Mulher do médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, de 76 anos, Ana Keyla Teixeira Lourenço, de 40 anos, negou que tivesse conhecimento de armas e munições encontradas em dezembro do ano passado na residência do líder religioso, em Abadiânia, cidade a 80 quilômetros de Goiânia. Na casa, cinco armas foram encontradas em um quarto pela Polícia Civil de Goiás, que cumpria mandado de busca e apreensão. Uma delas estaria em uma gaveta de peças íntimas da depoente. Ambos são réus por posse ilegal de arma de fogo por este caso.Ana Keyla foi ouvida pela juíza Rosângela Rodrigues durante cerca de uma hora, no início da tarde desta quinta-feira (4), no Fórum de Abadiânia. Até pouco antes das 13h30, quando tiveram início os procedimentos, a presença de João de Deus era aguardada. Porém, o réu não pôde ser levado até o local, segundo o Grupo de Escolta Penitenciária, devido a seu estado de saúde. Ele está internado no Instituto de Neurologia de Goiânia.Durante a audiência, ela afirmou que só soube da existência de uma arma em sua gaveta de roupas no dia em que teve de prestar depoimento sobre o caso. A mulher disse ainda que “não tolera armas” e que “não permitiria” a presença de armamento em seu lar, devido à filha de 3 anos, caçula do médium.A companheira de João de Deus ressaltou que a família não vivia mais na residência em que os itens foram encontrados, servindo apenas como local de “apoio”. Mais recentemente, eles viviam em Anápolis. Em tal endereço, contudo, também foram encontradas armas.As informações acerca do teor do depoimento de Ana Keyla são do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO). Profissionais de imprensa não tiveram acesso à sessão. Após a audiência, a mulher saiu pela porta dos fundos e deixou o Fórum sem dar entrevistas.Em janeiro deste ano, quando ocorreu o indiciamento de ambos pelo crime, a delegada Karla Fernandes, coordenadora da força-tarefa da Polícia Civil de Goiás, afirmou que Ana Keyla declarou em seu depoimento que não tinha conhecimento das armas e que nunca as tinha visto. Porém, de acordo com a policial, a arma estava em uma gaveta em um quarto em que o casal dormiria. “Ela vai ter que provar em juízo que não tinha conhecimento das armas”, afirmou, à época.TestemunhasAlém da mulher do líder religioso, duas testemunhas favoráveis a João de Deus e Ana Keyla foram ouvidas. O interrogatório de outras quatro também estava previsto, mas elas foram dispensadas pela defesa.Funcionária da residência do médium há oito anos, Maria de Fátima Lobo acompanhou o trabalho de busca e apreensão executado pela Polícia Civil de Goiás na ocasião em que as armas foram apreendidas. Segundo ela, o armamento foi encontrado em um dos dois guarda-roupas que estavam em um quarto e em um baú de madeira. O referido armário seria de utilização de João de Deus, pois nele, conforme afirmou, estariam suas roupas. Na gaveta, haveria cuecas e meias masculinas. O outro móvel, de acordo com a testemunha, seria de utilização da mulher.Segundo o TJ-GO, a empregada relatou que as armas estavam “bem guardadas” dentro de várias sacolas plásticas e que não haveria “a menor possibilidade” de elas terem sido colocadas no local por terceiros.Ao término da audiência, o advogado Renato Martins, que representa o médium, falou sobre o depoimento. “O que eu posso dizer é que a testemunha que acompanhou a busca e apreensão informou que uma das armas que ela presenciou a apreensão estava em uma gaveta de roupas íntimas de cuecas e meias do senhor João de Deus, e não, como diz a denúncia, em uma gaveta de roupas íntimas da esposa do senhor João de Deus”, afirmou Martins.O POPULAR apurou que a testemunha é irmã de Francisco Lobo. Chico Lobo, como é mais conhecido, é auxiliar direto de João de Deus há 14 anos na Casa Dom Loyola, onde o médium realizava os atendimentos.O terceiro depoimento da tarde foi de Lúcio Cardoso, funcionário da Casa Dom Inácio há 11 anos. Em uma breve declaração, ele relatou nunca ter visto nenhum dos réus ou qualquer outra pessoa armada no centro espiritual.Réu só deve falar após receber altaInternado no Instituto de Neurologia de Goiânia desde o dia 22 de março, João de Deus não deve prestar depoimentos na unidade de saúde. Advogado de defesa do médium, Renato Martins afirmou que a juíza Rosângela Rodrigues, da Comarca de Abadiânia, determinou que “nenhum tipo de interrogatório” seja feito no hospital, pois o objetivo de sua estadia no local será cuidar da sua saúde. Assim, ele deverá ser ouvido no processo por posse ilegal de arma de fogo, no qual é réu, apenas quando retornar para o Núcleo de Custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, onde estava preso desde o último dia 16 de dezembro. “Ele terá de ser interrogado, mas se encontra internado. Não está bem de saúde. A juíza determinou que se aguarde o restabelecimento da saúde dele para que seja interrogado”, afirmou o defensor. “Ele tem o direito de ser ouvido e não há pressa nenhuma”, complementou.A internação foi determinada pelo ministro Nefi Cordeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 21 de março, atendendo ao pedido da defesa do preso. O período inicial de tratamento seria de quatro semanas.A ele já foi negado habeas corpus em caráter liminar na Justiça de Goiás e no STJ, impedindo sua transferência para prisão domiciliar.Questionado sobre o estado de saúde do médium, o advogado afirmou que “está doente”, “depressivo” e com “problema psicológico e psiquiátrico grave”. “Temos notícias de que ele caiu no hospital e se machucou”, mencionou.Posição da defesaMartins voltou a defender a tese de que as armas encontradas nas residências do líder religioso eram oriundas de fiéis e frequentadores da Casa Dom Inácio de Loyola que se desfizeram delas após serem ajudados por João de Deus, algo que diz já ter sido explicado pelo réu. “Uma (arma) ele tirou de uma mulher que queria matar o marido. Outras foram pessoas que acabaram entregando a arma para ele dizendo: ‘Você salvou a minha vida. Está aqui a minha arma’. Ele acabou guardando essas armas, mas nunca usou e nunca teve a intenção de usar nenhuma delas”, argumentou.João de Deus é réu em duas ações por violação sexual e estupro de vulnerável, por posse ilegal de arma de fogo e pelos crimes de coação de testemunha e corrupção ativa em um caso ocorrido em 2016. Neste último, porém, ele foi beneficiado com habeas corpus.