No começo de maio, duas ruas passaram em cima da Praça do Jardim América, no cruzamento da C-148 com a C-139, como parte de um planejamento da Prefeitura de Goiânia para melhorar o tráfego da região, ampliando o espaço viário. A prática de recortar praças com vias na capital é antiga e já atingiu pelo menos 21 espaços anteriormente planejados como locais verdes de convívio, lazer e contemplação.Isso já fez a cidade perder praças como a do Chafariz, na T-63 com a 85, a do Ratinho, na mesma 85 com a Avenida D, e a Wilson Sales, também na T-63, conhecida como Praça do Nova Suíça. Para especialistas em urbanismo, a perda das referências e espaços de convivência das pessoas reforça o privilégio do tráfego de veículos automotores.Além disso, há praças que deixaram de existir completamente com as intervenções, como aquelas que se transformaram em terminais do transporte coletivo, como é o caso das praças A, Isidória e da Bíblia. Outros casos são os cortes no meio dos espaços, sob a premissa de dar mais agilidade aos veículos automotores, como ocorreu nas praças Gilson Alves de Souza, na Avenida T-1 com a T-7, e Edilberto Veiga Jardim, na T-2.A última perda, no Jardim América, reduziu o local em quatro pequenos espaços, o que na visão da administração municipal manteve o papel de contemplação da população que ali frequenta. Por ser uma região com hospitais e clínicas, muitas pessoas aguardavam atendimento ou seus entes queridos em consulta nos dois bancos que estavam na praça.Para o secretário-executivo da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), Ciro Meireles, o espaço remanescente possui mais locais para receber as pessoas e, com isso, a única perda foi de permeabilidade.Meireles relata que os técnicos da prefeitura elogiaram a forma que foi feita a obra desta vez, em que não havia, até então, o cuidado de realizar o processo junto a outras secretarias, como a de Planejamento e a Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma). Duas árvores tiveram de ser retiradas da praça, mas a SMM afirma ter feito a compensação ambiental.“A praça agora está menor, sim, mas está mais acessível e contempla a utilidade que ela já tinha. Tomamos todo o cuidado necessário e não é comum fazer isso”, diz. Ele completa que a segunda etapa de mudanças no Jardim América não terá interferências em praças.“Ainda neste ano, nós vamos aumentar o espaço de uma praça do Jardim Novo Mundo, logo após o terminal da Avenida Anhanguera. Ali está ocorrendo muita colisão entre os carros e os ônibus e vamos aumentar o espaço para que os motoristas façam um giro maior, tendo de reduzir a velocidade”, conta o secretário-executivo.Meireles explica que não é possível dizer como se deu o planejamento que desfigurou as outras praças da cidade, mas que no caso do Jardim América houve estudo de impacto de trânsito e sobre o que iria interferir na cidade, o que redundou nas medidas para manter o uso atual.Geógrafo e membro da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Antenor Pinheiro afirma que as administrações municipais, há pelo menos 15 anos, têm tido uma tendência hegemônica de gestão da cidade em privilegiar veículos em detrimento da convivência das pessoas.“Nós deixamos de ter o urbanismo social e as nossas referências, como foi no caso da Praça do Relógio”, diz ao citar o local no Jardim Goiás, que foi reduzido para dar maior fluxo aos carros da Avenida Jamel Cecílio e da Rua 12 em 2015.O arquiteto e urbanista Nilton Lima, conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), ressalta que a s praças são partes características do planejamento urbano originário na capital, com Attilio Corrêa Lima e Armando de Godoy.No caso, segundo explica, o viário da capital tem um sistema com pontos para concentrar o tráfego, que no caso são as praças, de modo que as principais avenidas possuem o equipamento ao longo do trecho. “Mas não é comum recortar as praças, não foi para isso. Goiânia tem esse problema de não valorizar o transporte coletivo de massa”, assegura.Para ele, falta aos gestores municipais um olhar para as pessoas ao pensar em qual a prioridade na cidade, o que demonstra a falta de um planejamento urbano. Isso redunda, por exemplo, na dificuldade em acessar as praças e o pensamento dos cidadãos de que, de fato, seria melhor dar lugar à uma via do que manter o espaço destinado ao convívio.