Nesta quinta-feira (18) o Governo Federal, em parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), lançou a pesquisa Matriz de Monitoramento de Deslocamento Nacional Sobre a População Indígena Refugiada e Migrante Venezuelana. Além da OIM, foram envolvidos no levantamento o Ministério da Cidadania (MC), o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). A primeira pesquisa de perfil populacional dessas comunidades no Brasil tem financiamento do escritório de População, Refugiados e Migração (PRM), do governo norte-americano. A Secretaria Municipal de Direitos Humanos de Goiânia estima que existam na capital de 120 a 170 indígenas venezuelanos.O lançamento foi realizado das 9 horas às 17 horas, no canal da Rede Suas, pelo YouTube. Em cinco blocos ao longo do dia, com a presença de especialistas na temática, representantes de povos indígenas de diferentes etnias, dos governos locais e da sociedade civil de diversas regiões brasileiras, foram expostos os resultados da pesquisa e apresentadas as prováveis políticas públicas a serem implementadas.Chefe de missão para o Brasil da OIM, Sthefané Rostiaux lembrou que os indígenas representam 2% do fluxo migratório dos venezuelanos. “Essas informações são essenciais para garantir direitos e apoiar as redes locais de assistência para promover uma migração segura, coordenada e digna.” Daniel Fernandes, coordenador de Promoção da Cidadania da Fundação Nacional do Índio (Funai) disse que o mapeamento inédito tem um aspecto estratégico importante e poderá ser um modelo para monitoramentos futuros.Pelo levantamento, há 3.319 indígenas venezuelanos no Brasil, que começaram a chegar por volta de 2016. Eles se concentram - 2.980 indivíduos - na região Norte, em Roraima, mais especificamente, na área fronteiriça à Venezuela, porém alguns se deslocaram por cidades do Pará, Maranhão, Goiás e também chegaram ao Distrito Federal. A grande maioria íntegra o povo warao, mas foram identificadas muitas outras etnias, duas delas desconhecidas. O que chama a atenção é que 50% desse contingente é formado por crianças e adolescentes.Durante o lançamento, Nilzareth Lima, do Ministério da Cidadania, explicou que até o momento a falta de dados sobre esses povos dificultou as orientações às redes de assistência locais. “Esses dados confirmam os desafios que estamos encontrando ao longo do tempo e nos dão um cenário para trabalhar, por isso essa matriz foi tão esperada. Os desafios são muitos, entre eles o idioma, a inclusão laboral, além do acesso à saúde.” A pesquisa mostrou que, por uma questão cultural, os indígenas venezuelanos, na sua quase totalidade, procuram resolver problemas de saúde usando seus conhecimentos ancestrais, antes de procurar a rede hospitalar.GoiâniaA Secretaria Municipal de Direitos Humanos de Goiânia estima que existam na capital de 120 a 170 indígenas venezuelanos. Eles estão concentrados nas proximidades do Terminal Rodoviário de Goiânia, no Setor Norte Ferroviário, e nos setores Criméia Oeste e Urias Magalhães. O advogado Liorcino Mendes, da organização não governamental Missão Amar Sem Fronteiras (Masf), diz que integrantes de outras etnias estão em Goiás, mas não são reconhecidos como indígenas.O povo warao é a segunda maior etnia da Venezuela, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), e teve o smodo de vida e cultura duramente atingidos por ações do governo e de empresas. Expulsos de sua terra, esses indígenas foram para a periferia das cidades, tornando-se mão de obra barata. Quando a economia da Venezuela entrou em colapso, passou a depender de cestas básicas. Com a fome apertando e acostumados a migrar, começaram a percorrer longos trajetos em busca de comida.Os warao começaram a chegar a Goiás no fim de 2019. Vindos de Parauapebas (PA), onde estavam depois de atravessar a fronteira da Venezuela com o Brasil, cerca de 30 pessoas acamparam no Terminal Rodoviário de Anápolis em condições precárias. Uma menina de seis anos, que já tinha ficado internada na cidade paraense com pneumonia, não resistiu após o longo trajeto que fez com seu grupo étnico. Eles foram atendidos pela prefeitura local, mas depois migraram para a capital onde muitos deles estão nas ruas pedindo dinheiro. Advogado de ONG questiona benefíciosPara o advogado Liorcino Mendes, da organização não governamental Missão Amar Sem Fronteiras (Masf), até o momento as atenções do Governo Federal para a questão migratória dos indígenas venezuelanos estão voltadas para aqueles que se estabeleceram na Região Norte, em maior número. “Não há apoio para o Centro-Oeste. A grande dificuldade que enfrentam são aspectos relacionados à cultura, como alimentação e idioma. Recebem comida enviada por órgãos do governo, mas os itens nada têm a ver com seu hábito alimentar”, explica.Liorcino Mendes não acredita que a pesquisa nacional traga benefícios para os indígenas venezuelanos estabelecidos em Goiás. “O fato de ser um levantamento financiado por um órgão norte-americano mostra que há uma preocupação em não deixar que esses povos sigam para os Estados Unidos que já enfrentam problemas com imigrantes da América Central. O governo norte-americano prefere ajudar com abrigos e comida no Brasil, beneficiando aqueles que estão na região Norte e não no Centro-Oeste”, afirma. Desde que chegaram a Goiás, os indígenas venezuelanos têm recebido assistência das Defensorias Públicas do Estado de Goiás (DPE-GO) e da União (DPU), que chegaram a propor uma ação civil pública com pedido de tutela de urgência antecipada para que fosse providenciado acolhimento adequado. A ONG Masf e a Pastoral dos Imigrantes também dão o suporte necessário a essas comunidades. Em abril deste ano, com mediação da Secretaria Municipal dos Direitos Humanos, a Polícia Federal liberou a documentação de 25 integrantes da etnia warao, legalizando a permanência deles no Brasil. O apego à própria cultura, a barreira da língua e a falta de escolaridade, entretanto, dificultam o acesso ao trabalho e, consequentemente, a condições ideais de moradia. Para a OIM, respeitar a cultura alimentar dos povos indígenas é um direito humano, assim como entender como se organizam nos deslocamentos.