Não há embasamento para sugerir que vacinados contra a covid-19 realizem o exame dímero-D. Essa hipótese é feita por uma mulher em um áudio que circula no WhatsApp. Especialistas ouvidos pelo Comprova alertam que não há essa recomendação e que as vacinas são seguras.O exame de dímero-D sozinho não permite diagnosticar uma trombose. Ele é comumente prescrito para pessoas que já apresentam quadro clínico para essa condição ou para avaliar se pacientes estão reagindo bem a tratamentos anticoagulantes.O áudio cita o imunizante da Pfizer, mas este não tem como efeito adverso a ocorrência de quadros trombóticos. Além disso, não é possível relacionar uma trombose com uma vacina sem que o caso passe por rigorosa investigação médica e das autoridades da saúde.Este conteúdo foi considerado enganoso pelo Comprova porque usa dados imprecisos.Como verificamos?A verificação deste conteúdo foi realizada em duas etapas. Inicialmente, o Comprova investigou o áudio do WhatsApp. Nele, uma mulher afirma que o marido teria sido atendido no “Hospital do Coração”.Entramos em contato com as instituições com esse nome, em São Paulo e em Goiânia, mas a falta de dados do áudio não permitiu a identificação do caso citado.Na segunda etapa da verificação, o Comprova apurou se o exame dímero-D possibilita a detecção de trombose e se seria possível associar algum imunizante da covid-19 ao caso descrito. O Comprova consultou estudos científicos, além de entrevistar especialistas.A reportagem falou com Guilherme Furtado, líder médico da Infectologia do HCor e o professor de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG), Aguinaldo Freitas Júnior.A equipe também procurou pela Pfizer, uma vez que, no áudio, a farmacêutica é citada, mas não houve retorno.O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 17 de dezembro de 2021.VerificaçãoO exame dímero-DPara saber como funciona o exame dímero-D, é preciso entender uma proteína chamada fibrina. Ela é responsável por dar consistência aos coágulos sanguíneos. Nosso organismo tem um sistema de controle para produzir fibrinas quando necessário e também para quebrá-las. O acúmulo de coágulos pode causar danos ao sistema circulatório como AVC ou trombose.O dímero-D detecta a quantidade de fibrinas fragmentadas no sangue. Uma alta quantidade indica, indiretamente, que esteja havendo formação excessiva de coágulos, o que sugere um quadro trombótico.A mulher afirma no áudio que levou seu marido a fazer o exame dímero-D mesmo sem ele apresentar nenhum sintoma. Esta prática não é comum, segundo o líder médico da Infectologia do HCor, Guilherme Furtado. “O paciente chega no pronto-socorro com o quadro clínico sugestivo, como dor na perna ou perna inchada, e faz o dímero-D”, explica. Isso ocorre porque muitos fatores podem causar certas oscilações na concentração do dímero-D, como uso de determinados medicamentos ou até mesmo a presença de uma infecção mais grave, como a pneumonia.O exame de dímero-D, isoladamente, não pode afirmar que um paciente esteja com um quadro de trombose ou embolia pulmonar, diz Aguinaldo Freitas Júnior, professor de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG). Pacientes em pós-cirurgia, idosos e gestantes podem apresentar aumento de dímero-D na corrente sanguínea. “Um dímero-D normal afasta o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar. Um dímero-D aumentado não confirma o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar, porque o resultado pode vir aumentado em várias situações.”Caso sem contexto não permite estabelecer relação com o imunizanteFreitas afirma que não há comprovação científica alguma de relação entre a vacina da Pfizer e alteração neste tipo de exame. “E mesmo que a vacina provocasse o aumento isolado do dímero-D, isso não quer dizer que esse paciente está com risco maior de tromboembolismo pulmonar.” O médico ressalta também que não há motivo para recorrer a este exame após tomar o imunizante porque alterações no resultado não podem ser analisadas isoladamente e podem