Em meio ao processo de saída da Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc) da gestão das três maternidades municipais de Goiânia, Angelita Pereira de Lima, reitora da Universidade Federal de Goiás (UFG) – instituição à qual a fundação é ligada –, defende que a Fundahc promoveu um bom trabalho à frente das unidades de saúde, com limitações impostas por repasses insuficientes por parte da administração municipal.Após enviar uma petição extrajudicial à Prefeitura de Goiânia pedindo que a dissolução dos convênios entre a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a Fundahc seja feita de forma consensual, Angelita advoga por uma solução negociada que garanta o pagamento da dívida milionária que a administração municipal possui com a Fundahc. A reitora, que não exclui a possibilidade de novas parcerias com a Prefeitura, destaca que a fundação continua prestando outros serviços de excelência mesmo com a chegada ao fim dos convênios de gestão das maternidades. Como a UFG avalia o trabalho da Fundahc frente à iniciativa de distrato promovida pela Prefeitura?Primeiro, sobre o distrato, a rescisão do convênio, a Prefeitura é livre para escolher o modelo de gestão das maternidades, porque ela é a responsável pela política pública. Não é esse o problema. É claro, existem muitos anos desse convênio realizado com a Prefeitura na gestão das maternidades. Têm acúmulos (financeiros) importantes. Esse fato de que a Dona Iris é a única maternidade que tem, por exemplo, uma residência médica em ginecologia e obstetrícia. A qualidade e a quantidade de exames que fazem os recém-nascidos, nas maternidades geridas pela fundação, são em número superior aos dos bebês nascidos em maternidades de outras instituições, inclusive privadas. Nesse contexto, não podemos desconhecer que toda essa gestão (da Fundahc) tem sido marcada, nos últimos tempos, sobretudo na gestão anterior (da Prefeitura), pela irregularidade ou pelo irregular repasse dos valores do convênio. Isso gerou uma situação de extrema dificuldade para a fundação. Mas a fundação não mediu – e não tem medido, até hoje – esforços para manter o serviço a despeito do não repasse, atraso do repasse e, agora, da redução do valor do repasse para a gestão das maternidades. Levando em conta esse cenário, qual o intuito da notificação extrajudicial enviada pela UFG para a Prefeitura na última semana?A Prefeitura encaminhou uma notificação à Fundahc indicando a rescisão unilateral. A Fundahc informou a UFG. A UFG, então, notificou a Prefeitura pela nulidade, porque o convênio é tripartite: é entre a Prefeitura, a fundação e a universidade. Ato contínuo, a SMS notificou a UFG nos mesmos termos, pela rescisão unilateral por descumprimento de cláusulas do convênio. E aí, fizemos a petição extrajudicial à Prefeitura para mudar a forma da rescisão do distrato. Porque essa forma unilateral por descumprimento não é adequada, não será a forma eficaz e não está correspondente à natureza das relações entre as três instituições. Por isso, fizemos a petição extrajudicial, ou seja, direcionada à Prefeitura, demonstrando nossa disposição para negociação. Para promover o distrato, a Prefeitura alega problemas no modelo atual de convênio com a Fundahc, além de descumprimento de metas assistenciais e uso indevido de verbas do fundo rescisório. A UFG discorda dessa argumentação?Em relação às alegações, elas não correspondem à realidade dos fatos. Por exemplo, em momentos de extrema dificuldade, porque a Prefeitura atrasou dois, três meses de pagamento, a Fundahc lançou mão dos recursos do próprio convênio que teriam destinações outras, como o fundo rescisório, para poder impedir o fechamento das maternidades ou não parar os serviços essenciais e fundamentais. Isso aí é um extremo e uma decisão tomada no fundamento de que, se uma vida corre risco, todas as ações que estiverem ao alcance da instituição devem ser tomadas para salvar a vida das pessoas. Então, alegar que houve uso do recurso em desacordo com os termos do contrato não corresponde à verdade. A Fundahc tem sido muito guerreira, comprometida e compromissada (…) Por isso, adotamos essa ação (petição extrajudicial). Estamos aguardando, há um prazo regimental, para que a Prefeitura responda positivamente a esse chamado para uma rescisão negociada e consensuada. É fato que, atualmente, as maternidades estão prestando apenas atendimentos de urgência, sendo que na Célia Câmara sequer estão sendo realizados partos. Tudo isso é advindo da falta de repasses insuficientes por parte da administração pública?Sim. A Prefeitura reduziu de R$ 20 milhões para R$ 12 milhões (...) A Prefeitura requereu que fossem reduzidos os serviços. Antes de ter a planilha de