Atualizada em 15.12 às 9h15.Os constantes alagamentos registrados em Goiânia nos últimos anos levaram dois professores do Campus de Trindade, do Instituto Federal Goiano, a desenvolver uma série de estudos com a finalidade de criar uma nova equação de chuvas para a capital. Maria Socorro Duarte da Silva Couto, matemática e doutora em Ciências Ambientais, e Vinicius Otto de Aguiar Ritzmann Marzall, engenheiro civil e doutorando em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, acreditam que a ferramenta poderá contribuir para políticas públicas preventivas relativas ao controle de inundações, abastecimento e racionamento de água, irrigação e erosões do solo.Os estudos, que começaram há dois anos, surgiram de uma conversa entre os dois docentes sobre os transtornos causados pelas chuvas na capital, uma cidade projetada para 50 mil habitantes e que hoje ultrapassa 1,5 milhão de pessoas. “Observamos que os dados existentes hoje são bem antigos, o que dificulta a elaboração de projetos para drenagem urbana”, afirma Maria Socorro. O ponto de partida foi a equação de chuvas elaborada pelo professor doutor Alfredo Ribeiro Costa, então docente da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Goiás, que analisa o período de 1970 a 1990, o último grande estudo sobre chuvas intensas em Goiânia.Uma equação de chuvas engloba três aspectos: intensidade, duração e frequência. Para que o estudo fidelize a realidade atual, os pesquisadores dividiram o trabalho em três etapas, contando com a ajuda da pesquisadora de iniciação científica Gabriela Mizzy. Num primeiro momento, foi analisada a intensidade das chuvas na capital entre 2009 e 2019, com dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet); em seguida foi elaborada uma equação matemática com o objetivo de proporcionar maior segurança no dimensionamento da vazão de projetos pluviais. O terceiro estudo, em andamento, arremata os anteriores, com a calibração dos parâmetros e possibilidades de aplicação da equação.“Nesta fase estamos ampliando os dados para 31 anos. Queremos mostrar o comportamento das chuvas de 1990 até 2021, identificando as diferenças do que foi observado pelo professor Alfredo Costa e o que vimos agora, na atualidade”, ressalta Vinícius Otto. Para ele não há uma preocupação evidente do poder público com a questão da drenagem urbana. “Além dos transtornos causados à população que enfrenta alagamentos, quando a água infiltra na terra são mantidos o lençol freático e as nascentes.”A expectativa é que até o meio do ano que vem os pesquisadores apresentem a nova equação de chuvas para Goiânia. “Queremos dar uma robustez maior para o estudo. Ir além dos dados, entender aspectos como, por exemplo, o adensamento urbano, que provoca ilhas de calor, e de que forma isso afeta as precipitações”, explica Vinícius Otto. O engenheiro acredita que os estudos serão relevantes não somente para Goiânia, mas também para municípios da região metropolitana, área em que as chuvas costumam ter uma regularidade por não ter grandes variações de altitude. “A variação do relevo é determinante”, concorda Maria Socorro.Soluções“Queremos apresentar esses estudos para o poder público, dividir com a sociedade. A proposta do projeto é que ele seja útil para minimizar os problemas decorrentes da chuva ou da falta dela”, afirma Maria Socorro. O colega Vinícius Otto lembra que Goiânia possui uma única lei que estabelece regras de controle de águas pluviais e drenagem urbana, a Lei 9.511/2014. “Em diversos aspectos ela é incompleta. Foi criada como um paliativo. A própria lei diz que em três anos a cidade deveria implementar um Plano Diretor de Drenagem Urbana, mas a proposta parou no meio do caminho”, diz o professor.Para Vinícius Otto, os poços de infiltração para absorver água da chuva, única proposta da lei para residências, não é uma solução genérica. “Eles podem ser uma boa solução, mas não em todos os locais. Onde há lençol freático raso, com afloramento com pouca escavação, o poço de infiltração será inútil, a água vai escorrer e continuar sobrecarregando o sistema público de drenagem.” O engenheiro civil salienta que hoje existem as técnicas compensatórias que visam atrasar o envio da água para a jusante do manancial.Os tanques de detenção, um microrreservatório que atrasa o escoamento, é uma dessas técnicas. Ele lembra que a capital paulista tem usado os piscinões, tanques em grande escala construídos perto de mananciais, onde a água fica retida por um tempo e escoa devagar. Os pesquisadores lembram que a própria população pode fazer a sua parte, enchendo reservatórios para fazer uso da água em tarefas domésticas no período de estiagem. “Além de reduzir o consumo de água tratada, reduz também a conta a ser paga por ela.” Dificuldade para fazer ciênciaMaria Socorro explica que o custo das atividades desenvolvidas no estudo é arcado por ela e por Vinícius Otto. A pesquisadora de iniciação científica Gabriela Mizzy recebeu uma bolsa de 400 reais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Quando fui pesquisadora iniciante em 1998 recebi uma bolsa de 240 reais. De lá para cá, aumentou somente 160 reais.” A professora explica que a intenção é devolver para a sociedade o que eles aprenderam. “Usamos softwares livres para que todos possam ter acesso.”Vinicius Otto conta que, em razão da ausência de dados digitais, a análise foi no “olhômetro”. “Tiramos fotos dos arquivos do Inmet relativos a todos os dias de chuvas em Goiânia desde 1990 e fomos analisando um por um, verificando as mudanças a cada dez minutos. São 10 mil dados de 2 mil dias de chuvas.” A estudante Ana Clara Nunes assumiu o lugar que ficou vago com a saída de Gabriela Mizzy.