Em 2004, a educadora física Cristiane Karlla Mendonça Cunha, a Cris Cunha, deu à luz a uma menina. Era a filha que tinha planejado desde a infância quando brincava com suas bonecas. Doze anos depois, a garota não resistiu à síndrome mielodisplásica, condição que provoca a falência da medula óssea na produção de células do sangue, que evoluiu para uma leucemia. Cris, que chegou a liderar a campanha Todos por Aninha, por doação de medula óssea para salvar a filha, transformou a dor em livro que será lançado no próximo dia 12, data em que, segundo ela, a menina comemora aniversário em outra vida.“Eu queria deixar um legado, um relato da minha experiência. Qualquer perda é única e singular. É claro que eu tenho propriedade para falar da perda da minha filha e o que descobri é que o luto é um processo, mas não é um inimigo a ser combatido. Ele está ali para ser vivenciado. Cada um tem o seu tempo, a sua forma de vivê-lo.” Cris Cunha precisou de quase cinco anos para abordar o tema e, quando decidiu, em três meses elaborou a obra Sobreviver ao Luto - Declarando a Palavra. “Durante meus estudos procurei na Bíblia palavras relacionadas à depressão e à tristeza e decidi colocar em primeira pessoa.”O resultado é um testemunho de uma vida ressignificada. A educadora física se entristeceu profundamente com a partida da única filha, quis dormir e não acordar, fez terapia, tentou ajuda de medicamentos até perceber que era preciso tirar o foco da dor. “Há vida após o luto. A dor pode nos destruir ou nos reconstruir para algo novo. Decidi escrever porque existem pessoas que precisam do nosso consolo, da nossa experiência. Posso dividir com elas como vivenciei tudo isso e comecei um novo ciclo.”Cris Cunha, que frequenta a Igreja Videira, permeou seu livro com citações bíblicas, entretanto enfatiza que a obra não está vinculada a nenhuma religião específica. “Eu, como cristã, declaro como palavra viva as promessas das Escrituras, mas cada um tem a sua fé.” Ela buscou a amiga Daisy Cristina, adepta da doutrina espírita, para fazer o prefácio pela afinidade na crença de que há vida após a morte. “Todo mundo vai passar pela morte, por isso precisamos olhar para ela com mais naturalidade. O corpo perece, mas o espírito não. A vida continua em outro lugar.”O propósito da autora é mostrar de que maneira a palavra de Deus a sustentou e a renovou. Cris Cunha dedica o livro a quem “não encontra sentido no viver, nem tem esperanças em sentir-se melhor, pois se encontra num profundo sentimento de tristeza e dor” em razão do luto. Após cada capítulo acompanhado de um versículo alusivo ao tema, ela inseriu uma pequena oração, com fundamento bíblico. Para ela, não basta crer, é preciso declarar.A mãe de Aninha, em cada capítulo, relembra os caminhos que percorreu até se conscientizar da importância de recomeçar. Ela fala do quanto a fé a ajudou, da perenidade da vida, dos propósitos definidos por Deus, do investimento que fez nela mesma e da gratidão por aqueles que a acolheram ou que se apresentaram a ela, sem um planejamento. “Agradecer é a oração mais poderosa que você pode fazer”, escreve. O marido Reginaldo e os enteados Camila e Danilo, que perderam a mãe no mesmo ano da partida de Aninha, são citados como peças fundamentais no “pote da gratidão” que ela conserva. “Se quisessem teriam motivos para se tornarem deprimidos e queixosos todos os dias, mas ao contrário, eles me ensinam a viver.“ExercíciosPor se dar conta de que “cuidar de sim é uma forma de honrar a memória de quem partiu”, Cris Cunha dedicou um capítulo a dicas de como se dedicar a uma rotina de exercícios e de alimentação saudável. “Invista naquilo que te dá prazer”. A profissional de Educação Física conta que o triatlo a ajudou a superar a dor e trouxe de volta os “hormônios da felicidade”, como endorfina, adrenalina e serotonina. “O esporte para mim é um mecanismo de terapia, é um momento em que minha mente está focada no meu esforço, é o momento de investir em mim, por mim.”Professora de Educação Física do Governo de Goiás, Cris Cunha está à frente da iniciativa Goiânia em Movimento, na modalidade Ginástica para Todos, que integra o projeto Viva Mais Goiás, da Secretaria Estadual de Esporte e Lazer. De segunda a quinta-feira, das 7 às 9 horas, ela ministra aulas gratuitas no ginásio de esportes da Praça C-10, no Setor Sudoeste. “Temos vagas e o projeto é abrangente, com atividades também culturais e sociais”. Para saber mais, o perfil no Instagram é @goianiaemmovimento. “Certamente o ser amado que partiu não quer ver a gente prostrado. Se houver uma visão de lá para cá, ele vai nos querer ver bem.” Luta de Aninha foi até os últimos diasA menina Ana Cristina nasceu em 2004 em Sevilha (Espanha), fruto de um relacionamento de Cris Cunha com um espanhol. Com menos de um ano, foi diagnosticada com mielodisplasia, doença que trouxe ao nascer. Aos três anos, com o fim do relacionamento, mãe e filha voltaram ao Brasil. Escola, brincadeiras com amigos, passeios, skate, violão e muita cantoria faziam parte da rotina da menina até 2015, ano em que o organismo não produziu mais defesas, provocando pneumonias recorrentes e, por consequência, internações. A indicação de um transplante de medula e a incompatibilidade familiar levou Cris Cunha a liderar a campanha Todos por Aninha.Diversos veículos de imprensa mostraram a garota, prestes a completar 12 anos naquele 2016, num leito hospitalar. O apelo por doação de medula óssea alcançou milhares de pessoas. Houve mobilização e em quatro oportunidades Aninha teve oportunidade de fazer o transplante, mas por incompatibilidade o material foi descartado. A última cartada da família para salvar Ana Cristina, seria no dia 25 de novembro de 2016, quando a menina receberia em São Paulo, células do pai. Fragilizada, ela não resistiu à leucemia, partindo no dia 12. SAIBA MAISLivro: Sobreviver ao Luto - Declarando a PalavraAutora: Cris CunhaLançamento: 12 de novembro, das 17h às 19h30Local: Coffee Garden - Av. C-182, Q. 569, L. 09, Setor Nova Suíça