redução de serviços, ela reduziu o repasse dos recursos. Ela impõe, com isso, a redução de serviços. Ela não cumpre o que está previsto, que é o repasse, o valor estabelecido pelo convênio, que é o valor de R$ 20 milhões para a manutenção das três maternidades. Essa redução, volto a dizer, foi uma redução requerida pela Prefeitura. Reduziu recursos e, obviamente, com isso, ela sabia, sabe, sempre soube, que viria a redução de alguns serviços. Ainda assim, os serviços prestados são de alta qualidade, muito importantes e que têm um impacto fundamental para a vida das pessoas.A senhora lamenta pela forma como as tratativas foram conduzidas pela Prefeitura?Tenho de lidar com a situação de maneira institucional e não passional. De maneira institucional, estamos atuando de modo a preservar a instituição UFG, porque não pode haver uma alegação inverídica de que ela é parte de um convênio que usa indevidamente recursos e, da mesma maneira, a Fundahc não pode estar diante de alegações de que está fazendo uma gestão em desacordo com o convênio. A senhora aponta, em diversos momentos, a qualidade do serviço prestado pela fundação. Levando isso em consideração, acredita que a opção da Prefeitura pela rescisão foi uma escolha política?Não me cabe fazer esse julgamento. Ela é a contratante. É livre para isso. Por isso, nossa petição é uma petição que questiona a forma da rescisão. O que nos interessa é que a rescisão não pode ser unilateral por descumprimento. Tem que ser consensuada. Não pode servir de instrumento para um possível não pagamento da dívida. A Fundahc cobra uma dívida de R$ 158,5 milhões da Prefeitura. A UFG teme que a gestão municipal não pague o valor devido?Não é uma questão de temor. O devedor, se ele alega que não tem como pagar, tem de apresentar a forma. Como a dívida é muito alta, não se resolve isso se não for por meio de negociação, diálogo e estabelecimento de procedimentos que sejam viáveis. Mas a UFG acredita que a Prefeitura vai quitar esse débito?Acreditamos na negociação. É uma dívida que está registrada mediante convênio assinado. Então, a dívida é de um serviço prestado. Isso não se apaga. Temos de encontrar a melhor forma para que essas três instituições relevantes saiam dessa negociação, desse distrato dos convênios, preservando o que de melhor essa relação produziu. Da nossa parte, temos muito a contar. Produzimos coisas muito boas. A Fundahc está à frente das maternidades há anos. Na Dona Iris, o trabalho começou em 2012, ou seja, 13 anos atrás. Qual a avaliação da universidade sobre o trabalho desenvolvido pela Fundahc nas maternidades municipais durante esse período? Todas as vezes que a gente visita as maternidades, os depoimentos são emocionantes. Reconhecimento não só das mães e das famílias, mas também do corpo técnico. Médicos, enfermeiros. É um legado. O serviço foi entregue?Continua sendo entregue, porque o convênio não acabou. Está vigente ainda. Estamos atuando na vigência do convênio. Uma coisa é conduzir administrativamente o distrato, o fim do convênio; outra coisa é conduzir o serviço. E como fica a Fundahc neste momento de mudança de gestão?Volto a repetir: a Prefeitura é quem contrata e se ela não quer manter esse modelo de administração, não podemos dizer que ela tem de manter. Agora, a fundação é uma fundação de apoio à universidade. Ela não faz só esse tipo de serviço, a gestão das maternidades. Gerencia projetos de pesquisa de alta relevância para a saúde no País, no Estado de Goiás. Por exemplo, as ações do Cerof (Centro de Referência em Oftalmologia da UFG). A fundação, ela permanece sendo uma fundação de apoio da UFG, e uma fundação que faz a gestão de projetos de muita relevância e importância. Caso seja do desejo de todas as partes, existe a possibilidade de voltar a trabalhar juntos?Por isso estamos insistindo na negociação, no diálogo. São instituições que, em diferentes situações, vão permanecer atuando de forma colaborativa e conveniada. Por isso, fizemos a petição e estamos mostrando nossa disposição para o diálogo, negociação e consenso. Porque temos muitos outros projetos em andamento com a própria Prefeitura. Alguns, gerenciados ou administrados pela Fundahc ou pelas outras duas fundações de apoio da universidade. Isso não acaba. Isso permanece. Por isso que o chamado à atuação republicana das três instituições é fundamental. Por exemplo, o PDDU, que é o Plano Diretor de Drenagem Urbana, está sendo gestado dentro da UFG e é gerido por uma das nossas fundações. Não podemos deixar que essa ação pontual, embora muito relevante, signifique um ponto final entre as três instituições. Estamos zelando, cuidando para preservar essa relação com a potência que ela precisa ser preservada.