*Atualizada em 22/11 às 22h08Uma decisão da Justiça Federal a respeito de uma vaga para concurso público na Universidade Federal de Goiás (UFG) revoltou parte da comunidade acadêmica. O juiz Urbano Lela Berquó Neto, da 8ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Goiânia - GO, acatou pedido para suspender a reserva de cotas para o edital em questão, e por consequência, a nomeação de uma candidata a professora, na condição de cotista. Ela já havia sido nomeada e se preparava para tomar posse para o cargo de professor da área de Telejornalismo e Audiovisual.Gabriela Marques Gonçalves, que é doutora em Comunicação Audiovisual pela Universitat Autònoma de Barcelona, da Espanha, ficou em terceiro lugar entre os cinco candidatos aprovados para o processo. A vaga, no entanto, segundo o edital, era reservada a candidatos negros. Como ela era a única nesta condição entre os cinco primeiros, foi declarada vencedora e nomeada pela UFG.Em março deste ano, o candidato que atingiu a maior pontuação, Rodrigo Gabrioti de Lima, que é doutor em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), ingressou com uma ação na Justiça Federal para suspender o ato de determinação da cota para a vaga.A decisão que suspendeu o ato administrativo que declarou a reserva de cotas foi assinada pelo juiz no dia 8 de setembro deste ano. Com isto, a UFG foi obrigada a publicar no Diário Oficial da União a nomeação do autor da ação. Isto foi feito na última quarta-feira (16).O ponto central do caso é a forma de cálculo da reserva de vagas. Os advogados de Lima argumentam no processo que a aplicação de cotas só poderia ser feita caso fossem três ou mais vagas, conforme estipula o artigo primeiro da Lei federal 12.990 de 2014. O juiz acatou preliminarmente este posicionamento.Acontece que o edital em questão tinha ao todo 15 vagas, sendo que apenas uma delas era para professor de Telejornalismo e Audiovisual. Eles sustentam que, como para a posição em disputa pelo cliente havia somente uma chance, não poderia haver a aplicação da reserva.A UFG, por outro lado, considera o número global do edital e faz a reserva para cotistas negros e pessoas com deficiência.No edital objeto da disputa, o 18/2021, havia ao todo três vagas para pessoas negras. Elas eram para Telejornalismo e Audiovisual e também para História das Relações Internacionais e Patrimônio e para Enfermagem Fundamental e Clínica.Para pessoas com deficiência eram duas. Elas foram para as áreas de Projetos de Sistemas Mecânicos e Cerâmica/Subárea: Escultura Contemporânea.Um dos advogados de Gabriela, Marcus Felipe Bezerra Macedo, compartilha do mesmo entendimento da UFG. Ele afirma que se somente fosse permitida a efetivação da reserva a cargos que dispusessem mais de três vagas, isto inviabilizaria a aplicação da lei que trata do tema. “Ao nosso ver, isto não passa de uma aventura jurídica criada para burlar a política de cotas. Porque ao contrário do que o autor diz, o concurso não teve só uma vaga, teve diversas vagas. É fato que normalmente, quando você pega a UFG, quando abre um certame geral, é evidente que para cursos específicos, há no máximo duas vagas.”A reportagem verificou outros editais da UFG e apurou que eles seguem um modelo semelhante ao que ensejou a disputa na Justiça.Leia também:- UFG recomenda que estudantes usem máscara em lugares fechados JurisprudênciaMacedo afirma haver jurisprudência a respeito e que, inclusive, o entendimento dele é baseado na ação direta de constitucionalidade nº 41, que trata do tema. Este argumento também foi apontado pela UFG após ser questionada pelo POPULAR sobre o assunto. “O edital tem que ser tratado no coletivo, no contexto de todas as vagas e não apenas em um caso específico. O edital tinha várias vagas e não apenas uma”, frisou em nota.Outro argumento dos representantes legais de Lima é de que haveria suspeição de membro da banca examinadora. É apontada suposta relação acadêmica. Isto motivou, inclusive, um recurso perante a UFG, que foi anexado ao processo. O mesmo foi indeferido pela comissão recursal. No processo também consta uma reprodução de um evento realizado na UFG, no qual Gabriela participou. O advogado de Gabriela rechaça esta alegação.A reportagem não conseguiu localizar o contato de Lima. Dos três advogados dele, foram identificados números de WhatsApp de dois deles. Foram enviadas mensagens no início da noite desta sexta-feira (18) pedindo esclarecimentos. Porém, não houve retorno. Um número de telefone do escritório dos profissionais também foi objeto de tentativas de contato, mas sem sucesso.Todos os outros três candidatos aprovados, além de Gabriela e Lima, apresentaram recurso. Mas a UFG diz que eles foram tratados do ponto de vista acadêmico. “Nenhum dos recursos foi tratado do ponto de vista da cota.” Um dos aprovados, que pediu para não ter o nome revelado, afirmou ao POPULAR, na última segunda-feira (21), que não entrou com recurso, e sim com apenas com pedido para vista aos boletins das próprias provas.A decisão do juiz de Goiás é objeto da defesa de Gabriela. O caso será julgado no TRF1. O mérito da questão, no entanto, ainda será apreciado, mas em primeira instância. Frustração e cansaçoGabriela Marques Gonçalves, que foi aprovada no concurso da UFG para professora afirma que a situação vivida por ela é um misto de frustração e cansaço. Gabriela relatou ao POPULAR que antes de fazer a prova da UFG já estava estudando para outros processos seletivos, os quais prestou. Ela conta que com a notícia da aprovação, se desligou dos dois empregos que tinha para poder se desfazer do cansaço acumulado pela rotina que vinha levando.“É como se eu tivesse o tempo todo sendo provada”, diz ao comentar que além do processo seletivo ao qual se submeteu, agora tem de enfrentar uma ação na Justiça.Ela entende que a decisão é um prejuízo não só para ela, mas para as pessoas negras como um todo. Gabriela conta que até receber a notícia da suspensão da nomeação, estava preparando a documentação e gastou um valor importante com os muitos exames solicitados pela universidade. “Querendo ou não é um baque não só pra mim, mas para o funcionamento da lei de cotas, porque isto abre jurisprudência para os casos que venham a seguir. É como se a nossa luta sempre tivesse de começar do zero”, desabafa.“O sentimento é de frustração, de você ver que a luta do movimento negro de conseguir aprovar esta lei acaba não se efetivando na prática”, completa.Nesta segunda-feira (21), às 14h, haverá um protesto, em frente ao Teatro Belkiss Specière, da Escola de Música e Artes Cênicas, no Câmpus Samambaia, promovido pelo coletivo Cotistas UFG. O objetivo é pedir um posicionamento da UFG sobre a questão e chamar a atenção para o tema. “Há uma lei, mas um mero recurso que cai na mão de um juiz que não tem o critério, não tem uma formação sobre política racial muda a aplicação”, critica Zanza Gomes, que é membro do coletivo, graduada em Biblioteconomia pela Federal do Rio Grande do Sul e doutoranda em Comunicação pela UFG. *Atualização para acrescentar esclarecimento de candidato a respeito de recursos