“Tive Covid-19 em agosto de 2020 e ainda tenho sequela”. O relato do barbeiro Luiz Fernando Nazareth, de 34 anos, morador de Aparecida de Goiânia, é um dos milhares que têm sido acompanhados pela medicina. Diferente dos impactos causados por outros vírus, uma extensa lista de problemas de saúde desencadeados na recuperação do Sars-CoV-2 têm permanecido por anos na vida dos pacientes. As questões são amplas, passando por doenças cardíacas, respiratórias, descontrole hormonal e distúrbios psicológicos.Uma pesquisa da Universidade de Brasília (UnB) e Fiocruz Brasília divulgada nesta semana apontou que 69% dos pacientes seguem com sequelas após o quadro de infecção aguda. Entre as mais frequentes estão ansiedade (80%), perda de memória (78%), dor (77%), falta de atenção (75%), fadiga (73%), queda de cabelo (71%), alterações de sono (70%), alterações de humor (62%) e dor nas articulações (59%).A médica infectologista Marianna Tassara diz que as sequelas podem ser observadas após casos leves, mas que é mais raro, sendo a maior incidência após os quadros graves. Ela diz que o normal é que a recuperação se dê em até quatro semanas. “Se depois desse período você não se recuperar já é considerada uma Covid longa”, destaca. Já sobre as sequelas, a médica explica que elas são sentidas imediatamente após o período de contaminação. “Não temos casos de pessoas que ficaram boas por um tempo e depois de três, quatro meses começaram a apresentar essas sequelas”, afirma.A sequela que acometeu o barbeiro Nazareth pode ser classificada como crônica. Enquanto se tratava da Covid, sentiu falta de ar e muita dor de cabeça, mas não chegou a ser internado. Mais de um mês depois do diagnóstico da infecção, a falta de ar persistia. “Voltei ao médico, ele constatou que eu não tinha mais Covid, mas que tinha desenvolvido uma crise asmática”, conta. O médico do barbeiro explicou que o Sars-CoV-2 desencadeou o quadro de asma. Desde então, ele faz o uso diário da bombinha para asma.O médico cardiologista Humberto Graner explica que apesar de as sequelas já serem esperadas, o tempo de persistência tem impressionado. Ao fazer um paralelo com a dengue e outras síndromes gripais, Graner explica que os impactos ao organismo são revertidos em no máximo seis meses. “O que esperávamos era algo parecido com isso, mas não tem sido. E qual o tempo máximo? Será 3, 4, 5 anos? Ainda não sabemos”, destaca o médico que atua como coordenador do Pronto Atendimento do Einstein Goiânia e acompanha diversos pacientes com sequelas da Covid-19.CardiologiaO cardiologista Leonardo Sara lembra que, embora a Covid-19 seja uma doença inicialmente respiratória, há uma relação próxima com o sistema cardiovascular desde o seu início. Em sua avaliação, isso pode ajudar a explicar os impactos deixados pela doença mesmo após a infecção. “Os estudos têm mostrado que no período de um ano, o que se observou foi um aumento de 50 a 60% do risco de complicação de questões cardiovasculares: infarto, AVC e tipos de inflamações”, cita.As razões para isso, destaca Sara, ainda estão sendo investigadas. “Mas provavelmente tem haver com o descontrole inflamatório do corpo. A hipótese é que estejam envolvidos mecanismos inflamatórios e imunológicos. Isso é, mesmo depois da infecção, a desregulação do sistema inflamatório persiste, o que leva a um aumento de complicações cardiovasculares.”A neurocirurgiã Ana Maria Moura explica que o que tem se observado em sua área é, principalmente, a piora de doenças já existentes. “Se havia o início de demência, isso piorou. Outras como Parkinson, os sintomas se desenvolvem com maior rapidez”, exemplifica. A especialista detalha que o nível do impacto está diretamente relacionado ao grau de Covid-19 que o paciente teve. Ainda assim, diz que há necessidade de atenção para os sinais.“Geralmente é o familiar que vai perceber que tem que repetir a mesma coisa para a pessoa, que ela não está entendendo, que está com déficit de cognição. Normalmente é mais fácil para quem está de fora perceber”, diz Ana Maria.Na avaliação da neurocirurgiã, a aceleração desses problemas pode ser explicada pelo que chama de “chuva de reações” a que o corpo é submetido durante a infecção para tentar se livrar do vírus. No processo de inflamação do corpo há impacto sobre neurotransmissores responsáveis pelo humor, por exemplo. Por conta disso, há casos de piora em quadros de depressão, ansiedade e síndrome do pânico.Para essas questões psicológicas, porém, existem tratamentos efetivos. “Podem persistir por muito tempo, mas vai depender da ajuda. O paciente precisa procurar atendimento, que vai ser feito tanto por um médico como por uma equipe multidisciplinar, incluindo psicólogo e fisioterapeuta, por exemplo”, destaca Ana Maria.Endocrinologia O descontrole hormonal e do metabolismo nesses pacientes é acompanhado pela médica endocrinologista Marília Zanier. Os principais problemas são relacionados à tireoide e diabetes. “Em um dos estudos, a Covid foi associada a um risco de 64% maior do paciente ter diabete”, cita.Os casos de diabetes podem ser de tipo 1 ou 2. “Temos pacientes mais jovens que abriram diabete tipo 1 depois de uma infecção, normalmente de uma infecção mais grave”, conta. A especialista destaca que já existiam outros vírus com o mesmo potencial de desencadear o diabete tipo 1. Para o tipo 2 a explicação é de que o paciente já tinha um fator genético e a Covid acabou desencadeando a doença.Outra alteração verificada pela endocrinologista é a da tireóide, responsável pela produção de hormônios. “O vírus consegue entrar na glândula, e pode acontecer uma tireoidite, que é a inflamação que pode causar uma tireoidite subaguda, como a caxumba e a rubéola”, explica, A infecção que traz impacto sobre a produção de hormônios pode ser regularizada, mas em alguns casos depende de controle crônico.Diagnóstico e tratamentoJunto ao estudo divulgado pela UnB, que mostrou que 69% dos pacientes com quadros agudos mantêm sequelas após três meses, uma nota alerta que 81% dos participantes da pesquisa procuraram algum serviço de saúde para tratar os sintomas persistentes, mas a falta de orientação dos profissionais de saúde sobre as sequelas dificulta o diagnóstico e tratamento adequados.Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 10% a 20% das pessoas com Covid podem desenvolver quadro de Covid longa, o que no Brasil pode representar de 2,8 milhões a 5,6 milhões. No entanto, não há diretrizes ou orientações mais específicas do Ministério da Saúde sobre o quadro.O POPULAR procurou a Secretaria de Estado da Saúde (SES) para perguntar sobre o controle do número de pacientes que tratam sequelas da Covid-19. A pasta informou, no entanto, que não há controle específico sobre esses casos. Leia também:- Goiás deve receber nova remessa de vacinas contra Covid para crianças nesta semana- Goiânia inicia vacinação contra Covid com a 2°dose para crianças a partir de 3 anos; confira pontos-Imagem (1.2600313)