ocorrer por diversos motivos.Como o Comprova já mostrou, casos de trombose e embolia pulmonar não estão relacionados à vacina da Pfizer contra a covid-19. A bula informa que as reações mais comuns são dor e inchaço no local da injeção, cansaço, dor de cabeça, diarreia, dor muscular, dor nas articulações, calafrios, febre. Em menor grau (menos de 1% dos imunizados), também é possível ocorrer um aumento dos gânglios linfáticos, coceira, urticária, angioedema, diminuição do apetite, dor nos membros, insônia, letargia, suor excessivo, fraqueza, mal-estar e prurido no local de injeção. E em casos raros (ocorrem entre 0,01% e 0,1% das pessoas), é possível ocorrer paralisia facial aguda.A bula também foi alterada para incluir casos raros de inflamação do músculo cardíaco e do tecido que reveste o coração. Eles ocorreram principalmente em homens jovens, curados sem consequências quando houve atendimento médico.Casos raros de trombose foram observados em imunizados com as vacinas da Janssen e da Astrazeneca. Porém, Furtado lembra que a própria infecção pela covid-19 causa quadros inflamatórios graves e trombose. O risco de se ter um quadro trombótico é maior sendo infectado pela covid-19 do que se imunizando contra ela, afirma. “A vacina serve para evitar que você tenha uma infecção grave pelo coronavírus e que tenha trombose por causa dele.”Um estudo publicado em agosto de 2021 na British Medical Journal (BMJ) mostrou que pessoas não vacinadas e infectadas pela covid-19 têm 200 vezes mais chances de ter trombose venosa do que as pessoas vacinadas.Combo de boatos antigosA mulher que gravou o áudio também reproduz uma série de alegações enganosas e falsas sobre vacinas que já foram checadas pelo Comprova. Ao contrário do que ela afirma, nenhuma das vacinas contra a covid-19 atualmente disponíveis possui grafeno em sua fórmula. Este elemento é atualmente testado em imunizantes como uma forma de potencializar a resposta imune, não sendo utilizado nas atuais vacinas.Ela também coloca dúvidas sobre o perfil de segurança dos imunizantes ao dizer que eles teriam alumínio em sua composição, mas sua alegação não tem embasamento. O alumínio é utilizado em vacinas há décadas em quantidades seguras para a saúde. Ele nunca representou risco para os inoculados, explica o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos.A responsável pelo áudio reproduz a hipótese infundada de que a variante ômicron teria sido inventada para disfarçar eventos adversos graves das vacinas. Como mostrou o Comprova, a nova cepa do coronavírus já foi identificada em ao menos 77 países. Dados preliminares sugerem que ela causa sintomas mais leves do que os observados com variantes anteriores, o que desmente a alegação propagada para desencorajar a imunização.A mulher ainda reproduz a alegação de que a infecção pelo coronavírus garante proteção 7 vezes mais forte do que as vacinas. Esse número surgiu nas redes sociais da descontextualização de dados sobre casos de covid-19 em Israel. Ao Comprova, o Ministério da Saúde israelense negou que seus dados permitam chegar a essa conclusão.Por que investigamos?Em sua quarta fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas e eleições. Como se trata de uma informação publicada em diferentes plataformas — WhatsApp, Telegram e Twitter —, é difícil precisar o real alcance da postagem, em especial no aplicativo de mensagens. No WhatsApp, o áudio foi marcado pela rede social com um aviso de “compartilhado com frequência”.Informações enganosas sobre a pandemia, suas novas cepas e vacinação descredibilizam a eficácia de imunizantes já confirmados por organizações científicas. Por isso, diante do aumento da transmissibilidade de variante ômicron, boatos que descredibilizam qualquer imunizante são perigosos.Em verificações anteriores, o Comprova mostrou que é falso que a ômicron seja uma invenção para mascarar as reações da vacina e que mutações da covid-19 não descartam eficácia e segurança das vacinas.Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.