O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) recomendou à Polícia Civil que as investigações de mortes decorrentes de intervenções da Polícia Militar ocorram com mais rigor. Procedimentos mais detalhados como perícias e exames cadavéricos nem sempre são feitos, o que fragiliza os inquéritos. A promotoria de Anápolis já havia feito uma recomendação com o mesmo teor.De acordo com o MP, o documento mais recente é fruto do aumento do número de mortes de civis em ações de policiais.Na recomendação, assinada dentre outros promotores por Felipe Oltramari, que é o coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial (NCAP), o órgão aponta a necessidade de que as armas dos agentes sejam apreendidas e submetidas a exame pericial.No termo também é orientada a requisição de documentos complementares do laudo cadavérico para determinar a posição da vítima no momento em que foi morta. O documento é direcionado à Diretoria-Geral da Polícia Civil (DGPC).Um dos destaques é a recomendação para que a autoridade policial compareça ao local da ocorrência assim que for notificada do fato, providencie o isolamento e faça o requerimento das perícias necessárias, inclusive a de onde ocorreu o suposto confronto policial, com ou sem a presença física da vítima.Leia também:- Homem em aparente surto psicótico é morto em ação policial no Jardim América, em Goiânia; veja vídeo- Peritos fazem simulação de abordagem policial que resultou em morte de jovem com câncer nos ossos- 3 a cada 10 mortes violentas em Goiás são por ação policialNo caso da ação policial que vitimou quatro pessoas em Cavalcante, em janeiro deste ano, a perícia do local, mesmo dias após a ação policial, contribuiu para verificar a existência um buraco de bala no solo, vindo de cima para baixo. Ele estava envolto de sangue, o que demonstrou que um corpo foi alvejado ali anteriormente.Também foi pedido para que o exame para determinar a causa da morte seja obrigatório, assim como o exame interno do corpo da vítima, acompanhado de documentação fotográfica. Imagens e o registro da movimentação das viaturas envolvidas na intervenção policial também devem compor o inquérito. O documento recomenda ainda que a comunicação do fato ao MP-GO aconteça num prazo máximo de 24 horas.Outra recomendação é para que seja feita a reprodução simulada dos fatos, que costumam ocorrer apenas nos casos de maior repercussão como foi o da morte de Chris Wallace, de 24 anos, em Goiânia. O jovem, que tinha câncer nos ossos, teria sido agredido por dois policiais militares. Ele passou mal, foi internado e morreu seis dias depois. O episódio aconteceu em novembro de 2021, mas a simulação só ocorreu em abril deste ano.Intervenções policiaisNa última semana, na terça-feira (2), José Carlos Alves de Coimbra, de 49 anos, foi morto durante uma ação policial no Jardim América, em Goiânia. Aparentemente, o ex-lutador de MMA estava em uma espécie de surto psicótico. Imagens feitas por transeuntes mostram momentos em que o homem se ajoelha no chão com as mãos na cabeça. Em um determinado instante, ele chega a se deitar. Depois, José Carlos salta sobre a viatura, pula e danifica a lataria e, já no asfalto, dá uma cambalhota no chão. Ele finaliza com uma pose de luta.A gravação também mostra os policiais nesse momento fora da viatura com as armas apontadas para o suspeito. Depois disso, o homem corre por trás da viatura em direção aos policiais e dois tiros são efetuados. Contudo, os disparos não são filmados. O POPULAR consultou especialistas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSG) e do Instituto Sou da Paz que afirmaram que a morte poderia ter sido evitada caso a polícia tivesse usado equipamentos de menor potencial ofensivo para conter o homem como, por exemplo, armas de eletrochoques e spray de pimenta.A PM foi questionada se faz o uso de spray de pimenta e de armas de incapacitação por eletrochoque em ações policiais e se os agentes que estavam na ocorrência de José Carlos tinham esses equipamentos à disposição. Além disso, também foi perguntado se os membros da corporação recebem treinamento específico para abordar pessoas em surto psicótico. Porém, não houve resposta.Em 2021, 576 pessoas foram mortas em Goiás em decorrência de intervenções de policiais, sendo a maioria delas pela Polícia Militar (veja quadro). De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública deste ano, Goiás foi o terceiro estado com a maior taxa de mortalidade por 100 mil habitantes em intervenções policiais civis e militares em 2021, perdendo apenas para o Amapá e Sergipe. Enquanto a taxa do Brasil foi de 2,9, Goiás registrou 8.Polícia CivilNo documento que o MP-GO enviou à Polícia Civil também foi recomendado ao diretor-geral da instituição, Alexandre Pinto Lourenço, celeridade nas investigações de mortes decorrentes de intervenções policiais, desde a comunicação dos fatos à autoridade policial até a conclusão por parte da polícia judiciária. Para isso, foi sugerido que ele baixe uma portaria sobre o assunto, a ser observada por todos os delegados da Polícia Civil do estado.Em entrevista à rádio CBN Goiânia nesta terça-feira (9), Lourenço disse que a recomendação foi uma surpresa e que esses procedimentos fazem parte da atuação padrão da Polícia Civil. “Entendemos que é uma preocupação do Ministério Público, como é nossa também”, apontou. O delegado também comentou o caso da morte de José Carlos, na semana passada, em ação policial. “A arma de fogo seria o último dos instrumentos a ser utilizado naquela ocorrência. Entendemos que pode ter havido abuso ali assim, mas temos de aguardar o desfecho das investigações”, finalizou.