Atualizada às 22h13Os 17 municípios de Goiás que decretaram situação de emergência no início do ano por causa dos efeitos das chuvas derrubaram 8.410 km² de Cerrado de 2001 a 2020. A área equivale a 11 vezes o tamanho de Goiânia. Os dados são de um levantamento feito pelo POPULAR no sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Especialistas em meio ambiente afirmam que a perda de vegetação deixa os locais mais vulneráveis aos efeitos de tempestades.Juntos, os territórios dos municípios correspondem a 14,3% da área de Goiás. Mas a soma do desmatamento neles equivale a 18,2% do total ocorrido no estado dentro das duas décadas verificadas. Um dos pontos que chama a atenção nos dados é que, em alguns deles, a derrubada foi equivalente a até 40% do território. É o caso de Iaciara, no Nordeste goiano, região onde o problema das enchentes se concentrou. O município tem, segundo o IBGE, área de 1.550 km², mas 610,6 km² de vegetação foram retirados nas últimas duas décadas.Outras localidades também tiveram perda de vegetação significativa: Flores de Goiás (31,3%), Divinópolis (29,3%), cidade de Goiás (26,2%) e Guarani de Goiás (23,3%) (veja quadro).As chuvas ocorridas no Nordeste de Goiás neste ano são consideradas pela meteorologia como acima da média histórica (1981-2010) em muitos municípios. Prova disso foram os dados divulgados pelo POPULAR no último dia 9. Àquela altura, sete municípios já haviam recebido 58% do total de precipitações previsto para todo o mês de janeiro. Tamanho volume em curto espaço de tempo dificilmente não provocaria impactos. O professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG) Diego Tarley Ferreira Nascimento classifica as precipitações como “atípicas”. “Está havendo um volume descomunal de chuva no Norte e Nordeste de Goiás neste ano”.Nascimento considera que o desmatamento não justifica a situação do Nordeste goiano, mas faz uma ressalva. “Se há cobertura vegetal, as raízes vão auxiliar na infiltração da água no solo, a água consegue infiltrar com mais facilidade. Sem vegetação, a água vai ter mais dificuldades de permear, ela vai acumular e contribuir para alagamentos e inundações.” Ele também pontua que a copa das árvores reduz o impacto das gotas d’água.“O desmatamento e a redução da cobertura vegetal aumentam o impacto mecânico da chuva sobre o solo, acarretando erosão e reduzindo a infiltração de água no solo. Isso aumenta o escoamento superficial e fluxo de água”, explica a professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante.A professora salienta que a ocupação incorreta do solo também afeta a questão. “Da mesma forma, o assoreamento de cursos de água e a deposição incorreta de resíduos amplificam os impactos de enchentes.”No caso do Nordeste de Goiás, os danos abrangeram tanto a zona urbana como a rural. A cidade de Goiás teve elevação do Rio Vermelho e a administração municipal decretou situação de emergência enquanto monitorava o manancial. Felizmente, o mesmo permaneceu dentro da calha.Apesar da significativa área desmatada nos últimos anos, a Região Nordeste de Goiás ainda é uma das mais preservadas do estado. Lá estão reservas importantes, como o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.Mercedes afirma que as cidades estão ainda mais vulneráveis às inundações, por causa da impermeabilização do solo associada à “falta de planejamento urbano que considere os fluxos de água e as consequências da mudança do clima.”MudançasNo meio urbano, outro ponto que pode agravar a questão são as reduções nas áreas de preservação permanente (APPs). A Lei Federal º 14.285/21 flexibilizou, em alguns casos, a aplicação do conceito de APP. Em Goiânia, o novo Plano Diretor também contém mudanças que visam a tornar o respeito às faixas de segurança menos rígido.Neste ano, o Nordeste sofreu com quedas de parte de rodovias, pontes foram arrastadas e estradas não pavimentadas ficaram intransitáveis. Como consequência, distritos e comunidades quilombolas ficaram isolados. Nestas circunstâncias, algumas comunidades ribeirinhas foram afetadas, tendo de os moradores deixarem as habitações. Com os problemas, voluntários se apresentaram para levar comida e remédios às pessoas atingidas pelos temporais. Ações de recuperação ainda estão em atividade, após a redução das chuvas, provocada pelo veranico de janeiro, fenômeno normal no verão.Pessoas devem ficar alertasCapitão do Corpo de Bombeiros de Goiás (CBM-GO) e membro da Defesa Civil, Ricardo Oliveira afirma que, de maneira geral, as residências socorridas durante os temporais não ficavam em áreas alagáveis. Apesar disto, ele cita que o município de Flores de Goiás foi onde verificou mais moradias ribeirinhas. O militar afirma que quem reside nestes locais deve ficar atento às previsões. “As pessoas que moram em uma zona de risco já sabem que o perigo envolve a vida delas, neste momento de chuvas de grande potencial, de grande volume, é importante estar atento para que não ocorra o pior”, orienta.Ele relata que no município de Cavalcante há muitas residências feitas de adobe, tijolo rústico e que encharca mais facilmente. Esta condição fez com que muitas moradias tivessem de ser interditadas pela Defesa Civil. Alguns estragos ainda são avaliados.Professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante diz que o ordenamento das moradias deve ser levado a sério. “A ocupação incorreta do solo também afeta áreas úmidas, várzeas e planícies de inundação de cursos de água agravando enchentes.”Corredor fica em local diferenteOs volumes de chuvas deste ano, que não são frequentes na Região Nordeste de Goiás, tiveram como motivo, entre outros fatores, o posicionamento do corredor de umidade sobre os municípios de lá. Normalmente, explica o gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), André Amorim, este “corredor” geralmente atua com maior ênfase em outras faixas do território de Goiás, como Centro-Sul e Sudoeste. Além do Nordeste de Goiás, o corredor também tem influenciado as chuvas no Sul do estado do Tocantins.“Nós temos também a atuação da La niña, que consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico, que ajuda a aumentar a intensidade das precipitações”, diz Amorim.O chamado corredor de umidade é tecnicamente conhecido como zona de convergência do Atlântico (ZCAS), que é o principal sistema encarregado das chuvas nas regiões Central e Sudeste do Brasil.O professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG) Diego Tarley Ferreira Nascimento explica que a atuação da La niña é normal e pode se repetir em outros anos, assim como o El niño, fenômeno oposto. “A La niña aumenta as chuvas na porção superior do Brasil. Nós temos, por exemplo, o Sul sofrendo com uma seca muito forte no momento”, detalha.Ele acrescenta que quando há atuação significativa do El niño ocorre o contrário. O Centro-Oeste, por exemplo, tem menos precipitações.Nascimento alerta que diante das variações naturais das chuvas entre um ano e outro, faz-se mais necessário o planejamento e a aplicação de políticas públicas que contenham os efeitos das circunstâncias. “No Brasil, a gente espera o desastre para depois pensar em uma medida de contenção e minimização do impacto, e não o contrário”.-Imagem (1.2390918)