana é a única brasileira, além de representante da América Latina que compõe o grupo de especialistas do grupo de trabalho da OMS. Até o momento, quais são os imunizantes considerados mais promissores pelo grupo de trabalho de vacinas para a Covid-19 da OMS? Por quê?É difícil falar sobre qual está mais avançada, pois as conclusões de cada estudo clínico depende de quando ele começou. Nesses termos, a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford foi a primeira. Temos nove vacinas em estudos clínicos na Fase 3 (quando a vacina é testada em um grande número de pessoas). O lado positivo é que elas estão sendo desenvolvidas em três plataformas tecnológicas diferentes, o que nos dá uma boa variedade. Já temos mais de 18 mil pessoas do mundo que receberam as vacinas que estão sendo testadas. Nesta terça-feira (8), a vacina desenvolvida pela AstraZeneca e a Universidade Oxford, teve os testes suspensos por conta de uma reação adversa em um paciente. Este é um procedimento padrão?Sim. Na verdade, dentro dos protocolos dos ensaios clínicos da Fase 3 de desenvolvimento de uma vacina essas interrupções estão previstas caso ocorra algum evento grave. Neste caso, o estudo continua, mas as vacinações no grupo de teste foram paralisadas para que eles possam investigar esse evento que ocorreu com uma das pessoas que receberam a vacina. Eles precisam saber se a reação adversa tem relação com a vacina ou ocorreu de forma independente. Entretanto, é válido ressaltar que isso não significa a suspensão do estudo, e sim uma interrupção da vacinação dos participantes. A vacina produzida por Oxford, e testada no Brasil pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), é uma das principais aposta do governo federal para imunizar os brasileiros. Na prática, esta paralisação atrasa o andamento da produção vacina que já está na fase final de testes? O tempo para o desenvolvimento de um estudo clínico na Fase 3 pode variar por inúmeros motivos. A diminuição da circulação viral, por exemplo, é um deles. Entretanto, ainda não é possível dizer se haverá atrasos. Tudo vai depender da resposta da investigação que eles estão fazendo com esse participante e se a reação adversa dele está relacionada com a vacina. No mundo todo são nove vacinas em fase final de testagem. Entretanto, algumas chamam mais atenção que outras como, por exemplo, a desenvolvida pela Rússia (Sputnik V) que já foi liberada para o uso da população. O país afirma que ela é segura. Por qual motivo ela foi mais rápida que as demais e quais são os pontos a serem contestados?A vacina russa, assim como outras 20 vacinas, completou a Fase 1 e uma parte da Fase 2 dos testes clínicos, que serve para vermos a questão da produção de anticorpos. Eles testaram 38 pessoas em uma fase e mais 38 na outra. As respostas foram positivas. Entretanto, a amostragem é muito pequena. Para dizermos que uma vacina é totalmente segura e eficaz ela precisa ser aplicada e observada em uma quantidade maior de pessoas, que é a Fase 3 de testes. O que aconteceu na Rússia foi que o governo seguiu um protocolo de registro diferente do restante do mundo e permitiu que ela fosse registrada sem ter a terceira fase realizada. É preciso frisar que nestes moldes, esta vacina só é ministrada dentro do país e sem os estudos clínicos da Fase 3 não é possível afirmar se ela é segura e totalmente eficaz. Nesta segunda-feira (7), a chinesa Sinovac informou que a vacina produzida por ela é segura em idosos, mas produz uma resposta imune mais baixa do que em adultos. O que isso significa? Na realidade, para todas as vacinas a resposta imune dos idosos é mais fraca. Com a Covid-19 não será diferente. Isso não quer dizer que ela não será eficiente. É preciso esperar a finalização da Fase 3 para se ter uma ideia melhor, porque temos vários tipos de anticorpos e respostas imunes que evitam infecção. O que precisamos saber é se esta resposta imune da Sinovac, mesmo que menor, vai se traduzir em imunidade. No cenário atual, conseguimos já vislumbrar uma data em que uma vacina totalmente segura e aprovada pela OMS estará disponível?Se tudo correr bem, até o fim do ano teremos a finalização de alguns ensaios clínicos e caso nada dê errado neles, a aprovação do uso. Entretanto, ainda existem outras etapas, que apesar de estarem sendo aceleradas, assim como os estudos clínicos foram, demandam um tempo mínimo. É preciso produzir a vacina e os lotes precisam passar por um controle de qualidade. Em paralelo, ela tem de ser registrada pelo órgão regulatório que no Brasil é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Depois disso elas têm que ser distribuídas, ou seja, existe toda uma parte operacional que também demanda tempo. Tudo isso, faz com que fique difícil dar uma estimativa concreta, mas acredito que em março existe a possibilidade. O que eu sempre reforço é que é essa uma previsão realista, mas totalmente condicionada ao fato de que todas as etapas têm de dar certo. No Brasil, assim como em todo o resto do mundo, existe uma ansiedade muito grande pela oferta da vacina. O ministro interino da Saúde, Eduardo Pauzello, falou recentemente sobre começar o programa de vacinação em janeiro. É possível?Entendemos que a vacina é necessária e muito importante. Entretanto, neste momento de ansiedade a ciência e os protocolos científicos têm de prevalecer. A politização destes processos de pesquisa e de avaliação de vacinas e tecnologias é negativa. Como sociedade, precisamos focar na parte científica que é o que tem nos permitido vislumbrar esta imunidade tão desejada. Tudo que pode ser agilizado, já foi. O desenvolvimento de uma vacina leva cerca de 10 anos em alguns casos e estamos fazendo em muito menos. Porém, não podemos menosprezar as etapas que trazem segurança e eficácia para a vacinação. Além disso, uma vacina em circulação sem seguir os protocolos necessários representa um risco para o programa de vacinação como um todo que salva mais de 5 milhões de vidas todos os anos. Por isso, neste momento precisamos nos pautar pela ciência. Ela mostrará a saída mais segura para nós.