“Oi, Milleny do futuro!” Foi assim que a adolescente Milleny Lopes Costa iniciou uma carta que escreveu para si mesma aos 16 anos e que esperava ler aos 18, mas não teve tempo. Ela morreu em setembro de 2020 aos 17 anos após ter o intestino perfurado em procedimento cirúrgico realizado no Hospital Goiânia Leste, em Goiânia. O caso foi investigado pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) da capital que indiciou o gastroenterologista Wilson Moises Oliveira Martins por homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A família decidiu pela ação judicial na esperança de que não se repitam casos como o que vitimou a adolescente. Lidando com o vazio deixado pela filha primogênita, a empresária do ramo de combustíveis Ruth Lopes Vieira, ex-candidata à prefeita de Senador Canedo pelo PP, acionou o escritório de advocacia Tayrone de Melo. “A minha indignação veio com a dor da perda. Eu não poderia deixar isso passar em branco. O que eu quero é evitar que novos casos ocorram e ficar confortável por ter feito algo por ela”, diz a empresária enquanto revê fotografias de Milleny e escritos deixados pela adolescente, como uma carta que ela escreveu a um marido que ela teria um dia. Ruth chora muito ao lembrar dos dias que antecederam a morte da filha.No dia 10 de julho do ano passado Milleny sentiu dores abdominais. A mãe decidiu procurar o médico Almir Cândido, que também integra a equipe do Hospital Goiânia Leste, com quem tinha feito pouco tempo antes um procedimento cirúrgico para retirada de pedra na vesícula. O médico indicou a mesma cirurgia para a adolescente, ficando marcada para o fim do mês, mas pelos riscos provocados pela pandemia da Covid-19, optou por medicá-la em casa até que houvesse um cenário favorável. Diante do ressurgimento das dores, a cirurgia foi feita no dia 20 de agosto por videolaparoscopia. O drama maior começou no dia 2 de setembro quando Milleny voltou a reclamar de desconforto abdominal e foi levada novamente ao hospital. Ruth conta que o médico Almir Cândido fez o primeiro atendimento, mas comunicou que como tinha viagem marcada para o dia seguinte, deixaria Milleny sob os cuidados do colega Wilson Moisés. Este médico viu a necessidade de novo procedimento cirúrgico, o que ocorreu no dia 4. As dores continuaram quando a menina voltou da anestesia e analgésicos mais potentes foram ministrados. Cansada e acreditando que o pior havia passado, Ruth deixou a filha com a irmã e foi passar a noite em casa. “Minha irmã ligou cedo, no dia seguinte, dizendo que ela não estava bem. Quando cheguei ao hospital o médico estava realizando um procedimento cirúrgico dentro do quarto.” Em depoimento no inquérito policial, Wilson Lopes disse que realizou uma Colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE) em Milleny para melhorar a drenagem da via biliar. Ele confirmou que o procedimento, embora invasivo, feito por via endoscópica, poderia provocar perfuração na região intestinal. No dia seguinte, ao passar pelo quarto da adolescente percebeu a piora clínica, por isso a opção por realizar ali mesmo um acesso central para colocação de um cateter. Segundo ele, a adolescente apresentou melhora, mas a mãe optou por transferi-la de hospital.Fotos anexadas ao inquérito mostram Milleny com alta sudorese. “Eu fiquei assustada porque não pediram minha autorização”, relata Ruth Lopes. “Minha filha estava com o abdome inchado e muito fraca. Eu e minha irmã fomos chamadas pelo médico para conversar e ele disse que estávamos atrapalhando o psicológico dela.” Inconformada, a mãe decidiu pedir a ajuda de uma amiga médica intensivista que levou Milleny para o Hospital do Coração onde ela deu entrada na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) em estado gravíssimo no fim da manhã do dia 5 de setembro. Relatórios médicos anexados ao inquérito mostram uma movimentação intensa para salvar a vida da menina, que precisou ser entubada. Diante da constatação da perfuração intestinal, uma equipe médica do Hospital do Coração realizou novo procedimento cirúrgico, mas o organismo da adolescente já estava tomado por uma infecção generalizada. Milleny morreu às 20 horas do dia 6 setembro. “Minha filha tinha feito uma programação para a vida dela e não teve tempo”, afirma Ruth, que se refugiou nas orações para enfrentar a dor.Divorciada do empresário Célio Cândido, pai de seus filhos, Ruth conta que mantém intacto o quarto de Milleny e divide a saudade com o caçula Fellipe, de 14 anos. “Ela cuidava dele como se fosse uma mãe. Nos remédios dele ficaram orientações dela de como proceder”, detalha. A primogênita, segundo a mãe, era um ponto de equilíbrio para a família e para os amigos. “Choro de saudade, mas sei que ela está em um bom lugar e teria sofrido muito com tudo o que está acontecendo.”