“Se eu não invisto em qualidade de vida e sim em malha viária urbana, eu vou dar um outro uso para as praças, que passam a ser inacessíveis.” Isso ocorre, por exemplo, em locais como a Praça Walter Santos, no Setor Coimbra, em que o alto fluxo de veículos concede insegurança aos pedestres para chegar até o local, diminuindo o seu uso.Situação “embrutece” a cidadePara o geógrafo Antenor Pinheiro, a substituição do espaço de praças por ruas em Goiânia causa o “embrutecimento” da cidade. Segundo ele, a prefeitura tem deteriorado a ideia das praças como espaço de convívio e imita os erros de outras grandes metrópoles, como São Paulo.“Outras cidades faziam isso há muito tempo, e o que fazem aqui é repetir isso. A cidade fica mais embrutecida e renega os princípios da cidade-jardim que foi pensado para Goiânia”, diz. No entanto, pensando apenas enquanto fluxo de veículos, ele afirma que há sim um aumento na agilidade.“Mas isso só vai estimular mais o uso do carro e acaba furtando o espaço do pedestres, o espaço de contemplação. O mais triste é que Goiânia ainda é rica em praças, mas vai perdendo isso. A cidade virou um local com vários pontos de passagem, mas ninguém fica, ninguém para”, ressalta Pinheiro.Para ele, mesmo que se tenha a necessidade de melhorar a mobilidade urbana, é preciso pensar no sentido social ao planejar a cidade para que os bairros mais calmos não passem a recepcionar mais tráfego.O arquiteto e urbanista Nilton Lima afirma que há soluções em outras cidades para a manutenção de praças e a melhoria da mobilidade urbana. Uma das opções, que é utilizada em cidades europeias, como Madrid, é o rebaixamento da via, mantendo a praça em seu nível natural com o espaço verde.“A área se mantém como um jardim, retarda a água da chuva, e é acessível para os pedestres.” Outra opção é o investimento em transporte coletivo urbano de massa, sobretudo o subterrâneo, como o metrô.Lima comenta que o urbanista Jaime Lerner, criador do sistema brasileiro de transporte por corredor exclusivo como o BRT, dizia que a melhor cidade era aquela que permitia o uso de todos os modais possíveis, o que não tem ocorrido em Goiânia. “Aqui é adotado até hoje o BRT, como na Praça Cívica, e não há incentivo a outros meios.”Pinheiro cita Medellín, na Colômbia, como um exemplo de planejamento focado no uso social da cidade pelas pessoas. Segundo conta, há um projeto para a mobilidade que contempla o uso dos espaços de modo efetivo, sem a priorização dos veículos automotores particulares.“E lá é um projeto que ultrapassa as gestões, sai um governo e entra outro e mantém essa ideia. Aqui não, cada um que entra tem uma ideia diferente em detrimento aos outros. Única coisa que permanece é este privilégio aos carros e motos.”Nilton Lima reforça que também é necessário ao poder público cuidar dos equipamentos públicos para que as pessoas utilizem as praças e possam preferir a manutenção delas. “Precisa de um espaço e qualidade, tem que revitalizar, dar um acesso seguro, melhor que seja no nível da rua para ter maior segurança”, avalia. Para Lima é possível dar uso às praças na capital e há exemplos disso, como o que foi feito por um tempo na Praça do Triângulo, no Setor Alto da Glória, com a instalação de uma feira semanal com trailers com venda de alimentos. Outro exemplo é a revitalização feita na Praça do Jacaré, no Crimeia Oeste, que fez com que a população adotasse o local.Leia também: - Após inauguração, trânsito no novo Viaduto da BR-153 será liberado na segunda-feira (30)- Grafite pode substituir cobertura de placas de viadutos, na Avenida 85, em Goiânia- Ciclovias se deterioram em Goiânia-Imagem (1.2463407)