Defendida em maio deste ano no Programa de Pós Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás (UFG), a tese de doutorado Com o peito cheio de pó - uma etnografia sobre a negação do adoecimento de trabalhadores do amianto na cidade de Minaçu (GO), defendida por Arthur Pires Amaral, joga luz sobre o sofrimento social no município goiano originado pela exposição de ex-trabalhadores da empresa S.A.Minerações Associadas (Sama), subsidiária da Eternit, às fibras do amianto crisotila. Atendendo a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), a Sama suspendeu este ano suas atividades em Minaçu depois de demitir cerca de 280 funcionários.Graduado pela UFG, Arthur Amaral decidiu mergulhar na questão ao assistir, em 2005, durante a sétima edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), na cidade de Goiás, o documentário Morte Lenta pelo Amianto (Asbestos: a Slow Death), da cineasta francesa Sylvie Deleule. Além de relatar os bastidores da luta pelo banimento do asbesto, outro nome do amianto, na França e seu viés ideológico, a produção fala de mortes e apresenta resultados de pesquisas ao redor do mundo sobre os efeitos nocivos, em longo prazo, da inalação do mineral.Naquele ano o documentário ganhou o prêmio Cora Coralina de Melhor Filme média-metragem, mas antes mesmo de sua exibição provocou a irritação de parlamentares “que, na época, representavam o lobby dos empresários da indústria desse mineral nas Assembleias Legislativas estaduais e no Congresso Nacional”, escreve o pesquisador. O filme, em sua parte final, aborda a atuação da mineradora Sama em Minaçu e enfatiza suas altas contribuições financeiras às campanhas eleitorais de políticos goianos. Reforçou o desejo de Arthur em se aprofundar no tema o Dossiê do Amianto no Brasil elaborado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Câmara dos Deputados, e divulgado em Brasília em 2010. O documento, que traz um amplo diagnóstico sobre a mineração, industrialização, comércio e uso do amianto no Brasil, deu início aos debates que culminaram na decisão, em novembro de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal, de banir o mineral do território brasileiro. Durante dez meses, entre setembro de 2016 e junho de 2017, o pesquisador, que publicou um artigo no site do International Ban Asbestos Secretariat (IBAS), no Reino Unido sobre sua tese, fixou residência em Minaçu, período em que percebeu a negação de interlocutores em conceder entrevistas gravadas e pedidos de anonimato. As conversas eram rápidas. “Sou um cara que não tenho nenhum vínculo com o município. Cheguei lá, me identifiquei e sempre falei da minha pesquisa, mas as pessoas ficavam ressabiadas em comentar”, disse.RevoltadosFoi o encontro com Renato (nome fictício), que perdeu o pai para uma grave doença pulmonar, que definiu os rumos do trabalho do pesquisador. Renato contou a ele sobre um grupo de ex-funcionários da Sama que morreu após anos de trabalho com amianto, mas os sintomas dos males que o acometeu nunca foram identificados como Doenças Asbesto-Relacionadas (DARs). “Sempre que me indicava alguém, dizia algo como ‘fulana é revoltada com a Sama’.”Entre os “revoltados” estava o próprio pai de Renato. “Meu pai tinha uma revolta tão grande com essa Sama aí. Por ele, essa Sama já tinha fechado há muito tempo! Ele era extremamente revoltado com ela. Por ela não ter dado nenhum suporte. Deu nem plano de saúde. A única coisa que a Sama fez foi mandar uma coroa de flores no velório do meu pai. Só isso e mais nada! Ele não teve aporte nenhum”, diz o rapaz a Arthur. O estudo prioritário de Arthur Amaral enfoca a situação de trabalhadores que atuaram no que ele chama de “chão de fábrica” na Sama entre os anos de 1970 e 1990. Segundo ele, viúvas e seus filhos vivenciaram dor e sofrimento e viram seus entes partir numa situação de desamparo por parte da mineradora. “No auge da produção da Sama, Minaçu era uma cidade que ‘nevava’ amianto. As fibras estavam nas árvores, nos telhados, nas ruas, nos mananciais. Imagine a quantidade de mineral que as pessoas que estavam dentro da mina aspiravam?” Em 2009, em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo citada na tese, a Sama informou que monitorava 11 mil pessoas, ex e atuais funcionários, dos quais cerca de 100 apresentavam sintomas de DARs. Com esses, conforme Arthur, era feito um acordo extrajudicial que garantia um valor em dinheiro, tratamento médico e um plano de saúde privado. O pesquisador mostra em seu estudo que há um “conluio” histórico entre ciência, indústria e Estado, que produzem dúvidas sobre o perigo do amianto. O pesquisador exibe na tese o que chama de “iceberg simbólico”, relatando os diversos fatores que levam ex-trabalhadores e suas famílias à reclusão e ao silêncio, mesmo convivendo com doenças e mortes associadas, segundo a ciência médica, à aspiração do mineral. “Denunciar representa um risco porque algum amigo ou familiar integrante da rede social desses interlocutores ainda possui vínculo com a empresa. Há uma vigilância para evitar os comentários.”