A cada 100 bebês nascidos vivos, um é portador de cardiopatia congênita, um grupo de problemas de saúde que envolve vários tipos de malformações do coração, alguns deles extremamente graves e, sem o tratamento adequado, podem levar à morte em horas após o nascimento. Em Goiás, 10% dos óbitos infantis são ocasionados por este tipo de doença, a terceira causa de morte em neonatos, segundo o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Data SUS). Entre as principais dificuldades enfrentadas pelas famílias estão a falta de diagnóstico precoce e o tratamento adequado em tempo hábil. Nesta quarta-feira (12), foi o Dia da Conscientização da Cardiopatia Congênita.Yhan Borges Camargo tem 9 anos e desde a ultrassonografia morfológica os médicos indicaram que poderia ter algo errado com o coração do menino. A mãe insistiu por um ecocardiograma e no sétimo mês de gestação veio a resposta: Yhan foi diagnosticado com síndrome do ventrículo esquerdo hipoplásico, conhecida como síndrome do meio coração. “Os médicos me disseram que ele 1% de chance de sobreviver e que morreria em menos de 7 dias”, recorda a mãe, Martha Camargo, que é empresária.Martha de desesperou e saiu de Goiás rumo à São Paulo, em busca de outra opinião médica. Ela conta que lá descobriu que o tratamento era de alto custo chegaria a R$ 1 milhão e só era feito de forma particular. “Acionei judicialmente meu plano de saúde e a primeira cirurgia do Yhan foi com 2 dias de vida. A segunda, com 4 meses e a terceira, com 4 anos. Hoje, ele tem 9 anos, faz natação e karatê”, lamenta. Nesta quarta-feira, Martha e outros pais se reuniram com a primeira-dama do Estado, Gracinha Caiado, e com médicos especialistas para cobrar atenção a estas doenças.Emanuela da Silva Henrique nasceu em 18 de fevereiro de 2019, em Jaupaci, a 217 km de Goiânia. Sem plano de saúde, o pai, Rogério Henrique dos Santos, de 33 anos, conta que ele e a mãe optaram por não fazer o ecocardiograma na gestação. O exame é um dos mais caros do pré-natal. No nascimento, o hospital também não ofereceu o teste do coraçãozinho e assim, a criança não foi diagnosticada. Aos 51 dias de vida, a bebê morreu em um hospital de Rio Verde, no Sudoeste Goiano.“Ela sempre chorava muito, começava a perder a cor. Fomos a alguns pediatras, mas não encontraram nada. Quando tinha 50 dias de vida, cheguei de viagem e vi que ela chorava diferente, estava gemendo de dor. Eu e a mãe dela ficamos desesperados e corremos para um centro de saúde, perto de casa. Quando perceberam que era grave, nos mandaram para um Hospital Regional. A situação era gravíssima e ela precisava de uma cirurgia. Entrei em contato com todo mundo que conhecia, advogados, amigos. Em menos de 24 horas, a gente não tinha mais a nossa filha”, lamenta.SocorroCardiologista do Hospital da Criança, que atende o SUS em Goiânia, Wilson Luiz da Silveira foi acionado por uma mensagem de celular. O pedido de ajuda, era do advogado Nilson Gomes Geraes Filho que tinha recebido a mensagem de Rogério. Apesar disso, não houve tempo para socorrer a criança. “A bebê tinha hipoplasia do coração esquerdo, uma das doenças mais graves que existem. No geral, as crianças não sobrevivem por mais de 30 dias e ela precisava ser operada o quanto antes”, explica o médico. O advogado afirma que já cuidou de muitos casos similares e que muitas famílias buscam a Justiça antes mesmo do nascimento. Especialistas defendem realização de examesResponsável pelo departamento de Cardiologia Pediátrica da Sociedade Goiana de Pediatria (SGP), Mirna de Sousa é cardiopediatra e ecocardiografista fetal e infantil. A médica afirma que um dos problemas é a falta do teste do coraçãozinho, obrigatório desde 2014. “Este teste consiste na simples verificação da quantidade de oxigênio circulante na mão e pé do bebê, realizado com oxímetro de pulso. Desta forma, é possível descobrir os casos mais graves antes da alta da maternidade. Cerca de 20% de portadores de cardiopatia congênita crítica deixam a maternidade sem diagnóstico.”A médica explica que o tratamento exige estrutura adequada e equipe especializada e que, apesar de Goiás possuir profissionais capacitados, falta muito para um atendimento adequado. Segundo ela há sobrecarga de pacientes, falta de rede ambulatorial em cardiopediatria, ausência de recursos para terapia intensiva cardiológica infantil e em métodos diagnósticos.Desde 2014, Goiás não realiza cateterismo cardíaco em crianças pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Cardiologista pediátrico e hemodinamicista especial em intervenções nas cardiopatias congênitas, o médico Paulo Calamita afirma que uma “fila informal” já ultrapassa 100 crianças no Estado. Informal, porque como o procedimento não é realizado gratuitamente pelo SUS, as famílias precisam recorrer ao Ministério Público, Poder Judiciário ou até mesmo às prefeituras.Calamita explica que o cateterismo é importante não só como solução para alguma doença, mas também para diagnóstico de outras. “As cirurgias cardíacas abrem o tórax, fazem o coração parar de bater, possuem maior risco de infecção aos pacientes. Muitas vezes, com o cateterismo, conseguimos acessar veia ou artéria com um procedimento menos invasivo e um risco menor de infecção.”O POPULAR entrou em contato com Ministério da Saúde (MS), a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) e Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia e questionou sobre os problemas levantados.O Complexo Regulador da capital, em nota, “que todas as cirurgias cardíacas pediátricas estão sendo encaminhadas para realização”. O complexo afirmou ainda que não há fila. Os demais citados não responderam até o fechamento da matéria.